Por
Pedro Nascimento Araujo
Na década de 1990, uma simpática
série animada fez sucesso mundial: chamava-se “O mundo de Bobby” (“Bobby’s World”)
e tinha como protagonista um menino de quatro anos chamado Bobby Genérico e sua
mente muito criativa. Muita da graça do desenho estava em Bobby interpretar
literalmente as figuras de linguagem que os adultos usavam, mas o principal é
que Bobby se dizia originário de um mundo imaginário chamado Bobbylândia
(Bobbyland), aonde ele era o soberano e tudo funcionava de acordo com sua
vontade. Exatamente como Dilma Rousseff, que aparentemente também tem um mundo
mágico paralelo aonde tudo funciona como ela diz que deve funcionar:
eletricidade abundante, juros baixos, direitos trabalhistas expandidos,
Petrobras sem corrupção, estudantes tirando notas máximas no Enem, obras
governamentais entregues no prazo etc. Chamaremos esse mundo Dilmópolis.
Certamente, todo brasileiro que pudesse iria preferir viver em Dilmópolis.
Infelizmente para nós, cidadãos brasileiros que há muito passamos dos quatro
anos de idade, é simplesmente impossível nos transportarmos para o Mundo de
Dilma, aonde aparentemente há apenas uma habitante – e é sua soberana. É uma
pena que não possamos ir para essa Pasárgada pessoal criada pela mente muito
criativa de Dilma Rousseff, o Bobby Genérico da vida real: em Dilmópolis, aonde
ela é Sua Majestade Imperial Dilma Rousseff I, tudo funciona perfeitamente, ao
contrário do Brasil que Dilma Rousseff comandará pelos próximos quatro anos.
Fora do Mundo de Dilma, o apagão
está acontecendo; em Dilmópolis, não – lá, tudo funciona conforme SMI Dilma
Rousseff I disse que funcionaria em cadeia nacional em 2013: o Brasil está “sem
risco de racionamento (...) no curto, no médio e no longo prazos.” Não ;e
improvável que o tempo passe de forma bem mais acelerada no Mundo de Dilma,
mas, Einstein à parte, não há como deixar de notar que, pelo calendário terrestre,
passaram-se apenas dois anos, o que não há como se considerar longo prazo nem
pelo mais imediatista dos brasileiros. O racionamento está aí, como demonstram
tanto o apagão de 19 de janeiro (decorrente de não haver energia para atender à
demanda) quanto os números do próprio governo: segundo o Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS), o número de blackouts de mais de 100 MW teve um aumento
de quase 50% em 2014. Para piorar, naquele mesmo discurso de 2013, a soberana
do Mundo de Dilma disse que a conta de luz ficaria “mais baixa” e, no melhor
estilo de seu antecessor, jactou-se de ser “a primeira vez que isso ocorria no
Brasil”. Não durou dois anos seu ineditismo populista: as contas de luz já
estão em torno de 40% mais caras e podem subir ainda mais – isso no Brasil,
porque, em Dilmópolis, há energia em excesso e a preços baixos.
No Mundo de Dilma, há juros
baixos; no Brasil, não. Assim como fez com a energia elétrica, SMI Dilma
Rousseff I de Dilmópolis revogou as leis da economia: baixou os juros por força
de sua própria vontade. No Mundo de Dilma, a economia real não existe – aliás,
nada real existe lá – e os juros continuam baixos. No Brasil, não teve como: a
inflação só não estourou o teto da meta porque a Petrobras torrou 60 bilhões de
reais em dois anos de subsídios aos derivados do petróleo para que isso não
ocorresse e o Banco Central teve de aumentar os juros para 12½% para compensar
o afã perdulário do governo, que conseguiu fazer a dívida pública aumentar em
2014, o primeiro ano da série histórica no qual tivemos déficit fiscal – sua
sorte foi o Congresso Nacional, que por vezes parece frequentar Dilmópolis,
rasgar a Lei de Responsabilidade Fiscal, livrando-a de um potencial processo de
impeachment por crime de responsabilidade. Fora do Mundo de Dilma, vivemos
pagando os maiores juros reais do mundo e, achando pouco, ainda acabamos de ser
brindados com inacreditáveis aumentos de impostos.
A vida fora do Mundo de Dilma é
dura. Aqui, aonde Dilma Rousseff não é Sua Majestade Imperial, mas apenas a
Servidora Número 1 do Brasil, os mais desfavorecidos tiveram seus direitos
trabalhistas restringidos. Não que seja intrinsecamente uma má ideia
disciplinar e racionalizar o acesso a coisas como o Seguro Desemprego – há
muitas distorções que precisam ser corrigidas, não apenas aí, mas em toda a
mofada legislação trabalhista brasileira de inspiração fascista. O que incomoda
é ela ter passado a campanha presidencial inteira jurando que não mudaria uma
palha nessa seara apenas para, após conseguir se reeleger, mexer de forma
casuísta e atabalhoada em um assunto tão sério e que impacta na vida de tantas
pessoas. Em Dilmópolis, ninguém contestaria tamanha incoerência; no Brasil, até
aliados têm criticado tamanha incoerência – a oposição prefere falar abertamente
em estelionato eleitoral. O mesmo vale para a Petrobras. Com o Petrolão sendo
investigando mais fundo a cada dia, apenas no Mundo de Dilma a Petrobras é “um
exemplo de gestão”, como ela disse; aqui na Terra, a Petrobras, cujo Conselho
de Administração quando presidido por ela decidiu comprar a Refinaria de
Pasadena, é uma empresa que agoniza em praça pública, perdendo valor a cada
dia, há meses sem conseguir uma firma de auditoria externa que assine o seu
balanço, com um rombo estimado de pelo menos 90 bilhões de reais e sem ter como
trocar a diretoria simplesmente porque ninguém quer esse emprego. Mas, em
Dilmópolis, a Petrobras é perfeita a ponto de ser objeto de cobiça e de inveja
de outros países. A lista de diferenças entre o Mundo de Dilma e o Brasil é
grande: se, em Dilmópolis, a educação só faz progredir; no Brasil, 500 mil
estudantes tiveram nota zero na redação do último Enem e o governo de Dilma
Rousseff cortou quase sete bilhões de reais do orçamento deste ano para o
setor. As obras governamentais no Mundo de Dilma são perfeitas, cumprindo à
risca prazos e orçamentos. Que lugar glorioso para se viver deve ser Dilmópolis
e o quão magnânima deve ser a sua rainha! Infelizmente, no Brasil não funciona
assim, ao menos de acordo com a Controladoria Geral da União: do mais de um
milhão de moradias populares contratadas nos últimos dois anos, mais de 80%
ainda não saiu do papel. A bagunça não atinge apenas aos pobres: ela também
envergonha o Brasil internacionalmente: fora do Mundo de Dilma, aonde o Dilmópolis
é um gigante diplomático, o Brasil está suspenso do Tribunal Penal
Internacional por falta de pagamento – aliás, o Itamaraty tem deixado de enviar
representantes para encontros internacionais por falta de verbas, bem como há
embaixadas brasileiras devendo contas de água e luz por mera falta de repasse
de verbas governamentais. Em suma: em sua encarnação de SMI, Dilma Rousseff I,
senhora e rainha de Dilmópolis, é um colosso. Infelizmente para nós,
brasileiros, ela só é assim no Mundo de Dilma.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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