Por
Pedro Nascimento Araujo
Há um pequeno conto muito
conhecido no Reino Unido, chamado “A pata do macaco”. Escrito em 1902 por
William Jacobs, trata do casal White e seu filho Herbert. Um amigo do Senhor
White, veterano oficial do Royal Army na Índia, lhe apresenta uma pata de
macaco mágica, que possui o dom de conceder três desejos a quem a possuir – ele
a havia herdado de um faquir cujo último desejo havia sido a própria morte e a
lançou no fogo, de onde o Senhor White a recuperou furtivamente. Seu primeiro
desejo é obter £ 200 para quitar a hipoteca. Logo em seguida, Herbert, o filho
do casal morre em um acidente de trabalho e seus pais recebem o seguro de
exatos £ 200. A história ficou famosa por tratar das consequências inesperadas
dos desejos. Caso Dilma Rousseff já tenha lido “A pata do macaco”, neste final
de semana, ao ver os resultados do Primeiro Turno da eleição presidencial, ela
certamente se lembrou da moral do conto: cuidado com o que você deseja, porque
pode virar realidade.
A campanha de 2014 foi sui
generis. A trágica morte de Eduardo Campos colocou Marina Silva no olho do
furacão com uma carga emocional jamais vista em uma eleição presidencial. A
acreana subiu com uma velocidade estonteante, roubando votos não apenas de
Dilma Rousseff, mas também de Aécio Neves. O tucano, para quem a campanha
petista havia treinado toda sua infantaria para atacar, abruptamente pareceu ser
carta fora do baralho. Marina Silva passou a liderar as intenções de voto no
Segundo Turno e empatou (conquanto na margem de erro) com Dilma Rousseff no
Primeiro Turno. Com tudo isso acontecendo, o inimigo deixou de ser o cada vez
menos ameaçador Aécio Neves (cujas intenções de voto chegaram a se aproximar de
um humilhante dígito) e passou a ser a cada vez mais favorita Marina Silva: as
condições do teatro de guerra mudaram completamente. Assim, como os generais
reais, que sempre estão preparados para lutar a última guerra, os comandantes
do marketing eleitoral do PT foram confrontados com uma situação nova no seu front particular.
E, à moda dos grandes estrategistas, foram extremamente eficientes ao criar
novos planos de ação na hora mais difícil para executar a nova missão:
literalmente, pulverizarar a candidatura de Marina Silva. Internamente, o termo
era o neologismo “dessacralizar” a ex-seringueira. A vontade de desconstruir
Marina Silva foi tamanha que, houvesse uma pata mágica de macaco à mão, Dilma Rousseff
teria feito disso seu primeiro desejo: destruir as chances de Marina Silva. Deu
certo, mas deu certo à moda da pata de macaco – assim como as £ 200 para quitar
a casa vieram do seguro de vida do filho, a derrocada de Marina Silva veio à
custa de argumentos que reviveram um quase moribundo Aécio Neves: o medo do
desconhecido, a inexperiência e a falta de apoio político que Marina Silva
representaria.
Assim, o que Dilma Rousseff fez
para marar Marina salvou Aécio. Não há como falar em medo do desconhecido com
Aécio Neves simplesmente porque, desde antes de Marina Silva ser o inimigo a
ser derrotado, a campanha de Dilma Rousseff buscava posicionar Aécio Neves como
sucessor do governo de Fernando Henrique Cardoso, comparando as realizações
daqueles governos com as dos atuais, concomitantemente à associação de Marina
Silva a um salto no escuro. Se a própria estratégia seguida por Dilma Rousseff
tornou impossível associá-lo ao desconhecido, também não haveria como explorar
sua inexperiência: o mineiro já foi duas vezes governador da segunda maior
unidade federativa nacional – e realizou um dos governos mais bem-avaliados da
história do país. Portanto, quando o atacava por meio de críticas às
realizações dele em seus dias de governador e atacava Marina Silva por sua
inexperiência, a campanha de Dilma Rousseff apenas alimentava o monstro que
agora ameaça devorá-la. Por fim, a pata do macaco permitiu que a exploração por
parte de Dilma Rousseff da falta de capacidade de forjar alianças políticas de
Marina Silva servisse apenas para destacar o quanto Aécio Neves possui essa
capacidade (uma que a própria Dilma Rousseff não possui como herança, mas sim
como concessão de Lula da Silva: ela é sabidamente e reconhecidamente hostil à
arte da negociação política), que nele pode até ser um traço genético: seu avô
Tancredo Neves, quem o iniciou na carreira política, era um mestre nesse
assunto. Tancredo Neves conseguiu ser Primeiro Ministro durante os turbulentos
anos do parlamentarismo brasileiro (1961-1963) exatamente por sua capacidade de
conciliação, e levou-a ao paroxismo quando conseguiu reunir apoios suficientes
no Congresso Nacional para vencer a eleição indireta, sendo de oposição e sem
ter maioria parlamentar para tanto. É irônico como a lição da pata do macaco cairia
perfeitamente na desconstrução de Marina Silva: o que Dilma Rousseff tanto
desejou aconteceu – mas não como ela esperava, como sói ser quando a pata do
macaco executa sua mágica.
Em “A pata do macaco”, aliás e a
propósito, dez dias após a morte do próprio filho do Casal White (que lhes
gerou exatamente a quantia para quitar a hipoteca da casa, primeiro pedido à
pata do macaco), a Senhora White, saudosa de Herbert e arrependida de ter
concordado com o pedido do marido, pede ao Senhor White que use o segundo
desejo para trazer Herbert de volta à vida. Compadecido, ele cede. Logo em
seguida, alguém bate à porta da residência dos White e a Senhora White se
encaminha para abri-la. Súbito, o Senhor White se lembrou do reconhecimento do
corpo de Herbert há mais de uma semana: ele estava completamente estraçalhado
pelo acidente e, temendo pelo estado do filho que, dilacerado, morto e
enterrado há mais de uma semana, estaria revivido do outro lado da porta, ele
fez seu derradeiro pedido à pata do macaco, um que ele jamais cogitou querer:
desejou a morte do filho revivido e as batidas cessaram imediatamente. Quando a
Senhora White finalmente abriu a porta, não havia ninguém do outro lado. Como
os White, Dilma Rousseff pode pagar um preço alto demais por ter conseguido
destruir Marina Silva: a virulência dos ataques que fez à própria ex-candidata,
usando manipulações e mentiras grosseiras, além de ofensas pessoais,
simplesmente inviabilizam qualquer possibilidade de reconciliação e de apoio
para o Segundo Turno. Assim como aconteceu com o corpo de Herbert, os brios de
Marina Silva foram estraçalhados além do ponto de recuperação apenas para
atender ao desejo de Dilma Rousseff. Dilma Rousseff não apenas fortaleceu Aécio
Neves quando batia abaixo da linha de cintura de Marina Silva, mas também
ressaltou as qualidades dele enquanto a difamava e, principalmente, criou as
condições para uma aliança das oposições contra si, com um Aécio bem mais forte
e com uma Marina nadando em rancor. Se antes do desejo de Dilma Rousseff se
tornar realidade, a possibilidade de Marina Silva dar prosseguimento ao pacto
firmado entre Aécio Neves e o finado Eduardo Campos para apoio incondicional
para o candidato de oposição que fosse para o Segundo Turno era virtualmente
nula, agora é bastante plausível – e uma aliança de ambos, ao menos no campo
teórico, terminou o Primeiro Turno com mais de 10 milhões de votos de vantagem
sobre Dilma Rousseff. Um enorme revés para a candidatura de Dilma Rousseff
decorrente de seu desejo – destruir a candidatura de Marina Silva – ter sido
realizado; pensando bem, Dilma Rousseff nem precisa mais de uma pata de macaco
mágico: a essa altura, ela já aprendeu a ter cuidado com o que deseja, porque
pode virar realidade.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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