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Carolina. Por Pedro Nascimento Araujo.




Carolina

Na França, o busto da República tem nome: Marianne. No Brasil, o busto da República não tem nome: é simplesmente República. Pouco importa se isso ocorreu por ela ter sido imposta por meio de um golpe militar sem apoio civil, por ela ter vivido um bom tempo sem democracia ou quiçá por mero esquecimento – o fato é que, ainda que o país tenha uma presidente que, nos seus anos de guerrilheira comunista, adotou vários codinomes, o busto da República no Brasil não tem nome. Diante da falta de antonomásia, eu tenho uma sugestão: Carolina. Carolina, personagem de uma canção de Chico Buarque. Na obra musical, Carolina não vê o mundo que passa na janela – todo mundo tentou mostrar-lhe, mas Carolina simplesmente não viu. Dilma Rousseff (que já foi Estela, Vanda, Patrícia e Luíza) nunca teve Carolina entre suas alcunhas. Não obstante, Carolina poderia ser mais uma das inúmeras personas de Dilma Rousseff: ao final das contas, Carolina é comandada hodiernamente por Dilma Rousseff – que, como Carolina, não vê o mundo passando pela janela. Assim, a partir do que podemos depreender da errática política externa da presidente Dilma Rousseff – passiva diante dos protecionismos da Argentina, condescendente para com as ingerências da Venezuela, cúmplice das violações de direitos humanos em Cuba, silenciosa diante das ilegalidades nucleares do Irã, indiferente aos massacres de civis na Síria etc. – não devemos ter grandes esperanças: Carolina não vê porque não ver é o que Carolina sabe fazer.

Carolina não viu, mas, nesta semana, os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (EU) anunciaram o início de negociações para o estabelecimento de uma área de livre comércio entre os gigantes do Atlântico Norte com previsão de início daqui a 2 anos, em 2015. Se as negociações forem bem sucedidas, a união chamar-se-á Área de Livre Comércio Transatlântica (TAFTA, na sigla em inglês). Quando estiver pronta, a TAFTA será um colosso que reunirá virtualmente todos os países do mundo desenvolvido, à exceção de uns poucos como Austrália, Nova Zelândia, Suíça e Japão. É o que nossa diplomacia gosta de chamar, algo desdenhosamente, de países ricos – como se ser rico e desenvolvido fosse motivo para algo além de admiração, respeito e liderança. Ainda assim, na prática, de nada importa o que o Brasil diz: os países ricos estão trabalhando para continuarem ricos. Se o Atlântico Norte já é forte separado, unido na TAFTA será ainda mais: EUA e UE somam 800 milhões de habitantes (ricos, diga-se), 33 trilhões de dólares de PIB (quase metade do PIB mundial) e um terço do comércio global. Carolina não viu. Carolina não vê nada, nem mesmo um movimento dessa magnitude, que integra as maiores economias do mundo.

As negociações da TAFTA terão início na cúpula do G-8 no Reino Unido, em 18-Jun-2013. Só isso já seria um indicativo de que a paciência dos ricos para com o infrutífero G-20 já está no fim e de que o G-8 voltou a ser o fórum de concertação econômica de relevância mundial para os países ricos por excelência. A UE, que, com a entrada da Croácia, terá 28 países-membros este ano, conta com mais de 500 milhões de habitantes e possui o maior PIB (Produto Interno Bruto, conceito que não engloba as rendas recebidas do e enviadas para o exterior) do mundo, com 17,5 trilhões de dólares. Não obstante, possui poucos acordos de livre comércio, dentre os quais se destacam o que possui com a Suíça e com a África do Sul. Evidentemente, dentre eles há alguns acordos bilaterais com atores de pouca significância no comércio mundial, como Autoridade Palestina, Egito e Israel. Felizmente para a União Europeia, essa é a exceção, não a regra. Do outro lado do Atlântico Norte estão os Estados Unidos da América. Os EUA, com 300 milhões de habitantes e 15,5 trilhões de dólares de PIB, possuem vários acordos de livre comércio. Evidentemente, há, dentre eles, alguns acordos bilaterais com atores de pouca significância no comércio mundial, como Autoridade Palestina, Egito e Israel. Felizmente para os Estados Unidos da América, essa é a exceção, não a regra. O país possui também acordos plurilaterais vultosos que, evidentemente, assim como a TAFTA, Carolina não viu serem forjados: os EUA estão, por meio de acordos bilaterais com várias nações, criando uma ampla zona de livre comercio na Ásia-Pacífico que inclui, além da ainda não oficialmente desenvolvida Coreia do Sul, as desenvolvidas Austrália e Nova Zelândia (Oceania), as em desenvolvimento Peru e Chile (América), e as emergentes Cingapura, Malásia e Vietnã (Ásia). É fácil se perder em meio a tantos acordos de livre comércio, mas é bem claro que a o fracasso da Rodada Doha produziu uma onda liberalizante: os países ricos estão recorrendo ao livre comércio como receita para expansão da produção, da riqueza e do bem estar. O mundo está passando na janela, mas Carolina não viu.

No plano regional, os EUA também estão se mexendo – e muito. Desde que, em 2005, o Brasil ajudou Chávez a enterrar a ALCA (Área de Livre Comércio das América, ou FTAA, na sigla em inglês), Washington, tipicamente, ao invés de espernear, preferiu trabalhar. Assim, uma década após um dos mais constrangedores episódios internacionais protagonizados por um Chefe de Estado (em 2005, Hugo “Por qué no te callas” Chávez, representante da Venezuela e imbatível campeão da vergonha alheia, bradou para partidários em um evento paralelo à Cúpula das Américas que negociava a ALCA na Argentina: “Cada uno de nosotros trajo una pala, una pala de enterrador, porque aquí en Mar del Plata está la tumba del ALCA. La tumba del ALCA. Vamos a decirlo: ALCA, ALCA, al c#####arajo!” – declaração que, sintomaticamente, não recebeu comentário de nenhuma espécie por parte do Itamaraty), os americanos conseguiram atingir seu objetivo: a ALCA já existe. Carolina, seu pranto não vai nada ajudar.

Os EUA, após a derrubada chavista da ALCA em 2005, não se abalaram. Simplesmente, voltaram-se para criar uma ALCA à la carte, intensificando acordos regionais e bilaterais de livre comércio. Começando pelo plano regional, há o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte, na sigla em inglês), que inclui os três países da América do Norte (Canadá, EUA e México), e o CAFTA, que inclui as maiores economias da América Central (República Dominicana, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua). Prosseguindo para o plano bilateral, há acordos com Panamá, Chile, Peru e Colômbia. Esses três últimos, em meados de 2012, juntamente com o México (membro do NAFTA), anunciaram a criação da Aliança do Pacífico, área de livre comércio para as quatro economias mais abertas da América Ibérica – vale notar que todos os seus membros, além de possuírem saída para o Oceano Pacífico, possuem acordo bilateral de livre comércio com os EUA. Resumindo: Canadá, EUA, México, República Dominicana, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Chile, Peru e Colômbia. É bem verdade que a ALCA não apenas não usa mais esse nome como também deixou de fora quem quis ficar de fora – não por acaso, aqueles que aplaudiram a inacreditável grosseria de Chávez em 2005: Mercosul e ALBA (Alternativa Bolivariana das Américas, bloco do qual fazem parte Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela). Abra os olhos, Carolina: você não viu, mas a ALCA já existe!

A ALCA já havia passado despercebida por Carolina. Agora, Carolina não viu a TAFTA. Para aonde estará voltada a atenção de Carolina? Simples: para o Mercosul. Carolina acredita que pode trazer mais prosperidade para seu povo ao cindi-lo, via Mercosul, com as nações do bloco: as agonizantes Argentina (que acabou de fazer um congelamento de preços – precisa dizer mais?) e Venezuela (que acabou de fazer uma maxidesvalorização – precisa dizer mais?), e as economicamente insignificantes Paraguai e Uruguai. Enquanto Carolina não vê nada, os países ricos veem tudo: segundo previsões iniciais, a TAFTA será capaz de impulsionar os crescimentos econômicos anuais de Estados Unidos da América e União Europeia em até 1,5%. Carolina foi seduzida pelo Mercosul: ela realmente acredita que, com boas intenções, protecionismo, isolamento e heterodoxia funcionam. Sem seu devaneio, Carolina ignora romanticamente a própria experiência e, como a jovem sonhadora do universo buarqueano, agarra-se ao falido Mercosul enquanto não vê que o tempo está passando na janela.

A bem da verdade, a TAFTA é um daqueles raros casos em que a ideia soa tão natural que beira a obviedade: para que EUA e UE deveriam investir trilhões de dólares para recuperar autarquicamente suas economias se é possível obter resultados melhores a custo zero por meio de uma simples integração comercial – a qual sempre reduz custos ao ampliar escalas e ao unificar normas e padrões? Os mundo rico está abraçando o liberalismo, mas Carolina não viu – e seus amigos do Mercosul e da ALBA optaram pela mesma cegueira ideológica: conveniente, covarde e desastrosa. Enquanto o mundo literalmente passa na janela, Carolina tem olhos apenas para as fotografias dela com seus amigos do Mercosul comemorando seus trunfos comerciais: os 3 únicos acordos bilaterais de livre comércio que firmou em 2 décadas foram com atores de pouca significância no comércio mundial, como Autoridade Palestina, Egito e Israel. Infelizmente para Carolina, essa não é a exceção. Essa é a regra. Quando, lá fora, o mundo finalmente desistir de passar na janela de Carolina, estejam certos de uma coisa: enquanto Dilma/Estela/Vanda/Patrícia/Luíza estiver a controlá-la, Carolina não vai ver.

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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