Por Pedro Nascimento Araujo
A Argentina é um caso único de
país em processo de involução. Historicamente, nosso vizinho sempre esteve
anos-luz à nossa frente em termos de indicadores econômicos e sociais: acabou
com a escravidão antes, acabou com o analfabetismo antes, construiu um metrô
antes, teve centros de excelência em pesquisa antes; aliás, eles tiveram
ganhadores do Prêmio Nobel, coisa que até hoje nenhum brasileiro ganhou. Em
suma, há um século, o país platino era um arrivista no mundo desenvolvido.
Conquanto ainda haja setores nos quais continuam estão à frente do Brasil (o
uso médico da energia nuclear é apenas o exemplo mais emblemático de uma longa
série), o fato é que a Argentina vem passando por um processo de involução há
um século. Se ainda não é um país de Terceiro Mundo de livro-texto, como
Bolívia ou Paquistão, está mais próxima deles do que países de Primeiro Mundo
de livro-texto, como Alemanha ou Austrália. Muitos livros foram escritos acerca
disso, bem como muitas reportagens, como a icônica capa da The Economist
britânica (“A tragédia argentina – um século de declínio” era o texto da capa,
ilustrada com uma foto de um cabisbaixo Lionel Messi de costas com a camisa da
seleção nacional), todas procurando o ponto de inflexão, o momento a partir do
qual a Argentina começou sua descida rumo ao subdesenvolvimento – a The
Economist abre a reportagem com a seguinte pergunta: “Há um século, a Argentina
era o futuro. O que deu errado?”. Não há ponto pacífico acerca disso, mas há um
ponto a partir do qual ficou evidente para o mundo tratar-se de um gigante com
pés de barro: o primeiro calote, acontecido em 1890. Agora, 125 anos depois
daquele calote pioneiro, que quebrou um dos principais bancos do mundo (Barings
Bank, Londres) e ajudou a levar o Brasil a uma brutal recessão, a Argentina
está caminhando para outro calote. Aparentemente, os governantes de nossos
vizinhos não aprenderam nada: não reconhecem seus erros e agem com arrogância
de vencedores contumazes, embora sejam perdedores seriais que estão há um
século involuindo a Argentina.
A presidente Cristina Fernández
de Kirchner preferiu os holofotes e as frases de efeito, exatamente como seu
finado marido (Néstor Kirchner, presidente que declarou o calote de 2001). O
fundo de investimentos Elliot Management, que está à frente do processo em Nova York, é tratado
apenas como “fundo butre” (carniceiro). Em nenhum momento, desde que o processo
foi iniciado, o governo argentino procurou o Elliot Management. A Argentina foi
derrotada – e não era difícil antecipar isso: decisões desse tipo, no qual
alguns detentores de títulos públicos não aceitam as condições impostas, vão ao
tribunal e fazem valer seu direito de não aceitar a condição imposta
unilateralmente, não são novidade. Especificamente, o Brasil viveu um momento
desses há exatos 20 anos, quando aderiu ao chamado Plano Brady em 1994: a
família Dart (EUA) não aceitou as condições, entrou na justiça americana (esses
casos são julgados pela justiça americana por uma razão simples: são
registrados nos EUA) e venceu. Ao invés de espernear, criar nomes midiáticos
para a família Dart etc., o Brasil simplesmente pagou sem estardalhaço e não
atrasou o processo que interessava: a troca de títulos de 1987 (definida por
Sarney como “moratória soberana”, talvez o termo mais ridículo para um
eufemismo de calote) por títulos novos, com vencimento mais adiante e com juros
menores, em um processo conhecido como tag-along. O resultado todo mundo
conhece: reescalonando a dívida para pagar em 20 anos (o país anteciparia a
quitação de 2014 para 2006), o Brasil voltou ao Sistema Financeiro
Internacional e teve condições de fazer o Plano Real. Foi responsável e humilde
– exatamente o contrário da Argentina. O Brasil negociou com os credores com
transparência e ouvindo todos os lados. Néstor Kirchner simplesmente anunciou
as condições. Ditou um valor e o impôs goela abaixo dos seus credores. A
maioria dos credores, temendo não receber nada, simplesmente aceitou; outros,
como o Elliot Management, foram para a briga. A Argentina deveria ter
negociado, mas preferiu ser arrogante mesmo sabendo que a chance de perder
seria grande – e agora caminha para um novo calote, com tudo o que isso implica
em termos de mais decadência. A arrogância – melhor dizendo, a soberba –
costuma ser um pecado típico de quem está por cima há muito tempo. Manter a
arrogância na queda é uma triste tradição dos governantes da [cada vez menos]
grande Argentina. O povo argentino não merece sofrer as consequências de mais
um descalabro.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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