Por Pedro Nascimento Araujo
O primeiro dia do mês de julho de
2012, mesmo descontado os exageros, é um dia histórico para a cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro: a UNESCO agraciou o patrimônio cultural da cidade
com o título de Patrimônio Mundial. De “Túmulo dos Estrangeiros”, como era
conhecida até o início do século 20, até agora, foi uma longa jornada. E nem
metade do que seria necessário para que o Rio de Janeiro explorasse todo o seu
potencial foi feito. O que essa cidade pode ser, apenas podemos sonhar com.
À época, a alcunha de Túmulo dos
Estrangeiros foi mais que merecida. A cidade era, nas palavras de estrangeiros
e de brasileiros, imunda e insalubre. Não havia esgotamento digno desse nome.
Os dejetos, in natura, eram ou jogados pelas janelas (havia uma surreal lei que
punia quem não avisasse que estivesse jogando esgoto pela janela, mas nada
versava sobre o ato em si) ou carregados até o mar em baldes nas costas das
mais tristes figuras que a escravidão criou, os escravos conhecidos como
“tigres” (a referência era às manchas na pele causadas pelo contato da amônia
dos dejetos, que espirrava dos recipientes conforme eles caminhavam para o mar
e, exposta ao sol, manchava a pele). Infecções causadas por vetores como os
ratos, como era de se prever, ocorriam por toda a cidade. Mosquitos transmitiam
doenças tropicais, como o Aedes Aegypti, que à época carregava febre amarela,
não dengue. Ruas mal iluminadas e perigosas. Pessoas morando em cortiços. Malandros,
vadios e prostitutas conviviam com diplomatas, nobres e juízes. Ninguém queria
vir para o Rio de Janeiro. Com a Geração de 80 a pleno vapor, no final do
século 19, Buenos Aires estava caminhando para seu auge. Para um estrangeiro,
ser mandado para o Rio de Janeiro era punição.
Então, no começo do século 20,
inspirados pelas grandes reformas do Barão Haussmann na Paris de Napoleão III,
Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro nomeado pelo presidente Rodrigues
Alves, fez, durante seu mandato de 1902 a 1906, uma reforma conhecida como
“Bota-Abaixo”, feita na preparação da cidade para sediar a III Conferência Pan
Americana. Ruas largas foram abertas. O saneamento foi feito. Prédios velhos
foram derrubados. Cortiços foram removidos. Após as obras, surgiu uma cidade
nova. A beleza natural, até então escondida, apareceu. As doenças foram embora
– não sem contratempos, como atestou a Revolta da Vacina. O Rio de Janeiro
surgiu para o mundo. Não era mais um castigo ir para a cidade que, após o
Bota-Abaixo, deixou de ser Cemitério dos Estrangeiros para virar “Cidade
Maravilhosa”. Isso ocorreu há 100 anos.
Um século depois, a Cidade
Maravilhosa não precisa de mudanças para ser bela. O que o Bota-Abaixo deixou
de legado foi suficiente para expor suas belezas naturais. Mas precisa deixar
de contar apenas com suas belezas naturais. A beleza natural do Rio de Janeiro
é como a mortalidade dos seres humanos: uma dádiva – mas também uma maldição.
Por ser incrivelmente bela, a cidade do Rio de Janeiro relega a planos
inferiores outros aspectos que poderiam torna-la melhor. Citemos novamente
Buenos Aires, um charco à beira de um rio barrento. Ou Paris, uma planície sem
sal em torno de um rio com muitas curvas. Ou Manhattan, uma ilha ordinária.
Esquecemos um momento de São Francisco, cidade também bela por natureza (mas
não tanto), e pensemos em outras cidades que atraem visitantes do mundo todo,
como Roma, planície entre 7 colinas comuns. O que essas cidades têm? O que o
ser humano construiu. Tire tudo o que foi feito por mãos humanas e delas
restarão apenas paisagens feias ou, quando muito, banais. Porém, quando
acrescentamos as belezas humanas, temos cidades inesquecíveis. Quando o Rio de
Janeiro acrescentar à sua beleza natural as belezas humanas, será a mais bela
cidade do mundo (secundada, talvez e com muita distância, por São Francisco),
não somente por aquilo que Deus lhe deu, mas, também, por aquilo que fez para
honrar glorificar a obra divina. Que o Rio de Janeiro aprenda a usar sua beleza
não como um aleijão, que entorpece e impede que se desenvolva, mas como base,
usando a vantagem de ter recebido o melhor ponto de partida que uma cidade
jamais recebeu para ser a mais bela e melhor cidade do mundo.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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