Por Pedro Nascimento Araujo
Localizada no meio do Mar
Mediterrâneo, Lampedusa é uma bela ilha no extremo sul da Itália; na verdade,
geograficamente falando, o correto seria dizer que Lampedusa é uma bela ilha no
extremo norte da Tunísia, uma vez que está mais perto da costa tunisiana (100 quilômetros)
que da costa italiana (180
quilômetros). Porém, como, na configuração das nações, a
lógica geográfica importa menos que a lógica política, Lampedusa ficou com a
Itália e, portanto, com a União Europeia, fator crucial para Lampedusa ter
frequentado o noticiário internacional nas últimas semanas: em dois acidentes
(dias 3 e 11 de Outubro), quase 400 imigrantes ilegais morreram tentando chegar
às suas belas praias e, com isso, alcançar a União Europeia. Em Lampedusa, os
líderes União Europeia (UE) se encontram diante da difícil missão de decidir
quando racionalidade e humanidade estão em lados opostos.
Em termos racionais, há a lei e a
viabilidade econômica. Ambas são desfavoráveis aos imigrantes ilegais. Sob a
ótica das frias letras legais, Lampedusa é um dos piores lugar para um
imigrante ilegal aportar na União Europeia. A Lei Bossi-Fini (2002), que tornou
a punição mais severa para imigrantes ilegais, tinha a intenção de dificultar a
imigração ilegal em um momento no qual a própria União Europeia começava a
discutir uma política de imigração unificada. Embora a UE tenha optado por
facilitar a imigração, não o fez de forma igualitária para todos os que desejam
mudar-se para solo europeu: na verdade, a diretriz pressupõe estimula a
imigração e facilitar a vida de imigrantes – desde que qualificados e desde que
com destinação específica: atender às inúmeras necessidades de força laboral em
um continente que envelhece e que precisa não apenas de reposição de População
Economicamente Ativa (PEA), mas também em vias de demandar novas ocupações para
lidar com um contingente de idosos cada vez mais numeroso. Obviamente, não é a
situação de imigrantes africanos que, tal e qual cubanos, arriscam suas vidas
se amontoando em embarcações precárias (para dizer o mínimo) apenas para sair
de seus infernos natais e enfrentar os infernos de ser cidadãos de segunda
classe em terras estrangeiras – e não ajuda em nada na receptividade italiana o
fato de serem majoritariamente negros.
Economicamente falando,
aparentemente não faz sentido alguém ir para a União Europeia em tempos de
recessão prolongada – muito menos para a Itália, um dos PIIGS (Portugal,
Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, na sigla em inglês, um homófono de “porcos”
que designa os países com as piores situações fiscais na Europa cujos calotes
foram evitados basicamente por meio de dinheiro da Alemanha) e um país em
situação política precária há muitos anos. Entretanto, é tão pior a situação
nos países de origem dos imigrantes ilegais que arriscam a vida (não é força de
expressão: estima-se que, em média, mais de mil pessoas morram por ano tentando
chegar a Lampedusa), que uma Itália à beira da bancarrota, cada vez mais
xenófoba e parte de uma União Europeia também em crise e também cada vez mais
xenófoba (vide a popularidade da Frente Nacional na França) passa a ser uma
versão terrena do Paraíso. O Premier italiano, Enrico Letta, prometeu aumentar
a vigilância enviando navios e aeronaves para patrulhar o Mediterrâneo e deter
as balsas com os imigrantes ilegais antes que outro naufrágio ocorra – ou, como
seus críticos dizem, antes que os imigrantes ilegais tenham a chance de pisar
em solo italiano.
Em termos humanitários, a
situação é simples: há seres humanos, que Deus fez irmãos de cada um de nós,
morrendo no Mar Mediterrâneo na tentativa desesperada de fugir de suas
realidades terríveis na África. O naufrágio de 3 de Outubro é exemplar de quão
desesperadora é a situação dessas pessoas – e de o quão desesperadas (e
desastrosas) podem ser suas decisões em tais contextos. Ao perceberem que
seriam abordados pelas autoridades italianas e, portanto, forçados a regressar
à África, os responsáveis pela embarcação tomaram uma medida que só faz sentido
à luz do desespero: iniciaram um incêndio a bordo. A ideia era forçar os
italianos a leva-los a Lampedusa por questões humanitárias – uma vez lá, seria
mais fácil tentar um visto para entrar legalmente ou fugir e entrar
ilegalmente. É uma tática usada com certa frequência e com relativo sucesso,
embora seja arriscada, como ficou comprovado nesse caso: o fogo saiu de
controle e 339 mortes foram confirmadas até agora.
O que há de tão errado em suas
vidas para que prefiram passar por isso a ficar em seus países de origem?
Simples: a maioria dos que tentam chegar à Europa por Lampedusa é de somalis e
de eritreus. São 2 países em frangalhos. A Somália tem um arremedo de governo
na capital, ao passo que o resto do país é comandado prioritariamente por
terroristas islâmicos que se financiam por pirataria, sequestro, tráfico de
drogas e extorsão e que impõem a Sharia por onde passam, proibindo coisas
banais como ouvir música ou fazer a barba (para os homens) ou estudar e se
escolher se, quando e com quem se casar (para as mulheres). É impossível
calcular o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, na sigla em inglês) em um Failed State
como a Somália porque, simplesmente, não há dados oficiais, mas a CIA calcula
seu PIB per capita em apenas 800 dólares, 193º dos 195 medidos no mundo (para o
Brasil, a CIA calcula um PIB per capita de mais de 12 mil dólares) dá uma ideia
da pobreza local. Há mais dados disponíveis acerca de seu vizinho no Chifre da
África, a Eritreia, país que é um triste estereótipo das nações africanas
reduzidas a nada por seus líderes políticos: comandada desde a independência
(1993) por Isaias Afewerki, um tirano treinado na China que governa com mão de
ferro sem eleições e com partido único. Obviamente, Isaias Afewerki é corrupto
como todo ditador (sua fortuna pessoal é calculada em mais de ¼ de bilhão de
dólares), ao passo que o povo que ele explora é extremamente pobre (o PIB per
capita calculado pela CIA é de 800 dólares e o IDH de 0,381 é o 181º dos 187 medidos
no mundo). Como fica claro, para quem mora em tais lugares, onde simplesmente
não há futuro, emigrar, mais que uma opção, pode ser uma necessidade que
justifica correr riscos tão elevados.
Na União Europeia, uma difícil
decisão terá de ser tomada. Transformar a Europa em refúgio aberto para todas
as pessoas que passam por dificuldades na África é inviável. Porém, não é
possível mais ignorar o a situação desesperadora dessas pessoas: 400 mortos em
2 acidentes mostram que o fluxo não deve arrefecer – na verdade, deve ser
ampliado por refugiados da Guerra Civil Síria e da deterioração da segurança em
todo o Oriente Médio – e que algo mais precisa ser feito. Obviamente, não se
resolve uma situação como essa da noite para o dia. Medidas como aumentar o patrulhamento
no Mediterrâneo são necessárias, mas são passam de paliativos. O verdadeiro
desafio é ajudar a África a se desenvolver. Um livre comércio seria um bom
primeiro passo, com as indústrias europeias passando a produzir (ou seja,
pagando salários e cumprindo legislações trabalhistas) na África ao invés de na
China. Mas não pode ser apenas liberdade comercial. Há de se pressionar para
haver liberdade política e de pensamento, no continente assolado por ditaduras
que duram décadas – o mais de ½ século e contando de ditadura dos Irmãos
Castro, por mais execrável que seja, é uma aberração na América Ibérica, não a
regra. Não se trata de simplesmente doar mais dinheiro: como já ficou provado,
doar dinheiro para um Isaias Afewerki significa enriquecê-lo e manter seu povo
na mesma miséria de sempre – como se sabe, o Ocidente já doou muito mais que o
Plano Marshall para a África sem que nada tenha resultado como benefício
duradouro para seu povo. Se a União Europeia quer que o fluxo de imigrantes
ilegais da África para seu território diminua, ela precisa usar seu peso e seu
poder para negociar uma área de livre comércio nos moldes do NAFTA com a África
(hoje, é possível dizer que a emigração mexicana para os EUA é menor a cada ano
por conta das oportunidades decorrentes do livre comércio com o gigante a norte
do Rio Grande), mas somente com aqueles países que mantiverem franquias
democráticas, império da lei e liberdades de expressão, de opinião, de fé e
igualdade de gêneros. No começo, poucos aceitarão e muitos senhores da miséria
africana usarão o falacioso discurso de neocolonialismo europeu (dá para
imaginar Isaias Afewerki brandindo com veemência sua defesa da “independência”
da Eritreia, eufemismo para a manutenção do país como seu feudo particular),
mas, com o tempo, os resultados inegáveis na vizinhança atrairão mais e mais
países para o lado da prosperidade. Em Lampedusa, a União Europeia se vê diante
de uma rara oportunidade de decidir entre enxugar gelo (mandar mais navios e
aeronaves de guerra ao Mediterrâneo) e criar uma solução de longo prazo (um
NAFTA com a África). Apresentando assim, é óbvio o que deve ser feito – o
problema é que o óbvio é sempre mais difícil, mais demorado e mais obviado.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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