Por Pedro Nascimento Araujo
O Cardeal conservador Joseph
Ratzinger, intelectual católico artífice da campanha da Congregação para a
Doutrina da Fé (mais relembrada pelos anticatólicos por ser a sucessora da
Santa Inquisição) contra a infiltração de comunistas, contrários à liberdade
religiosa por definição, na Igreja Católica, mormente por meio da Teologia da
Libertação na América Ibérica nos anos 1970, 1980 e 1990, foi ungido Papa Bento
XVI em 2005, sucedendo ao também conservador, mas extremamente popular, João Paulo
II. Agora, Sua Santidade anunciou que, em 28-Fev-2013, renunciará ao Trono de
Pedro por não reunir mais “forças para exercer adequadamente o mistério
petrino”.
É fácil buscar paralelos entre
sua renúncia e o cinquentenário Concílio Vaticano II – embora não seja tão
trivial justificar o fato de Bento XVI ter anunciado sua decisão em latim. É
fácil traçar diferenças entre sua renúncia e o dogma da infalibilidade papal e
a admissão, por parte de Bento XVI, de sua fragilidade humana. Difícil é
comparar os resultados das decadências físicas de Bento XVI com diversos de
seus antecessores. Enquanto Bento XVI – o título, uma unção, é eterno e,
portanto, não pode ser retirado: assim como não há ex-padre, mas apenas padre
que não exerce mais o sacerdócio, não há ex-Papa – presidirá, como Papa vivo,
sua sucessão, seus antecessores agonizantes levaram a Igreja Católica a uma
virtual paralisia enquanto lentamente feneciam. Se isso será melhor ou pior
para a Igreja Católica, é impossível precisar com antecedência. Uma coisa,
todavia, é inegável: será mais uma experiência nova para a bimilenar esposa de
Cristo. E, nos últimos 50 anos, experiências novas não faltaram no seio da
Igreja Católica.
O Concílio Vaticano II é o ponto
de partida de qualquer análise que busque entender as mudanças pelas quais
passa a Igreja Católica. Debalde por ainda estar em curso, a extensão final de
seus resultados enseja calorosos debates. De lá para cá, muita coisa aconteceu.
Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, foi um colosso midiático que levou a
Igreja Católica às massas no mundo inteiro. Combateu o comunismo sem tréguas e
venceu. Seu famoso discurso na Polônia títere de Moscou, no qual bradou “Não
tenham medo!” é um marco da luta pela liberdade – sem a ajuda do Vaticano
comandado por um polonês, o Sindicato Solidariedade do católico Lech Walessa
dificilmente teria sido capaz de enfrentar os soviéticos. Atrás de Wojtyla,
estava Ratzinger, que, comandando a Congregação para a Doutrina da Fé,
operacionalizava as decisões papais. Ainda sob João Paulo II e depois sob Bento
XVI, a Igreja Católica admitiu-se mais humana; ou seja, falível: reconheceu
erros do passado e construiu pontes para o dialogo ecumênico, respeitando tanto
outros ramos do cristianismo quanto outras religiões, como bem demonstram os
encontros anuais em
Assis. Judeus, mulçumanos, protestantes, budistas etc.: todos
foram chamados a participar da mensagem de tolerância e respeito mútuo. A
Esposa de Cristo ainda fez mais. Reconheceu que alguns de seus membros usaram
sua proteção para cometer abusos contra crianças, pediu perdão por meio do
próprio Papa e arcou com suas obrigações. Semana passada, começou a admitir que
homossexuais tenham direitos civis idênticos aos dos heterossexuais – e, nisso,
a bimilenar instituição passou à frente de virtualmente todas as, em alguns
casos, bidecadais denominações protestantes neopentecostais. Por fim, o anúncio
da renúncia de Bento XVI.
O Papa é o único Rei absoluto no
mundo. Paradoxalmente, é também o único soberano eleito: não há linhagem sanguínea
na sua escolha. No Vaticano, ele é simultaneamente Chefe de Estado, como a
Rainha da Inglaterra, e Chefe de Governo, como a Chanceler da Alemanha. No
Vaticano, ele é Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. É poder
Moderador e qualquer outro Poder que algum teórico possa divisar. É o líder
direto e exclusivo de mais de 1 bilhão de católicos. É o líder indireto de mais
outro bilhão de cristãos não católicos que, não obstante não reconhecerem
oficialmente sua liderança, reconhecem sua importância e suas decisões. Ser
este pastor é uma responsabilidade que nós, rebanhos, não conseguimos nem
imaginar. O Cardeal Joseph Ratzinger, Intelectual reconhecido mundialmente,
escritor best-seller e exímio pianista aceitou virar Papa Bento XVI para carregar
este fardo – e o fez com competência. Agora, o homem que se queixava de não tem
mais forças para tocar seu piano, teve a força de admitir que não será capaz de
conduzir tamanho rebanho. Com a elegância que apenas um Rei pode ter,
afastar-se-á do trono por amor ao seu ofício. Sabendo-se não mais capaz de
cumpri-lo por limitações físicas, não admitiu prejudica-lo por veleidades. O
Papa Bento XVI afastar-se-á para que a Igreja Católica possa continuar
evoluindo. Difícil pensar em imagem mais simbólica do amor para com sua fé.
Que, agora, o homem Ratzinger possa tocar seu piano e escrever mais. E, tendo
tempo e condições físicas, que possa vir ao Rio de Janeiro para acompanhar –
não presidir – a Jornada Mundial da Juventude Rio 2013. Tanto para apoiar e prestigiar
seu sucessor e seu rebanho com a força moral que sua decisão traz, quanto para,
mais próximo do ocaso, poder testemunhar o quão forte e bela a Esposa de Cristo
está. É por causa de homens como Bento XVI – falíveis, pecadores e imperfeitos,
mas com uma fé que lhes torna capazes de admitir suas fraquezas – que uma
senhora de 2 mil anos não para de se reinventar. Obrigado e longa vida, Joseph
Ratzinger. Obrigado e parabéns, Papa Bento XVI.
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