Nomes de batismo são mais do que
as preferências dos pais. Todos eles têm significados e simbolismos que, por
vezes, ficam perdidos na areia do tempo. Tome-se Iago como exemplo. Na origem,
Iago é uma variante de “Jacó” e faz alusão à figura bíblica. Uma origem
certamente digna. Depois, em “Otelo”, William Shakespeare tornou Iago sinônimo
da perfídia, com sua descrição de um obcecado que manipula e mente
deliberadamente com muita habilidade. Por muito tempo, os pais evitavam batizar
um filho como Iago. E eis que, atualmente, Iago voltou a ser um nome
relativamente comum – e poucas pessoas associam o nome à sinistra personagem
shakespeariana. Michel é o nome de batismo do presidente ainda não efetivado no
cargo. Para Temer, os pais escolheram o nome do arcanjo guerreiro, comandante
das falanges celestes. Michel, em hebraico, significa “semelhante a Deus”. Bela
origem. Todavia, a se julgar por algumas ações que Michel Temer tomou em sua
primeira semana no Palácio do Planalto, talvez os pais tivessem acertado mais
se tivessem escolhido Claudio para batizá-lo. Claudio significa alguém que
manca, hesita. Uma pessoa que não é firme em suas decisões. Enfim, uma pessoa
que claudica.
Com sua indecisão na montagem do
ministério, Michel Temer passou uma perigosa imagem de fraqueza. Começou pela
própria indefinição acerca de quantos ministérios seu governo teria, depois dos
absurdos quase 40 ministros de Dilma Rousseff. Em um balão de ensaio, Temer
vazou que teria uma quantidade de ministérios que seria compatível com a quantidade
de prédios na Esplanada dos Ministérios. Ou seja, cortaria pela metade o total
de ministros. Depois, com as legendas de aluguel cobrando cada vez mais caro
pelo apoio parlamentar, outro balão de ensaio dizia que Michel Temer cortaria
algo entre três a cinco ministérios. Essa sugestão foi pessimamente recebida
pela opinião pública às vésperas da aprovação do processo de impeachment na
Câmara dos Deputados. Afinal, se era para mudar quase nada, ficava difícil
convencer a sociedade acerca da necessidade de trocar a pessoa que dá
expediente no terceiro andar do Palácio do Planalto. E então Temer voltou atrás
e reduziu as pastas para pouco mais de 20. O número é inexato de propósito – ao
final de sua primeira semana no poder, o nascente governo de Michel Temer deu a
mais patética sinalização de fraqueza e quiçá de um misto entre demagogia e
necessidade de aprovação pueril: recriou o Ministério da Cultura, que havia há
poucos dias fundido ao Ministério da Educação. Nunca um governo recém-empossado
se mostrou tão pateticamente claudicante.
A fusão, a recriação ou a
extinção do Ministério da Cultura não são o ponto mais importante. Afinal, o
fato de se ter um ministro a menos ou a mais, em si, não afeta muito o
pantagruélico estado brasileiro. E, além disso, é possível se ter uma política
cultural péssima com ministério e uma política cultural excelente sem
ministério – e vice-versa – e, no Brasil, já tivemos exemplos de tudo no
comando da política cultural nacional, de Gustavo Capanema a Marta Suplicy. Ou seja,
estritamente falando: Michel Temer pode fazer sua política cultura com ou sem
um ministro da Cultura. A decisão dele, depois das já tradicionais claudicadas,
foi pela recriação do Ministério da Educação e da Cultura, o tradicional MEC.
Nesse momento, Temer estava afinado com o sentimento da amplíssima maioria da
população brasileira, que enxerga no hipertrofiado número de ministros uma
metonímia do gigantesco estado nacional. Menos ministérios significa, no mais
direto entendimento popular, menos gastos do governo – e, portanto, menos
impostos e mais dinheiro no bolso. Porém, menos de uma semana depois, Michel
Temer deu a maior das claudicadas. Ativistas políticos contrários ao impeachment viram
na recriação do MEC uma bandeira para mobilizar artistas também contrários ao impeachment e
dar-lhes palanque. Dito e feito.
Com a espontaneidade milimétrica
de uma cena inúmeras vezes repetidas, artistas de renome começaram a protestar.
Declarações contrárias ao novo governo espocaram nas mídias. A emblemática sede
do MEC no Rio de Janeiro, o Palácio Capanema, foi ocupado e faixas de protesto
foram espalhadas. Cantores famosos fizeram shows nas ocupações, avalizando-as
nada tacitamente. Todos se diziam contra a política cultural de Michel Temer. É
bem verdade que, com uma semana de governo, Michel Temer nem mesmo tinha uma
política cultural que pudessem criticar, mas aparentemente ninguém atentou para
esses detalhes. Afinal, esses artistas são contrários ao impeachment e,
portanto, contrários a qualquer coisa que Michel Temer faça – aliás, ainda que
ele fosse o próprio arcanjo Miguel disfarçado de homem e se revelasse
comandando a vitória das forças celestes na apocalíptica batalha contra
Satanás, esses artistas não o aprovariam simplesmente porque são contrários ao impeachment e
ponto final. Por isso, não faz qualquer sentido a decisão claudicante Temer
tomou de recriar o recém-extinto posto de ministro da Cultura. Ao fazer isso,
Michel, o Claudicante deu mais do que a mais ridícula prova de que seu apodo é
apropriado. Ele tentou fazer uma demagogia rasteira e inútil com a parcela da
classe artística que nunca o apoiará. Gastar dinheiro público para adular
pessoas que não gostam dele é uma demonstração de insegurança juvenil que não
combina com um governo que tem tão numerosos desafios na proa. Michel, o
Claudicante cedeu à pressão de alguns artistas e não vai ganhar um iota de
apoio desses artistas em retribuição: eles são contrários ao governo Temer n’importe
quoi. Aliás, não seria de se estranhar se, agora que perceberam que Michel
Temer não é firme, ativistas e artistas contrários ao impeachment resolverem
aumentarem as ocupações com o intuito de tumultuar a vida política do governo
de Michel, o Claudicante. Com esse início vacilante, ele anda fazendo por merecer.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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