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Desservicialização




Por Pedro Nascimento Araujo

Em meio a um furacão político com devastação ainda por medir, Dilma Rousseff embarca para a VII Cúpula BRICS. O Brasil está pegando fogo politicamente: o impeachment de Dilma Rousseff depende de apenas dois fatores para deixar de ser uma impossibilidade para se tornar uma inevitabilidade: um embasamento palpável (a rejeição das “pedaladas” nas contas dela pelo TCU, a implicação dela em colaborações premiadas na Operação Lava-Jato, a impugnação da chapa dela no TSE etc.) e a saída do PMDB. Ambos podem acontecer a qualquer momento; inclusive, nunca. Com aprovação popular abaixo de dois dígitos, Dilma Rousseff é um cadáver iminente que só permanece insepulto porque ainda não aceita que morreu – e não faltar-lhe-ão candidatos dispostos a fornecer o proverbial coup de grâce. Por isso, a política externa deveria ser a válvula de escape primordial para sua torrente de más notícias no front interno. Ocorre que ela é conhecida por não gostar nem de política externa nem de economia – ou, ao menos, de economia liberal: estatizante, centralizadora e interventora, é de autoria de Dilma Rousseff a desastrosa Nova Matriz Econômica, pecado original que resultou na recessão que lhe corrói a popularidade como um câncer agressivo. Mesmo em meio ao caos político, ela prestigia a Cúpula BRICS, decerto um evento importante tanto pelo tamanho dos países envolvidos quanto pelas iniciativas conjuntas, mas não ignora uma outra esfera de negociações que poderia ser bastante proveitosa para o Brasil, país particularmente carente de investimentos estrangeiros nesse momento: reveladas pelo Wikileaks de Julian Assange, as negociações do TISA (Acordo de Comércio em Serviços, ou Trade in Services Agreement no acrônimo original em inglês, com reuniões, pautas e atas fechadas ao grande público e com sigiloso garantido pelos cinco anos subsequentes ao final da negociação) envolvem 51 países de diversos tamanhos e graus de desenvolvimento: há dos 28 da União Europeia ao Paquistão, dos três do NAFTA (Canadá, EUA e México) aos 4 da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru), além de gigantes comerciais asiáticos (Japão, Coreia do Sul, Hong-Kong e Taiwan) e até dois membros do Mercosul (Paraguay e Uruguay). Se for aprovado, o TISA vai concentrar 70% do comércio internacional de serviços. Há apenas um grande grupo ausente por enquanto: BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estão fora das negociações do TISA – ao menos por enquanto, porque o Wikileaks informou que a China pediu para se juntar às negociações, que (ainda segundo o Wikileaks) envolvem de transportes (aéreo e marítimo) a comércio eletrônico, passando por engenharias e contabilidade, dentre outros. Por isso, caso o TISA seja aprovado com o Brasil de fora, precisaremos de mais um neologismo para definir o subsequente processo de perda de capacidade no setor terciário da nossa economia, que responde por quase 70% do PIB nacional: desservicialização – o maior desserviço ao nosso país na deveras extensa lista de desserviços ao Brasil by Dilma Rousseff.

Em termos de diplomacia comercial, o Brasil privilegia os acordos multilaterais; em outras palavras, a energia fica concentrada em destravar a Rodada Doha da OMC, que começou em 2001 e não tem data para ser fechada – se é que algum dia o será. Além disso, há apenas a atuação em bloco – leia-se Mercosul; todavia, nem ao descobrir (via Wikileaks) que dois de seus quatro sócios no Mercosul (Paraguay e Uruguay) estão negociando a liberalização de seus mercados de serviços, o Brasil esboça interesse em entrar na negociação do TISA. Ficar fora do TISA por qualquer veleidade política de Dilma Rousseff deixa de ser apenas mais uma má escolha para se tornar um equívoco completo quando há a presença de sócios do Mercosul nas negociações – e isso sem falar na possibilidade de a China aderir. Explica-se. O Mercosul, embora esteja longe disso na prática, é um mercado comum e prevê livre circulação de produtos, serviços e pessoas. Mais especificamente, uma vez no Mercosul, uma empresa não pode sofrer restrições dos demais membros e seus produtos e serviços são considerados como equivalentes àqueles produzidos em quaisquer dos demais membros. Isso quer dizer que, no caso de sucesso no TISA, os pequenos mercados de Paraguay e Uruguay passariam a concentrar as sedes das empresas do setor terciário no Mercosul, uma vez que, de Assunção ou de Montevidéu, elas poderiam beneficiar-se das proteções do TISA e ter acesso aos grandes mercados de Argentina, Brasil e Venezuela, aonde não teriam restrições por conta do Mercosul. Seria um desastre para o setor terciário brasileiro, que emprega a ampla maioria da mão de obra nacional e que responde por quase 70% do nosso PIB: concorrendo com empresas de porte mundial, com escala e amparadas pelo TISA, certamente muitas nacionais quebrariam e não seriam substituídas por internacionais. Isso reduziria a arrecadação e o emprego no Brasil. Uma das vantagens do Brasil em termos de Mercosul é o tamanho bruto: com um mercado de 200 milhões de pessoas, o país é a escolha natural de sede sul-americana para empresas estrangeiras – afinal, se a partir do Brasil, que faz fronteira com todos os demais, é possível atender aos grandes mercados da Argentina (40 milhões) e da Venezuela (30 milhões), obviamente também é possível atender aos pequenos mercados de Paraguay (6 milhões) e Uruguay (3 milhões). Em uma situação de TISA sem participação do Brasil, todavia, a vantagem viraria uma monumental desvantagem: com as empresas do setor terciário se sediando nos menores países e, de lá, atendendo aos maiores países. Os impostos e empregos ficariam concentrados em nossos vizinhos. Isso é bem diferente da situação atual, que privilegia o Brasil como sede das empresas, mas que distribui empregos e impostos entre todos os países porque, afinal, todos os países do Mercosul seguem as mesmas regras – o que não seria observado caso apenas Paraguay e Uruguay sejam parte do TISA: nesse caso, as empresas contratariam todos os empregados apenas nesses dois países ; ou seja, ainda que contratassem cidadãos dos demais países, os salários e impostos seriam pagos em terras guaraníticas ou charruas. É a desservicialização.

O TISA é uma evolução do GATS (Acordo Geral para Comércio de Serviços, ou General Agreement on Trade in Services, no original em inglês), acordo tímido firmado ainda na Rodada Uruguay do GATT, que não especificava compromissos ou prazos. Na verdade, o GATS já tinha como princípio a não discriminação de serviços estrangeiros, mas o TISA leva isso ao paroxismo ao impedir a criação de normas nacionais para o setor. É um projeto para lá de ambicioso. Com a aprovação do fast-track para o presidente Barack Obama negociar acordos comerciais sem que o Congresso possa alterar o conteúdo (somente poderá aprovar ou reprovar integralmente), os Estados Unidos estão levando adiante a mais espetacular rodada de liberalização do comércio mundial da história – e isso está sendo feito à margem da OMC, a única aposta do Brasil. Washington está trabalhando em três negociações enormes e secretas: a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (com a União Europeia), a Aliança Transpacífica (com potências comerciais da Ásia, como Coreia do Sul, Japão e Singapura, bem como os países da Aliança do Pacífico) e o próprio TISA. Na verdade, em nossa vizinhança, o Tio Sam vem, por meio de contratos bilaterais (Colômbia, Chile e Peru), Regionais (NAFTA e CAFTA) ou com blocos (Aliança do Pacífico no seio do TISA), reconstruindo a ALCA que Hugo Chávez enterrou em 2005, mas o Brasil parece não ver. De fato, há tempos utilizo o nome Carolina para referir-me à imagem da República Brasileira, como Marianne é a imagem da República Francesa, e o momento é apropriado para retomar a metáfora (antes, convém explicar que a inspiração para o apodo é a canção homônima de Chico Buarque, que versa que “o mundo passou na janela e só Carolina não viu”): só Carolina não viu Washington reconstruir a finada ALCA por meio de todos esses acordos, só Carolina não viu Bruxelas relegando o acordo com o Mercosul em prol de um acordo com Washington, só Carolina não viu 70% do comércio mundial de serviços caminhando para virar um único mercado mundial que alijará as empresas brasileiras – aliás, só mesmo Carolina para não ver seus dois menores parceiros de Mercosul participando das negociações do TISA. Se só Carolina não viu coisa alguma porque não ver coisa alguma é a única coisa que Carolina sabe fazer. O pranto de Carolina não a renderá: o mundo continuará passando despercebido na janela. Dilma Rousseff, uma expert em codinomes (Estela, Vanda, Patrícia e Luíza), com sua visão tortuosa, tornou Carolina ainda mais cega ao mundo – com tudo isso acontecendo, Carolina tem olhos apenas para o paralisado Mercosul e para a agonizante Rodada Doha da OMC. Ao léxico da gestão de Dilma Rousseff, que já incorporou temas como reprimarização (uma pauta de exportação concentrada em commodities, como nos tempos pré-industriais) e desindustrialização, tão logo o TISA seja implementado, os brasileiros poderão acrescentar a essa triste lista o neologismo desservicialização.

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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