Chicão e o seu isqueiro incorrigível.
Não consigo deixar passar em branco algumas coisas,
fundamentalmente aquelas informações que por falsas premissas pretendem minar a
história de algumas pessoas.
Assim como escrevi um texto sobre o desacerto do Jânio em processar o Chicão, escrevo agora um para mostrar os erros do Chicão em relação ao seu comentário sobre o fato do livro do Chico Buarque estar sendo traduzido para o coreano.
Bem, em primeiro lugar o que houve é aprovação na Lei
Rouanet para que o livro possa buscar patrocínio através deste dispositivo
legal. Não houve ainda dinheiro público nesta história, e se o livro não captar
recursos não terá havido nenhum dinheiro nesta história.
Portanto, precipitam-se maldosamente aqueles que dizem que
está se usando dinheiro público. Pois a aprovação de um projeto na Lei Rouanet
não é necessariamente uso de verba pública, e a Lei Rouanet é um incentivo
fiscal. Ou seja, ela permite que uma empresa aporte recursos numa obra de arte
para depois descontar este valor do imposto de renda. É uma descentralização de
financiamento público para as artes, mas não é dinheiro que sai de dentro do
Tesouro Nacional.
Em segundo lugar, o montante aprovado é de R$ 7.000,00 (sete
mil reais). O que não significa nenhum absurdo artístico. Ao contrário,
demonstra o total compromisso com a lisura do processo e os custos do projeto.
Em terceiro lugar, quem está sendo aprovado para captar
financiamento (e não já financiado) é um livro premiado no Brasil, não o seu
autor. E premiado na mais importante feira nacional. Portanto é financiamento
para quem se aventura a fazer a tradução. E faz parte da estratégia de qualquer
país expandir os seus bens culturais como forma inclusive de enriquecer a sua
língua. No caso em questão tanto mais, pois visa ainda valorizar a nossa
história, afinal é um romance que mistura o passado real do Brasil à vida de um
personagem fictício.
Em quarto lugar, as figurinhas que estão batendo nesta
história (com a falsa informação de que o livro está sendo financiado com
dinheiro público, quando apenas recebeu aprovação para captar financiamento)
são figurinhas carimbadas da intriga e da fofoca. Um é o direitista fanático,
Reinaldo Azevedo, da revista Veja, e o outro um militante da causa gay,
jornalista e escritor, Helder Caldeira. São dois profissionais reconhecidos
pelo furor raivoso que caracterizam os seus textos quando tratam de analisar
seus “desafetos”. E aí as análises estão pessoalizadas, sendo impossível
levá-las à sério.
Helder Caldeira chega a usar um artifício literário para
disfarçar a sua ira, pois ele afirma no início do texto que tem inveja do Chico
Buarque apenas para mais abaixo traduzir este sentimento por vergonha. Mas é,
na verdade, um artigo repleto de ódio e verdadeiramente carregado de inveja.
Talvez lhe faltem os olhos azuis.
Enfim, o Chicão às vezes coloca no mesmo caldeirão situações
bastante diferentes. Este caso específico se dá porque a militância política do
Chicão, que não está em cheque e nem diminuída, não foi entretanto orgânica,
pois quem estava dentro do problema naquela época sabe o quanto foi importante
a participação do Chico para a resistência e para as causas da redemocratização
do Brasil, bem como pelas lutas de libertação de outros povos da América
Latina. Quantos de nós não foi a Cuba ou a Nicarágua, eu inclusive, em vôos de
solidariedade que se iniciavam em livros de ouro encabeçados pelo Chico? E ele
foi uma figura importante também por sua postura, pelas posições que defendia,
pelo confronto explícito com a Rede Globo, por ter sido presidente do CEBRADE
(Centro Brasil Democrático), e dali ter organizado a resistência cultural com
os shows do primeiro de maio, como o do Riocentro. Mas certamente não seriam
sete mil reais que iriam questionar a pessoa Chico Buarque de Holanda.
Mas o Chicão não fazia parte deste movimento, ele mesmo
assume o seu passado de rockeiro, e isto certamente o levava para longe desta
resistência à ditadura através das manifestações culturais da nossa língua e da
nossa arte, resistência esta que tinha no Chico o estandarte desta briga. E no
qual muitas pessoas confiaram a sua história, como, por exemplo, a Zuzu Angel,
que deixou com ele um bilhete escrito de próprio punho onde acusava a ditadura
de querer matá-la. Bilhete este que o Chico guardou sigilosamente durante anos,
usando-o apenas quando o Congresso Nacional instalou a comissão para rever os
crimes da ditadura militar.
Mas é assim mesmo, fico triste apenas que ele vocalize ecos
de rancor alheio, pois gostaria de vê-lo mais construtivo, e menos incendiário,
porque, na verdade, um incendiário rockeiro muitas vezes coloca fogo onde não
deveria.
Comentários
Postar um comentário