Por Pedro Nascimento Araújo
Ainda é assaz pequena a distância que nos separa do período de presidência de Fernando Henrique Cardoso para que os historiadores possam avalia-la com a necessária isenção. Todavia, quando isso ocorrer, dentre seus principais legados deverá constar a introdução das agências reguladoras. Parte de uma visão de governo que privilegia a regulação em detrimento da participação ativa, como defendia o nacional-desenvolvimentismo que grassava desde a ditadura varguista, as agências reguladoras, por definição, não podem prescindir de uma atuação independente – são instrumentos de Estado, não de Governo.
Na prática, as agências reguladoras brasileiras ainda não têm a liberdade de ação necessária. Muito novas, ao contrário de suas centenárias contrapartes americanas, ainda são sujeitas a pressões do comando do Poder Executivo. Especialmente durante a presidência de Lula da Silva, houve tentativas de incluí-las no rol de órgãos controlados diretamente pelo Poder Executivo. O então presidente, em mais de uma ocasião, externou seu desconforto com a independência das agências e, para sanar o que entendia como problema, trocou diretorias técnicas por políticas e, paulatinamente, assumiu as rédeas das agências. Com a ascensão de Rousseff à presidência, houve, em um primeiro momento, um ensaio de despolitização das agências. Isso foi por água abaixo na semana passada, com a suspensão, por parte da Anatel, da venda de novos celulares por parte de 3 das 4 maiores operadoras do Brasil.
Não se trata de defender as operadoras em termos de qualidade do serviço prestado: a telefonia celular no Brasil é muito cara e muito ruim quando comparada à de países de desenvolvimento semelhante e uma piada de mau gosto quando comparada à de países mais desenvolvidos. Puni-las pela má qualidade é certo. Errado é como está sendo feito. Que as operadoras deixam a desejar é ponto pacífico, assim como é consenso que a Anatel deveria força-las a cumprir as metas de qualidade de serviço e de atendimento dispostas nas concessões. Sob essa ótica, o certo seria comemorar a punição na forma de proibição de habilitação de novas linhas. Estranhamente, não é o caso.
Segundo documentos internos da Anatel divulgados pela imprensa na última semana, as operadoras já haviam sido advertidas pela agência sobre a má qualidade em 2010 e 2011. O que ficou acertado foi as operadoras apresentarem um plano de melhoria de qualidade. Elas o fizeram. Especificamente, a TIM, cuja proibição a novas vendas inclui o estado do Rio de Janeiro, teve seu plano de melhorias aprovado pela Anatel uma semana antes do anúncio das punições. Ou a Anatel é uma bagunça tal que partes da agência reguladora não sabem o que outras partes regulam ou os critérios políticos voltaram a dar as caras. Infelizmente, a segunda alternativa é a correta.
Há um uso político da proteção que as agências reguladoras devem oferecer aos consumidores brasileiros quando as punições são anunciadas com estardalhaço por um ministro, titular de cargo político e dependente do Poder Executivo. Como o assunto é eminentemente técnico – as agências, é sempre bom frisar, em sua acepção correta, são técnicas – as punições teriam de ser as previstas nos contratos firmados. Assim, se a TIM, independentemente de o quão sofríveis sejam os seus serviços, celebra um acordo técnico com a Anatel para melhorar sua qualidade nos meses vindouros, simplesmente não faz sentido ela ser punida na semana seguinte. Judicialmente, as empresas têm grandes chances de retomar o direito de comerciar novas habilitações.
Assim, ao invés de trabalhar para melhorar a qualidade do serviço prestado aos consumidores, a Anatel preferiu jogar para a torcida e correr o risco de ver a justiça entender que extrapolou seu poder regulatório e revogar as proibições de vendas. O resultado: desmoralização, insegurança jurídica e um problema, ao invés de resolvido, postergado. A sensação que fica é que o governo tentou se vender como defensor dos direitos dos consumidores, ainda que, para tanto, arrisque prejudicar, nos médio e longo prazos, esses mesmos consumidores. Não faz sentido. Exigir mais qualidade é certo; porém, ao fazê-lo da maneira errada, a Anatel, além de não ajudar, arrisca piorar.
Pedro Nascimento Araujo é economista
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