Por Pedro Nascimento Araujo
É atribuída a Abraham Lincoln a
seguinte frase: é possível enganar todos algumas vezes e é possível enganar
alguns todas as vezes, mas é impossível enganar todos todas as vezes. Não há
nada mais apropriado para descrever as reações do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) à
chamada ”contabilidade criativa” do governo brasileiro no que diz respeito à
dívida pública nacional. FMI e OCDE não são reles palpiteiros. Na verdade, são
os mais confiáveis organismos internacionais em termos de macroeconomia – eles
detêm os melhores quadros e as ferramentas adequadas para avaliar os
desempenhos dos países. E o que eles disseram acerca da dívida pública
brasileira pode ser resumido em uma paráfrase da supracitada frase atribuída a
Lincoln: vocês não nos enganaram.
O Brasil vem sustentando que não
abandonou o chamado Tripé Macroeconômico estabelecido em 1999 após a Crise do
Real: metas de inflação, superávit primário (dinheiro usado para pagar juros da
dívida pública) e câmbio flutuante. Recentemente, Dilma Rousseff chegou a
rebater publicamente uma afirmação de Marina Silva que sustentava o oposto.
Infelizmente para a titular da Presidência da República, a provável candidata à
Vice-Presidência da República em 2014 está correta: o Brasil abandonou o Tripé
Macroeconômico. As consequências têm potencial conhecido – e desastroso:
inflação e recessão (combinação conhecida pelo temido neologismo estagflação).
Não que Dilma Rousseff e Guido Mantega, seu inacreditavelmente longevo Ministro
da Fazenda, não saibam disso. Sabem, e sabem tão bem que o fazem
deliberadamente, de modo a, artificialmente, tentar prolongar o atual estado da
economia brasileira: com sinais vitais em ordem – e em estado vegetativo.
O crescimento econômico na gestão
Mantega-Rousseff só não consegue ser pior que o de Fernando Collor de Mello –
que, intencionalmente, numa quixotesca tentativa de acabar com a inflação “com
uma só bala”, provocou uma brutal recessão. O ciclo de crescimento sob Lula da
Silva, proporcionado pelas reformas de Itamar Franco e de Fernando Henrique
Cardoso e turbinado pela expansão da China, terminou em 2008 e foi mantido vivo
por meio de aparelhos em 2009 e 2010 para eleger Dilma Rousseff; na prática, o
desmonte do Tripé Macroeconômico começou com Lula da Silva e Mantega e Rousseff
estão fazendo de tudo para que os aparelhos garantam sobrevida até o final das
eleições de 2014, quando – eles sabem perfeitamente – muitas correções terão de
ser feitas: correções impopulares mas necessárias, que implicarão fortes
ajustes fiscal e monetário. Resumindo: o próximo governo começará bastante
impopular. Não precisaria ser assim, mas foi essa a escolha do PT: não avançar
nas reformas estruturais. Infelizmente para o PT, o modelo se esgotou e os
malabares jogados não enganam mais ninguém, como bem demostraram o FMI e a
ODCE. Quais são os malabares? A Nova Matriz Econômica de Guido Mantega e Dilma
Rousseff.
A chamada Contabilidade Criativa,
um dos piores conceitos já criados no Brasil (país que tem uma tradição ímpar
na criação de conceitos aziagos como o empréstimo compulsório), tentou
transformar déficits em superávits via canetadas. Obviamente, não funciona –
mas o governo continua insistindo nisso. Oficialmente, Brasília diz que a
dívida pública líquida caiu de 38,2% para 33,8% do PIB, um resultado que, se
fosse verdadeiro, seria ótimo: quanto menos dívida pública, menores os juros
para rolá-la e menores os encargos que ela impõe sobre a sociedade, o que
permitiria ao governo cortar impostos. Só que não: a dívida pública como
proporção do PIB só cai na Contabilidade Criativa, que assume seu lugar de
termo patético quando confrontada com os números do FMI, para quem a dívida
pública total aumentou de 61,8 para 64,2% do PIB nos últimos 2 anos, um
resultado desastroso. Porque tal discrepância ocorre e como o governo tentou
esconder esse número verdadeiro é simples: o governo aumentou os gatos públicos
além do que o Tripé Macroeconômico permitiria. Todavia, para manter a aparência
de manutenção do Tripé Macroeconômico, Guido Mantega e sua equipe inventaram o
seguinte estratagema: os recursos não são gastos diretamente. Ao invés disso,
são repassados pelo Tesouro Nacional para os bancos públicos (BNDES, CEF e BB)
como empréstimos – e, por isso, ao menos teoricamente, retornarão para o caixa
do governo. Como BNDES, CEF e BB emprestam a juros subsidiados para devedores
duvidosos (quer sejam bilhões para as empresas falidas de Eike Batista via
BNDES, quer sejam centenas de milhares para mutuários do Minha Casa Minha Vida
com índice de inadimplência de inacreditáveis 20% via CEF ou quer sejam milhões
de reais para agricultores com perdões sazonais via BB), o fato é que boa parte
desse dinheiro “emprestado” a juros subsidiados nunca será retornado – é gasto
público mesmo.
Na teoria, o que Mantega acha que
está fazendo é reativar a malfadada Conta Movimento do Banco do Brasil. Na
prática, está acabando com a credibilidade que o Brasil começou a construir com
Itamar Franco (Plano Real), aprofundou com Fernando Henrique Cardoso e manteve
com Lula da Silva. No afã de, nas palavras de Dilma Rousseff, fazer “o Diabo”
para se reeleger, Guido Mantega, como está no leme, é obrigado a receber
petardos como os relatórios da semana passada, tanto do FMI (“controlar essas
operações [de empréstimos do Tesouro Nacional aos bancos públicos] deveria ser
um componente importante de uma estratégia crível de redução da dívidas”) quanto
da OCDE (“a clareza das contas públicas seria reforçada se fosse reconsiderado
o indicador [de endividamento do governo]”). Quando o FMI diz que falta
“clareza” e a OCDE diz que o indicador não é “crível”, há algo de podre no
Reino da Dinamarca. Só não vê – ou não sente o cheiro – quem não quer. Mantega
e Rousseff, decididamente, não querem. A realidade, infelizmente para eles e
para o Brasil, vai desmenti-los, mais cedo ou mais tarde, e obriga-los a fazer
os ajustes necessários. E, em Economia, quanto mais tarde são feitos os
ajustes, mais dolorosos são.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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