O
último desejo da pata de macaco de Dilma Rousseff
Assim que o primeiro turno das
eleições presidenciais de 2014 aconteceu, citamos (06-Out-2014) um conto de
William Jacobs chamado “A pata do macaco” para analisar o cenário que se
delineava. Dado que o conto não é muito popular no Brasil, uma pequena digressão
faz-se mister. Em “A pata do macaco”, Jacobs conta a triste sina da família
White. O patriarca, um típico oficial vitoriano a serviço da Coroa na Índia,
toma posse de uma pata de macaco que realiza três desejos a quem a possuir. Seu
dono anterior a atirou ao fogo após ter pedido como derradeiro desejo a própria
morte – algo que deveria ter despertado suspeitas no resoluto Mr. White, mas,
se o fez, elas foram rapidamente obnubiladas pela cobiça. Mr. White fez à pata
um primeiro desejo franciscano: a quantia exata para quitar sua hipoteca. E a
pata atendeu-lhe: o valor do seguro de vida de seu filho único correspondia
exatamente ao que ele pedira, com o rapaz sofrendo um acidente fatal na hora em
que seu pai formulou o pedido. Uma semana depois, a pedido da esposa, Mr. White
gastaria o segundo desejo para pedir o filho vivo de volta à casa. Dito e
feito. Todavia, quem bateu insistentemente à sua porta foi o cadáver putrefato
há uma semana do que havia sido o filho do casal. Conquanto as batidas do
defunto em sua porta não cessavam, Mr. White gastou seu último desejo pedindo a
morte do filho. A obra de Jacobs resume-se em um conselho muito comum nos
países de língua inglesa: deve-se tomar muito cuidado com o que se deseja.
Quando o primeiro turno de 2014 acabou, Dilma Rousseff provavelmente
arrependeu-se do que tanto desejou à sua metafórica pata de macaco: ao destruir
Marina Silva, tornou inevitável a até então altamente improvável aliança entre
ela e Aécio Neves. Primeiro desejo, primeira maldição. Então, ela gastou seu
segundo desejo para vencer Aécio Neves. Venceu, mas, como sói ser quando a pata
de macaco age, o custo é impagável: desde a vitória, Dilma Rousseff comanda um
governo natimorto. Ela conseguiu a nada invejável proeza de desagradar tanto a
quem não votou nela quanto a quem votou nela, chegando ao estágio atual:
presidente mais rejeitada pelo povo brasileiro da história e responsável pela
maior depressão econômica da história brasileira. Seu governo, em suma, é
desastre ambulante – e com um metafórico último desejo na mais metafórica ainda
pata de macaco.
Primeiramente, não há porque
imaginar que Dilma Rousseff usaria sabiamente seu último desejo em nossa
paródia do conto de William Jacobs. É improvável que ela tenha a lucidez dos
donos anteriores e peça para que seu governo há muito acabado de facto finalmente
acabe de jure. Objetivamente falando, não há governo central no Brasil
atual. As decisões políticas e econômicas de Dilma Rousseff são um desastre
completo. Economicamente, o Brasil já está vivendo uma nova Década Perdida – e
há risco de ela durar bem mais de uma década. Mais do que isso: em alguns
indicadores, regredimos mais de duas décadas. Sua incompetência atávica será
sentida gerações após ela ter desaparecido do mundo político. Seu legado
político resume-se a apenas um consenso: Dilma Rousseff não tem mais condições
de comandar sequer uma loja de R$ 1,99 (nesse caso, não é metáfora: na única
vez em que se aventurou a fazê-lo, faliu a loja – em retrospecto, algo que
deveria ter merecido mais atenção por parte dos eleitores), quanto mais um país
de 200 milhões de pessoas. De fato, certamente não há salvação para o governo
de Dilma Rousseff. Senão, vejamos. Com ridículos 10% de aprovação popular,
Dilma Rousseff só teria uma forma de governar: fazendo reformas estruturais
ortodoxas fortíssimas, que geralmente levam a popularidade de quem as propõe a
patamares não muito acima dos que ela exibe agora. Todavia, para tentar se
manter no cargo, ela toma medidas opostas e recorre ao populismo rastaquera,
flertando novamente com a irresponsabilidade fiscal – a mesma base legal para o
atual processo de impeachment contra ela em curso no Congresso
Nacional. Na prática, Dilma Rousseff está penhorando o futuro dos brasileiros
para manter seu cargo, engajando-se em uma barganha capaz de fazer a pata de
macaco de William Jacobs soar pueril. Se estivéssemos no campo penal, diríamos
tratar-se não de um movimento suicida, mas de um homicida – ou genocida. E,
ainda assim, o resultado final é o mesmo: Dilma Rousseff não terminará seu
mandato, ocorra o que ocorrer. Com o final trágico indelevelmente inexorável, a
experiência da pata de macaco recomenda usar o último desejo para se ter um fim
menos sofrido. É a racionalidade que se espera que Dilma Rousseff tenha, mas
que, por experiência, se sabe que ela não terá.
A racionalidade é direta.
Suponhamos que Dilma Rousseff consiga impedir que o primeiro processo de impeachment tenha
êxito em destituí-la. Nesse caso, ela ficaria tributária do apoio dos setores
políticos mais radicalmente à esquerda – além, por óbvio, dos fisiologistas de
plantão, cujas lealdades são absolutamente fiduciárias. Todavia, a realidade
não é um palanque em um palácio com uma claque de audiência. Se sobreviver ao
primeiro processo de impeachment, sob pena de falir oficialmente o Brasil,
Dilma Rousseff terá de fazer exatamente o que os 10% que a apoiam não querem
que ela faça: reformas estruturais ortodoxas extremamente profundas. Em bom
português: reforma fiscal, reforma monetária, reforma previdenciária, reforma
trabalhista etc. – ou seja, reformas econômicas, tanto na microeconomia quanto
na macroeconomia e na economia pública. Reformas liberais, para sintetizar na
palavra que provoca calafrios nos 10%. Com isso, o último apoio que ela tem ruirá
como uma pirâmide de cartas ao vento. Um novo processo de impeachment (muito
provavelmente o apresentado pela OAB) certamente ganharia força no Congresso
Nacional – e, no caso em tela, seria turbinado pelos que impediram que o
primeiro processo lograsse êxito. Afinal, em um cenário como o descrito,
estaria configurado o virtual consenso que varreria Dilma Rousseff da vida
política brasileira para sempre, não sem antes aprofundar e prolongar o
sofrimento do povo brasileiro por longos, dolorosos e, principalmente,
desnecessários meses – uma vez que o final será o mesmo. É bem possível, ainda,
que o processo de cassação de sua chapa corra em paralelo no Superior Tribunal
Eleitoral, levando a um desgaste de proporções épicas; de fato, não se tem
registro de um chefe de Poder que estivesse concomitantemente sendo cassado
pelos outros dois Poderes em processos distintos. Seria a suprema humilhação
para ela, mas Dilma Rousseff, lunática como Hitler no bunker em 1945, continua
a negar a realidade, como se estivesse eternamente presa à primeira das cinco
fases do modelo de luto de Elisabeth Kubler-Ross, sem conseguir jamais evoluir
na escala. Ou a uma maldição da pata de macaco, talvez dissesse William Jacobs
a respeito dela. Em qualquer cenário que se trace, o final é o mesmo: tudo
converge para Dilma Rousseff politicamente morta antes do final do seu mandato.
O Brasil não tem mais tempo, dinheiro ou paciência para aturar por mais 30
meses uma incompetente que arrasta correntes há 18.
Não há mais salvação para Dilma
Rousseff. O custo imposto ao país por sua insana – e inútil – tentativa de
aferrar-se ao poder é tão elevado que dois dos três Poderes decidiram se juntar
para, dentro das normas constitucionais, retirar a ocupante do Poder
disfuncional. As patéticas tentativas de pespegar uma estampa golpista a um
movimento previsto na Constituição e que, por sua excepcionalidade, exige que
dois Poderes estejam de acordo, não pode ser considerado golpe exceto por vis
tentativas de desqualificar tanto oimpeachment quanto a inteligência dos
brasileiros – afinal, os que defendem essa tese apresentaram inúmeros pedidos
de impeachment contra absolutamente todos os governos dos quais não
participaram. A coisa é tão patética que se chegou a cunhar uma expressão que
bem poderia fazer parte de 1984, a clássica obra de George Orwell: “golpe
constitucional” é uma verdadeira pérola do Doublethink, uma perfeita
expressão de Newspeak – uma contradição per se. Eis o nível de
distopia a que chegou o governo de Dilma Rousseff. Com um desejo sobrando na
pata de macaco, o racional seria desejar que o primeiro processo de impeachment acabasse
com sua vida política. Dessa forma, ela ainda poderia tentar posar de vítima de
um surreal “golpe constitucional” (Orwell deve estar se retorcendo de inveja no
túmulo por não ter incluído essa expressão em sua obra-prima) e, com sorte, ser
esquecida pelos brasileiros. Mas, não: Dilma Rousseff insiste em arrastar 200
milhões para o abismo por mera veleidade. Por conta da mais mesquinha avareza
em relação ao cargo ao qual foi conduzida pelo voto popular, Dilma Rousseff
está hipotecando um país. Ainda há tempo para ela se dar conta de que ela perde
em todos os finais racionalmente possíveis. Ainda há o terceiro desejo da pata
de macaco. William Jacobs não previu final para quem ainda não dá sinais de ter
aprendido a lição, mesmo depois de testemunhar por duas vezes que é muito sábio
tomar cuidado com o que se deseja. O governo de Dilma Rousseff em geral e Dilma
Rousseff em particular constituem uma situação tão irracional que nem mesmo a
melhor ficção considera crível a existência de tal nível de insanidade. Dilma
Rousseff está tentando escrever um novo final para o último desejo de sua pata
de macaco – um final no qual a personagem não aprende com os erros e não usa o
poder para fazer cessar a maldição. Oxalá ela não consiga, pois fica cada vez
mais claro que somo nós as vítimas dos usos insanos que ela faz dos desejos de
sua nem tão metafórica assim pata de macaco.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
nascimentoaraujo@hotmail.com
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