Por Pedro Nascimento Araujo
Vaclav Havel deixou o mundo há uma semana, no dia 18 de dezembro de 2011. Foi uma grande perda. Há razões de sobra para afirmar que o mundo perdeu um campeão na luta por liberdade. Os meios de comunicação estão repletos de imagens do funeral de Havel e de mensagens enviadas por líderes mundiais atuais e anteriores, de Lech Walessa ao Dalai Lama, de Barack Obama a Angela Merkel, passando por personalidades como Milan Kundera, entre muitos outros. Não é à toa. Havel foi grande.
Intelectual sofisticado, fã de rock, ativista, presidente, dramaturgo e autor de inúmeras peças, Havel foi muitos. Porém, seu principal papel foi como líder de um dos movimentos políticos mais interessantes e belos do século 20: a Revolução de Veludo, nome dado a um conjunto de manifestações que derrubou o governo comunista da então Tchecoslováquia em 1989. Em uma Europa que se livrava rapidamente do comunismo, a história de tchecos e eslovacos é única: 21 anos após suas demandas por liberdade terem sido brutalmente sufocadas sob as sapatas dos tanques soviéticos na chamada Primavera de Praga em 1968, eles conseguiram. E sem violência.
A Revolução de Veludo começou como uma manifestação pacífica de estudantes em 16 de dezembro de 1989 em Bratislava (atual capital da Eslováquia) que, apesar de vigilância intimidadora, não foi reprimida. No dia seguinte, uma manifestação com o mesmo tema ocorreu em Praga, não apenas com estudantes, mas também com populares. A multidão desceu as belíssimas ladeiras da cidade após a caminhada, dirigindo-se para o centro. A repressão foi brutal, com os participantes cercados e espancados, transformando uma mobilização pacífica, com cartazes e cânticos, em uma praça de guerra sem saída. O que poderia ter descambado para uma revolução violenta foi, graças aos líderes do movimento, capitaneado por Havel, mantido pacífico. O grupo declarou greve de estudantes e atores no dia seguinte no Teatro Realista de Praga. Os atores ficavam o dia inteiro lendo convocações para uma greve geral marcada para o dia 27 - sem imprensa livre, foi a forma encontrada por Havel para levar a mensagem ao povo.
A greve de artistas e estudantes espalhou-se rapidamente pelo pequeno país. Em 19 de novembro, Havel e os demais criam o Fórum Cívico, exigindo liberdade e direitos civis e políticos e a queda do gabinete até o dia 25 do mesmo mês. O apoio crescia. O cardeal da Boêmia declarou que apoiava os pedidos do povo por liberdade - a atitude padrão da Igreja Católica sob João Paulo II - e a capacidade do governo comunista de subjugar o povo caía a cada dia. Nos protestos, tchecos e elovacos marchavam com velas, cartazes e um elemento que caracterizou a Revolução de Veludo: chaves. As pessoas sacolejavam suas chaves, fazendo um barulho ensurdecedor e fascinante - as chaves, dizia-se, eram para lembrar aos tiranos que o povo abriu as portas e era hora de eles saírem. Menos de duas semanas depois da caminhada inicial em Bratislava, em 29 de novembro de 1989, a Assembleia Federal revogou a lei que dava ao Partido Comunista monopólio político sobre a Tchecoslováquia.
Havel era incansável. Sua rotina típica incluía escrever discursos, discursar em um teatro em Praga, ir para Bratislava e discursar em outro, voltar a Praga para mais um discurso em teatro, comandar reunião do Fórum Cívico, conversar com membros do governo, dar entrevistas e, depois, participar de vigílias. Além disso, era um animal político de instintos afiados, que soube combinar as demandas de tchecos e eslovacos, tornando o movimento uma forma de união nacional - em seus discursos em Bratislava, priorizava as demandas eslovacas; em Praga, as comuns; e, em Brno, as tchecas. Mas talvez sua maior contribuição tenha sido nunca haver incitado comportamentos violentos. Com sua voz, seu carisma, sua energia, sua inteligência e seus valores, soube conduzir seu povo. Mesmo depois de sofrer duas ocupações violentas (nazistas e comunistas) e uma ditadura brutal de 4 décadas, seu povo fez uma transição democrática pacífica em tempo recorde, brandindo chaves, cantando e marchando nas ruas - a Revolução de Veludo. O mundo fica pior sem um farol da liberdade como Vaclav Havel.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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