Por Pedro Nascimento Araujo
Na mitologia grega, o rei Sísifo
recebeu uma punição por ter enganado os deuses e a morte: rolar uma pedra morro
acima: somente quando lograsse êxito ele poderia descansar (leia-se morrer). A
ironia é que Zeus havia posto um feitiço na tal pedra: sempre que chegasse
perto do cume, ela rolaria de volta para a base. E assim, por ter sido
condenado a passar a eternidade tentando rolar até o cume uma pedra que nunca
chegaria lá, o mito de Sísifo atravessou os séculos como a mais perfeita
descrição de esforços inúteis. Se os gregos antigos que criaram o mito de
Sísifo estivessem vivos hodiernamente, poderiam adaptá-lo para a mais ingrata
tarefa de nosso tempo: a busca da paz na Terra Santa. Na última semana, uma
nova escalada de tensões entre Israel e Hamas fez o papel do feitiço de Zeus e rolou
a pedra morro abaixo. Como sempre, Sísifo vai ter de começar tudo de novo.
A mais recente fonte de atrito
entre os lados pode ser contada nos dedos de uma mão: um jovem palestino
(Mohammed Abu Khdeir, 17 anos) foi brutalmente e covardemente assassinado, dois
povos (judeus e árabes) que simplesmente não conseguem conviver em harmonia,
três jovens israelenses (Eyal Yifrah, 19 anos, Gilad Shaar, 16 anos, e Naftali
Frenkel, 16 anos) foram brutalmente e covardemente assassinados, quatro
negociadores (Hamas, Fatah, Israel e Estados Unidos) que simplesmente não
conseguem negociar a paz e as cinco letras que formar a palavra Hamas. Desse
jeito, fica difícil se chegar na outra mão. Aliás, os assassinatos em questão
foram bastante parecidos: todos foram sequestrados e executados sumariamente.
Evidentemente, as semelhanças acabam aí, pois as reações dos governos de Israel
e do Hamas não poderiam ser mais díspares, mas voltaremos a este tópico mais
adiante; por ora, é importante notar que os radicais israelenses (judeus) e os
radicais palestinos (muçulmanos) estão mais próximos do que nunca, infelizmente
– e o nivelamento foi por baixo, na violência. Há evidências claras de que os
jovens israelenses foram sequestrados e mortos por terroristas muçulmanos (a
ligação de um deles para a polícia é interrompida por gritos em árabe e é
possível ouvir a comemoração dos assassinos: “Pegamos três!”), assim como há
evidências claras de que o jovem palestino foi sequestrado e morto por
terroristas judeus em retaliação à morte dos três jovens uma semana antes. O
risco de escalada do terrorismo cruzado entre judeus e muçulmanos causado pelos
assassinatos são dois (o primeiro e o terceiro da nossa lista) dos cinco
feitiços de Zeus, digo, motivos, para rolar a pedra ladeira abaixo. Mas há
mais.
Um terceiro motivo (o segundo na
nossa lista) que empurra a pedra para baixo é a incapacidade crônica que árabes
e judeus têm de conviver em
harmonia. Os palestinos não conseguem se entender acerca da
relação com Israel. Ao contrário de outros povos vizinhos que alimentaram a
ilusão de fazer um segundo Holocausto, foram devidamente surrados em todas as
vezes que agrediram Israel militarmente e acabaram estabelecendo a paz com os
israelenses, os palestinos não têm forças armadas simplesmente porque não têm
país. Aliás, nunca tiveram: antes da criação de Israel, eram expulsos de país
em país – dentre os muçulmanos, historicamente sofrem discriminações que, não
raro, resultaram em segregações – e, quando a ONU optou pela criação de dois
países para dois povos historicamente discriminados e com ocupação ancestral na
região, simplesmente não quiseram que os judeus vivessem ao lado deles. Foi um
erro histórico, como admitiriam apenas no Século XXI líderes palestinos como
Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, que controla a Cisjordânia.
Não aceitar conviver com judeus não foi apenas um ato de preconceito ou
racismo: foi uma decisão que impediu gerações de palestinos de crescer, se
desenvolver, superar a pobreza crônica em que sempre viveram – basta olhar para
Israel, uma democracia com índices sociais de país desenvolvido, pesquisas
científicas que são referência mundial etc., e comparar com os territórios
palestinos, onde não há nem democracia nem desenvolvimento, tanto humano quanto
científico.
O quarto motivo em nossa lista
diz respeito à incapacidade de os Estado Unidos agirem como catalisadores da
paz. O problema principal reside em Israel, cansada de guerra, não parecer
disposta a fazer novas concessões quando o que sempre recebe em troca são
exigências impossíveis. Os israelenses, após mais de duas décadas depois dos
Acordos de Oslo (1993), parecem conformados em viver com vizinhos belicosos em
Gaza: estão construindo sistemas de defesa sofisticados enquanto aguardam a
emergência de uma nova geração de líderes que estejam dispostos a fazer a paz.
Enquanto isso, apenas de maneira pro forma cedem às pressões americanas para
negociar, sem esperanças de conseguir um compromisso sério, mormente por conta
do derradeiro motivo de nossa lista, o Hamas. Eis o paradoxo: enquanto o Hamas
não renunciar à sua missão de “varrer Israel do mapa”, não haverá paz; mas,
enquanto não houver paz, haverá o Hamas. Isso decorre da falta de habilidade de
negociar dos quatro lados (o quarto motivo em nossa lista). O Fatah, partido
políticos de Mahmud Abbas, que promovia atentados por meio de subsidiárias como
o Setembro Negro, que foi responsável pelo assassinato de 11 atletas
israelenses na Vila Olímpica das Olimpíadas de Munique em 1972, já reconhece o
direito de existência de Israel, mas o Hamas (outro motivo, o quinto na nossa
lista) ainda não. Encastelado em seu pequeno califado da Faixa de Gaza, o Hamas
aterroriza seu próprio povo (ditadura, aplicação compulsória da sharia,
execuções sumárias, censura etc.) e seus vizinhos (somente na última semana,
disparou mais de 200 foguetes contra Israel). Para o Hamas, a paz com Israel
significaria seu fim: cada vez que Israel se defende de seus ataques (e que
país aguentaria 200 foguetes atirados em seu território em uma semana sem
declarar guerra além de Israel?), o Hamas justifica sua existência. Quando
extremistas palestinos assassinam três jovens israelenses, o Hamas (que trata
os grupos terroristas em seu território da seguinte maneira: obediência ou
morte – e morte de arrastar corpos nas ruas) não faz uma condenação pro forma
sequer, mas, quando extremistas israelenses matam um jovem palestino (e são
presos pelas forças policiais de Israel, cujo Premier dá declarações públicas
de condenação ao ato), promete vingança e autoriza o bombardeio de civis
israelenses com centenas de seus foguetes. Então, Israel faz bombardeios a
alvos militares e/ou uma incursão em Gaza, e o Hamas justifica sua existência
como bastião da “resistência” palestina. Com apenas cinco letras, o Hamas é o
maior feitiço de Zeus na empresa de Sísifo hodierna que é fazer a paz na Terra
Santa.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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