Poucas coisas são mais humanas do
que as reações diante de uma perda iminente. Pode ser de um amor, pode ser de
um emprego. As origens variam: pode ser um vício, pode ser uma doença terminal,
pode ser um caso extraconjugal saindo do controle. Independentemente de
qualquer coisa, as reações geralmente seguem um padrão bem estudado pela
psicologia, que denomina a todos como processo de luto. Vários acadêmicos
dedicaram-se a esse assunto, mas a tese que prevalece é a da psiquiatra
suíço-americana Elisabeth Kübler-Ross. Em 1969, ela lançou a teoria dos cinco
estados do processo de perda (ou luto) em seu livro “On Death and Dying” (algo
como “Sobre morte e morrer”, em tradução livre): segundo Kübler-Ross, todos
passaríamos pelos estágios de Negação, Cólera, Barganha, Tristeza e Aceitação.
Nesse momento, Eduardo Cunha e Dilma Rousseff estão no primeiro estágio, a
Negação: se recusam a admitir que são ocupantes indesejados em seus cargos e
que suas saídas seriam a melhor solução para aqueles que os rodeiam. Conforme
veremos a seguir, não será bom para o Brasil se eles passarem por todos os
estágios descritos por Elisabeth Kübler-Ross em seus cargos.
Dilma Rousseff ostenta a maior
rejeição jamais medida para qualquer ocupante da Presidência da República, com
menos de 10% da população considerando seu governo bom ou ótimo. Já seria um
espanto normalmente, mas esse dado se torna particularmente surreal quando se
percebe que ela só cumpriu um oitavo do seu segundo mandato. Dilma Rousseff é
uma pálida caricatura de si mesma que está condenada a passar os sete oitavos
restantes de seu segundo mandato arrastando correntes apenas para incomodar os
brasileiros, porque esse é um espectro que não mais mete medo em pessoa alguma.
Quando se olham suas atitudes para vencer as eleições de 2014, fica patente o
porquê de tanta rejeição: ela jogou tão sujo com os adversários que conseguiu
torná-los inimigos (os ataques a Marina Silva são um caso à parte, como a peça
de propaganda que afirmava que a acreana entregaria o comando da economia
nacional aos grandes banqueiros) e, principalmente, ela mentiu demais para o
povo brasileiro, dizendo que a situação econômica estava bem e que não seria
necessário fazer exatamente o ajuste recessivo que se pôs a fazer tão logo os
resultados foram promulgados. O povo sentiu-se traído de maneira irreversível.
O mais interessante é que ela criou essa situação, mas ela ainda não reconheceu
seus erros, e não parece estar disposta a fazê-lo – um indício inequívoco de
que está na fase de Negação, como um alcoólatra que se engana dizendo ser capaz
de parar de beber quando quiser. Apenas uma mente na fase de Negação não
percebe que seus próprios áulicos anseiam por sua saída do cargo para anuviar a
pressão da qual são vítimas pelo simples motivo de ela ainda estar dando
expediente no terceiro andar do Palácio do Planalto.
Para a dupla Eduardo e Dilma
ficar completa, precisamos entender também porque Eduardo Cunha está na fase de
Negação. O caso dele é mais direto: ele está em vias de começar a ser julgado
por corrupção. Apenas uma mente na fase de Negação não reconhece que seus
próprios pares vão oferecer a cabeça dele para que saiam da berlinda em que
estão entrando por causa dele. Como que para provar que estão em plena fase de
Negação, tanto Eduardo quanto Dilma sequer a cogitar renúncia e se referem a
quaisquer tentativas de afastá-los do cargo como ilegítimas. Mais do que um
direito deles, é a reação natural e esperada deles: na Negação, evitamos até
mesmo mencionar o assunto cuja existência estamos negando, como uma criança que
tem certeza de que o mundo desapareceu quando lhe tamparam os olhos. Isso, por
mais pueril ou ridículo que possa soar, é perfeitamente humano: todos nós
tentamos nos agarrar a réstias de esperança quando nos deparamos com a inexorabilidade
de algo que não desejamos. Mas o processo descrito por Elisabeth Kübler-Ross é
inequívoco – em algum momento, a Negação não mais será possível. Em algum
momento, ficará evidente que não haverá solução além da saída deles de seus
cargos. O constrangimento a que estão sendo submetidos é um perfeito indicativo
disso: nenhum deles sequer cogita aparecer em público sem uma claque e, cada
vez que um deles fala, não se pergunta sobre outra coisa além da Crise Dual
(política e econômica). Se ele mudarem seus nomes para Dilma Crise e Eduardo
Crise, poucas pessoas notarão: parece que Crise é o sobrenome deles. É uma
situação desesperadora. Porém, como todos nós fazemos em situações assim, eles
estão esperando uma cura milagrosa que não virá. E se recusam a sair de cena,
como se fosse uma péssima ideia fazer um tratamento paliativo que lhes permita
aliviar suas dores e evitar os sofrimentos que, ao final das contas, serão
absolutamente inúteis. Eles ainda estão em Negação. Pessoas na fase de Negação
simplesmente não enxergam o óbvio, por mais ululante que seja.
Podemos ver sinais das fases
seguintes, que já começam a dar seus sinais de emergência em Eduardo e Dilma.
Um dos mais clássicos sintomas da fase de Cólera é atribuir a culpa de tudo a
qualquer pessoa ou circunstância, menos a si mesmo. Dilma Rousseff, que já era
conhecida pela maneira, digamos, pouco polida com que tratava seus
subordinados, apenas acentua esse traço pouco abonador de sua personalidade.
Eduardo Cunha, muito conhecido por literalmente atropelar seus desafetos, está
abusando do tinteiro de sua caneta. A consequência para ambos é a mesma: menos
apoio, mais isolamento, mais pessoas aos seus redores torcendo por suas saídas.
É um círculo vicioso, do qual nem ele nem ela parecem ser capazes de escapar
por alguma secante providencial. E, desse ponto em diante, a coisa só faz
piorar. Entra-se na fase da Barganha, por meio da qual tentamos negociar
qualquer coisa para nos salvar. Shakespeare, como sempre, tem o melhor exemplo
da fase de Barganha, em Ricardo III, uma de suas peças históricas. Para virar
rei, Ricardo III recorreu aos mais pérfidos expedientes, dentre eles o
infanticídio; porém, quando se viu diante da morte, a pé e diante de seu algoz
na Batalha de Bosworth Field (batalha que pôs um termo à Guerra das Rosas), ele
teria feito a famosa proposta de barganha: “Meu reino por um cavalo!”. Para
quem está na fase da Barganha, jacaré e tábua e qualquer negócio é lícito. Em
uma das maiores provas do tamanho da mesquinharia humana, uma pessoa em fase de
Barganha aceita dar tudo o que tem para salvar a própria pele, inclusive aquilo
que literalmente lhe custou a alma para conquistar, em troca de uma salvação
que ela sabe ser impossível. Saindo da obra de Shakespeare e voltando à
realidade comezinha de Eduardo e Dilma, isso significa dizer que as propostas
mais esdrúxulas serão acolhidas por eles como flutuadores temporários, apenas
para serem abandonadas em seguida, em prol de uma proposta ainda mais
estapafúrdia que se lhes parecerá um flutuador ainda melhor. É a situação
perfeita para o desfile macabro dos manipuladores profissionais de plantão, que
Shakespeare tão bem sintetizou na figura do pérfido Iago, em “Otelo, o mouro de
Veneza”. Há indícios de estarmos chegando nessa fase tanto para Eduardo quanto
para Dilma. Eles estão aceitando dar as mãos a quem quer que as entenda a eles.
É a última fase na qual lutarão por seus cargos. Depois desse momento, que pode
durar bastante tempo e, portanto, nunca acontecer simplesmente porque seus
mandatos previstos podem simplesmente acabar seus prazos antes, Eduardo e Dilma
simplesmente entregarão os pontos.
Chegamos nas fases derradeiras,
que Elisabeth Kübler-Ross denominou Depressão e Aceitação. Na verdade, ela
poderia tê-las agrupado em uma, mas preferiu a diferenciação; afinal, ambas
tratam do momento no qual a ficha finalmente caiu e a pessoa percebe que não há
escapatória, mas os estados de espírito são distintos. Em comum, a certeza de
que o fim está a caminho e não há nada que se possa fazer para impedi-lo de
chegar. Quando se trata da iminência da própria morte, é o momento no qual se
começa a fazer os planos para o fim, mas, quando se trata de eventos como a
perda de um cargo, é o momento no qual se para de ter ilusões de permanência.
Agora, tudo passa a ser mera questão de tempo. É como se disséssemos a nós
mesmos: já sabemos o que nos vai acontecer, só nos falta saber quando. E eis
porque a psiquiatra suíço-americana dividiu esse período em duas fases: a
Depressão é diferente da Aceitação. Eduardo e Dilma ainda não estão nas fases
finais. Quando e se chegarem a elas, estarão no pior dos mundos. Eles ocupam os
dois cargos mais poderosos do Brasil. Se entrarem na fase de Depressão, marcada
por uma constante apatia e por pensamentos muito ruins, estarão em maus
lençóis. Sozinhos, encastelados, tristes. Uma situação que não se deseja a
pessoa alguma. Dante Alighieri, em sua magistral Divina Comédia, colocou, na
entrada do Inferno, os dizeres “Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate”
(“Abandonai toda esperança, vós que entrais!”), como primícias para uma vida
sem esperança. Assim é a fase de Depressão. Para aqueles que a superam, uma vez
que muitos tiram a própria vida nessa fase, vem a fase de Aceitação. É a
capitulação, normalmente acompanhada de um profundo entendimento dos porquês de
se ter chegado até tal estágio. Quem chega nela costuma das mostras de
contrições públicas dignas de aplauso: não há mais arrogância, traço definidor
e de união para Eduardo e Dilma. Há, apenas, paz. E mais nada para eles. Para o
Brasil, ficaria a conta caso eles passassem por todos esses estágios nos seus
cargos. Não merecemos.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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