Por Pedro Nascimento Araújo
A Organização dos Estados
Americanos (OEA), sediada em Washington, é uma criação da Guerra Fria. Criada
em 1948 como a institucionalização de um sistema de defesa hemisférica (o Pacto
do Rio, celebrado em 1947, dispõe que um ataque a uma nação americana equivale
a um ataque a todas as nações americanas – na prática, autoriza retaliações bélicas
com base em legítima defesa coletiva) em épocas de expansão do Império
Soviético. O tempo passou, o Império Soviético desmoronou-se e a Guerra Fria
acabou. O Pacto do Rio, também conhecido como TIAR (Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca) nunca foi oficialmente acionado, embora o Brasil o tenha
citado ao justificar seu apoio à invasão do Afeganistão após o 11 de Setembro.
Se, em termos de defesa coletiva,
algumas poucas ações importantes de caráter hemisférico foram tomadas no seio
da OEA, como a suspensão de Cuba em 1962 por instalar mísseis nucleares
soviéticos em seu território ou o mandato para intervir na República Dominicana
em 1965, em termos de direitos humanos o sistema interamericano possui um dos
mais avançados mecanismos: o Pacto de San Jose da Costa Rica, atualmente sob
fogo cruzado dos chamados bolivarianos, que criticam o poder da Corte
Interamericana de Direitos Humanos para denunciar e investigar os abusos que
eles cometem. Assim, com a defesa coletiva procurando uma razão de existir sem
a ameaça da expansão comunista e com a defesa dos direitos humanos sendo
atacada por alguns de seus membros, a OEA não vive seu momento mais pujante. E,
no entanto, em meio a tudo isso, a OEA lançou, na última semana, um documento
fabuloso: o Relatório Sobre o Problema das Drogas nas Américas. É
revolucionário.
Simplificando o que as mais de
400 páginas dizem, o que a OEA propõe é que a abordagem não seja mais
compartimentalizada. Em outras palavras, o problema das drogas (um problema
mundial, como a ONU reconhece) precisa ser atacado em várias frentes e em
conjunto no hemisfério americano. Na América, já vimos um país quase sucumbir
ao poder do narcotráfico e, como um viciado após um tratamento bem sucedido,
reerguer-se: a Colômbia, que nas décadas de 1980 e 1990 chegou perto de ser um
narcoestado. Hodiernamente, vemos a expansão do narcotráfico no Peru e na
Bolívia, aonde os níveis são preocupantes, e a cartelização no México, aonde
são alarmantes. Não é errado afirmar que nosso continente conta simultaneamente
com os maiores produtores e os maiores consumidores de narcóticos do mundo.
Assim, quando a OEA vem a público afirmar que o problema é de todos e atinge a
todos, ainda que de forma diferenciada conquanto as fragilidades intrínsecas de
cada estado sejam maximizadas pelos narcotraficantes, faz um chamado a todos os
países da América: sejamos pragmáticos e deixemos de lado diferenças políticas,
ideológicas, culturais etc. em favor de uma estratégia conjunta que busque
confinar os males das drogas às infinitas questões de saúde que trazem em seus
bojos. As drogas já causam estragos demais nas vidas dos usuários e de suas
famílias. Não precisamos, além disso, ter associadas a elas violência,
corrupção – destruição de vidas e de instituições que somente são afetadas
porque as drogas ilícitas são, afinal, Ilícitas.
Ninguém em sã consciência é a
favor das drogas. Nenhuma pessoa de boa índole deseja que seus parentes ou
amigos viciem-se em drogas – nem mesmo viciados desejam isso para seus familiares.
Porque as pessoas de bem não querem que as drogas desgracem as vidas de outros
seres humanos, drogas como a maconha e os opiáceos (dentre os quais, ópio e
heroína) são proibidos desde o começo do século 20 – sob essa mesma boa e
legítima intenção, as bebidas alcoólicas foram proibidas nos Estados Unidos na
chamada Lei Seca. Porém, ao contrário das bebidas alcoólicas, as drogas nunca
foram legalizadas desde o banimento e continuam um negócio muito lucrativo até
hoje – e, por ser um negócio lucrativo ilegal, o corolário imediato é a
violência e a corrupção na obtenção de mercados. A OEA não propõe a legalização
das drogas como forma de acabar com os narcotraficantes, que não perderiam
apenas suas fontes de rendas – perderiam suas próprias razões de existir, mas
propõe “mais flexibilidade” aos governos da região ao tratar do assunto: na
prática, menos ideologia e mais pragmatismo.
Segundo o chileno José Miguel
Insulza, presidente da OEA, o relatório apresenta dados e instiga ao debate sem
preconceitos. Se, ao final de uma análise imparcial dos dados, os países
americanos decidirem por um banimento total da maconha, que hodiernamente é
liberada em maior ou menor grau em 17 estados dos EUA e no Uruguai, por
exemplo, terá sido uma decisão madura e coerente. O mesmo vale para uma
liberalização total da maconha: se for para liberar, que seja porque, após
analisar os dados disponíveis, chegou-se à conclusão que, ao invés de tratar
dependentes e combater traficantes, é socialmente melhor focar apenas no
tratamento aos dependentes. Em última análise, o que a OEA propõe é a
despolitização da agenda do problema mundial das drogas. Sem paixões políticas
e vieses ideológicos, os países poderão ser pragmáticos e decidir com base em
dados objetivos. Decisões assim são maduras e acertadas, simpatizemos
pessoalmente com elas os não.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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