Por
Pedro Nascimento Araujo
Em nova York, está acabando – com
resultados controversos, quando não desastrosos; no Rio de Janeiro, está
começando – também com resultados controversos, quando não desastrosos.
Trata-se do stop and frisk, termo em inglês para definir revistas
policiais feitas em transeuntes a qualquer momento e sem planejamento prévio.
Na prática, com ostop and frisk, os policiais podem, a qualquer momento,
qualquer um que eles considerem potencialmente suspeito: isso configura um
vasto manancial para a aplicação arbitrária de estereótipos sociais e étnicos,
principal argumento dos detratores da prática. Todavia, os defensores do stop
and frisk têm a seu favor os números: o uso da prática não apenas foi um
dos pilares históricos da espetacular queda nos índices de violência em Nova
York, como sua adoção no Rio de Janeiro a partir deste final de semana
conseguiu impedir os temidos arrastões na orla carioca. Ambas as cidades, Rio
de Janeiro e Nova York, terão de decidir sobre o que fazer com o stop and
frisk em pouco tempo. Em Nova York, o stop and frisk foi
iniciado na por Rudolph Giuliani e mantido por Michael Bloomberg, nas duas
décadas de janeiro de 1994 a janeiro de 2014. O senso comum afirma que a
aplicação da chamada Tolerância Zero neste período levou a reduções
espetaculares na criminalidade da cidade, mas a realidade pode ser bem mais
complexa: as taxas de criminalidade nos países desenvolvidos caíram como um
todo, e Nova York não foi apenas o caso mais bem sucedido, como também o mais
icônico. Assim, a Tolerância Zero (e, por conseguinte, o stop and frisk),
conquanto respondesse apenas pelo significativo delta incremental na redução de
criminalidade que caracterizou Nova York, ficou com os louros de um processo
internacional cujas causas ainda não são consensuais perante os estudiosos. O
prefeito Bill de Blasio (née Warren Wilhelm Junior) resolveu acabar com a
prática por considerá-la racista e classista, o que efetivamente é, mas não
pelos motivos discriminatórios que o americano de nome inglês e sobrenome
alemão que adotou apelido americano e sobrenome italiano apregoa, mas
simplesmente porque, gostemos ou não, efetivamente os pequenos crimes, tanto em
Nova York quanto em qualquer outro lugar do mundo, são cometidos
majoritariamente pelas populações mais pobres, das quais, lá, a maioria é de
origem hispânica ou negra. Wilhelm Junior, perdão, de Blasio, simplesmente
aboliu o stop and frisk, ingorando os números e colocando a ideologia
acima da responsabilidade. A criminalidade voltou a crescer em Nova York e a
polícia da cidade, até então uma das mais orgulhosas do mundo com seu
desempenho, entrou em pé de guerra com o prefeito que é demagogo até na escolha
do próprio nome, chegando mesmo a se recusar a olhar para ele – a foto de
policiais dando as costas para Wilhelm, digo, de Blasio, durante o enterro de
dois agentes assassinados correu o mundo e expôs a fragilidade do alcaide.
Todavia, se em seu berço mais famoso o stop and frisk está saindo de
cena, ele acaba de chegar a outro palco mundial: o stop and frisk fez
sua estreia nas praias cariocas na última semana como arma da polícia local
contra os arrastões.
Os arrastões nas praias cariocas
no verão são tão parte da paisagem da cidade quanto os recordes de calor nessa
época do ano: invariavelmente, ambos ocorrem. E a polícia nunca conseguiu como
impedi-los. Em 2015, começou a ser tentada uma nova abordagem, baseada
exatamente no stop and frisk nova-iorquino: os ônibus com destino às
praias da Zona Sul são abordados antes de chegar aos destinos finais, com
policiais revistando os tipos que considerarem suspeitos – e eles sempre
consideram suspeitos bandos de homens de pouca idade e de pele escura. O mero
fato de não haver stop and frisk em ônibus dentro da Zona Sul é
indicativo de outro fator para suspeição: a origem social, com coletivos cujos
trajetos passam se originem de ou passem por favelas dos subúrbios sendo os
únicos a ser parados – e isso é feito antes da chegada à região mais nobre da
cidade. A polícia se defende afirmando que são exatamente esses os
participantes dos arrastões, o que os números apresentados embasam, mas abre
espaço para a maior praga associada ao stop and frisk: o chamado racial
and social profilings, quando se determina ser maior a chance de um indivíduo
cometer um crime a partir de sua etnia ou de sua classe social. Não que isso
não ocorra: é mais provável que uma fraude no sistema financeiro seja cometida
por operadores do mercado financeiro, um grupo pequeno de indivíduos composto
majoritariamente por homens jovens, de classe alta, com educação superior e de
tez clara, o que não levou ninguém a sugerir à polícia parar SUV nas avenidas
mais chiques do país em busca de potenciais criminosos do colarinho branco. O
mesmo vale para a chamada Máfia de Branco (médicos corruptos), o Comando Azul
(Policiais Militares corruptos) ou mesmo juízes. Há pessoas honestas e pessoas
desonestas em qualquer clivagem feita, seja por gênero, seja por idade, seja
por educação etc. Como, então, pode o stop and frisk pode ser efetivo
no caso de pequenos crimes? Exatamente porque são pequenos crimes.
O stop and frisk surgiu
para combater os pequenos crimes. Pequenos crimes são aqueles cometidos mais
por oportunidade do que por planejamento. Em suma, por indivíduos que espreitam
as ruas esperam uma chance para obter o chamado “ganho”. Não requer
planejamento, requer apenas oportunidade. Contra esses casos, o stop and
friskfunciona: policiais param esses indivíduos e podem ou prendê-los caso eles
estejam armados ou dissuadi-los de cometer um crime por fazê-los ver que há
policiamento ostensivo no local, tornando arriscado vagar com a rés furtiva.
Para pequenos crimes, funciona muito bem. Para grandes crimes, não faz sentido
imaginar que um mero stop and frisk vá fazer alguma diferença, até
porque esses indivíduos não apenas não portam armas ilegais como também não
vagam carregando a rés furtiva. Na verdade, um crime financeiro precisa de
especialistas elaborando esquemas sofisticados, a Máfia de Branco só funciona
se houver complexas engrenagens envolvendo empresas de fachada, funcionários
corruptos, emissão de laudos falsos, advogados que peticionem liminares etc. e
os ladrões que roubaram da Petrobras precisaram de políticos corruptos,
lobistas, doleiros, empresas offshore, contas no exterior, além de uma
organização criminosa em forma de cartel de empreiteiras para ter êxito em suas
empreitadas criminosas. Para atacar essas teias altamente complexas, polícia
investigativa gasta muitas horas de trabalho com resultados incertos, uma vez
que a obtenção de provas é difícil. Arrastões, não. Arrastões são pequenos
crimes. Não costumam deixar vítimas fatais porque não envolvem armas de fogo
(aliás, nem mesmo armas brancas) e não são direcionados a vítimas específicas:
são jovens que talvez nunca não apontassem uma arma a um desconhecido na rua em
troca de um relógio, mas que, estando juntos, acabam trocando a
individualização pela coletivização, mecanismo que leva pessoas comuns a
cometer atos extremos quando em conjunto, no chamado comportamento de turba. O
maior risco é o de pisoteamento por conta da multidão em fuga, que adota
inconscientemente o perigoso efeito-manada.
Em termo de rés furtiva, o
resultado prático de um arrastão é patético: dinheiro miúdo e, no máximo,
alguns smartphones. Se, por um lado, os grandes crimes rendem infinitamente
mais (o caso de Pedro Barusco, funcionário de terceiro escalão da
Petrobras que confessou o roubo de quase 100 milhões de dólares dá uma dimensão
clara da desproporção), por outro lado, os arrastões incomodam muito mais
porque expõem a absoluta insegurança em um local sagrado para os cariocas: a
praia, local que sempre se orgulhou de ser um território livre, sem
discriminações, no qual ricos e pobres podem dividir a areia harmoniosamente e,
independentemente de suas capacidades financeiras tão díspares, apreciar o
mesmo espetáculo – na praia não há os infames Cercadinhos VIP. Pelo menos, não
até a adoção do stop and frisk no Rio de Janeiro ter obtido êxito na
primeira semana de atuação: depois de ocorrer em quase todos os finais de
semana desde o final de 2914, pela primeira vez não houve registros de
arrastões nas praias da Zona Sul carioca, com mais de 50 pessoas detidas em
bloqueios nos acessos à Zona Sul que começaram oito horas da manhã. A operação
deve continuar. E a praia, orgulho da convivência pacífica entre cariocas de
todos os matizes étnicos e sociais, perderá um pouco do seu brilho em nome da
segurança de todos contra a estupidez de alguns. Aparentemente, o stop and
frisk chegou para uma longa estada no Rio de Janeiro.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
Comentários
Postar um comentário