Por
Pedro Nascimento Araujo
Uma das obras mais icônicas de
William Shakespeare é Sonhos de uma Noite de Verão. Nela, o bardo versa
sobre a ilusão do amor, por meio de uma flor encantada que faz com que as
pessoas se apaixonem pelo ser que estiver mais próximo – não necessariamente,
humano: na peça, Titânia, rainha das Fadas, acaba se apaixonando por um asno em
função da flor. O acordo nuclear fechado entre as potências mundiais (Alemanha
e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas:
China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia) e o Irã pode ser comparado
aos devaneios da peça de Shakespeare: Barack Obama está apaixonado por acordo
que, em essência, é apenas éter. Ou um asno. Durante as negociações, o acordo
foi costurado com a ajuda nos bastidores de todos os atores, com destaque para
uma Rússia surpreendentemente colaborativa, mas o protagonismo recaiu sobre
John Kerry, o chanceler americano. Não por acaso: não haveria como se chegar a
uma solução para o Irã sem o aval de Washington. Mas a solução encontrada é
insossa. O acordo não é nem bom nem ruim. E isso é o mais decepcionante. Não é
bom porque dará sobrevida a uma ditadura terrorista e não é ruim porque tira
dessa ditadura terrorista a possibilidade de armar-se nuclearmente. Em bom
português, nada muda com o acordo. Se o Irã não tinha armas nucleares antes do
acordo, o Irã não terá armas nucleares depois do acordo. Se o Irã desestabilizava
o Oriente Médio antes do acordo, o Irã vai continuar desestabilizando o Oriente
Médio depois do acordo. Nada mudou, em uma das mais gritantes confirmações na
vida real da máxima de Il Gattopardo, obra de Tomasi de Lampedusa:
muda-se tudo para se manter tudo igual. Por isso, não há como definir o acordo
como outra coisa além de decepcionante. Obama tentar transformá-lo em um grande
feito nada mais é do que um sonho de uma noite de verão na Casa Branca.
Para começo de conversa, o Irã
nunca quis ter um arsenal nuclear. Nos dizeres de Mao Zedong, um grande
blefador da história, o Irã apontava “canhões vazios” para o Ocidente e para
Israel com seu programa nuclear. Toda a operação era uma retórica para
legitimar o regime dos aiatolás, que enfrenta forte oposição interna há mais de
uma década. O Irã não chegaria perto de construir uma bomba atômica porque, se
o fizesse, seria a sentença de morte para a teocracia: Israel bombardearia as
instalações e haveria grande risco de revolução no rescaldo da humilhação
internacional. Ainda que os aiatolás sobrevivessem a um ataque israelense (que,
de resto, costuma ser bastante eficiente e silencioso, como bem aprenderam
Saddam Hussein na década de 1980 e Bashar al-Assad na década passada), eles não
atacariam Israel porque seria uma loucura sem precedentes. Os aiatolás são
cruéis, mas não são loucos. Todo o programa nuclear foi jogo de cena, mas a
bravata saiu do controle. E vieram as sanções internacionais, que destruíram a
economia do país e colocaram a sobrevida do sistema mais em risco do que um
bombardeio israelense. O Irã ficou na patética situação de ter de desistir de
algo que não queria e ainda fazer isso parecer um bom negócio. Conseguiu porque
encontrou o parceiro perfeito para tanto: um presidente americano em final de
mandato, com a popularidade baixa e desesperado para entrar nos livros de
história como algo mais do que uma promessa não realizada.
Após longas noites de verão em
Viena, o acordo foi selado. Não é mais do que uma moratória de dez anos sobre o
programa nuclear persa. Não importa muito. O Irã irá cumprir suas promessas por
uma razão bem simples: os aiatolás não podem se dar o luxo de uma nova recessão
causada por sanções como a que ora afeta o país. O Congresso dos Estados Unidos
deve aprovar o acordo. De novo, pouco importa: se não aprovar, Obama já
anunciou que vetará – e a perdidíssima oposição republicana não tem os votos
necessários para derrubar um veto presidencial. Mais uma vez, não importa. Em
dez anos, quando vencer o acordo, o Irã vai fazer barulho, ameaçar “varrer
Israel do mapa”, religar algumas centrífugas etc. para marcar posição. Pouco
importa. Os persas não criarão um arsenal nuclear e não atacarão Israel. A
preocupação principal do regime é manter-se no comando do país. Desviar as
atenções dos problemas internos para os problemas externos é uma tática tão
velha quanto andar para a frente. Ladrar sim, morder não: uma tentativa real de
obter a bomba termonuclear geraria um ataque israelense, enquanto fazer de
conta que busca uma rende atenção do mundo inteiro e, principalmente,
envergadura política regional. Barack Obama pensa que conseguiu um grande feito
político com uma moratória de uma década. Não é, mas também está longe de ser
ruim como querem fazer crer alguns membros da oposição republicana. É apenas um
acordo insosso, que, na prática, reabre o Irã para o mundo. O país persa terá
acesso a 100 bilhões de dólares que estão congelados no exterior e poderá
vender petróleo, o que deve pressionar ainda mais para baixo as cotações do que
já foi mais ouro negro. O regime dos aiatolás ganhou uma sobrevida nada
desprezível – e, de posse desse dinheiro, não apenas vai aumentar a repressão
às dissidências internamente, como aumentará o financiamento a grupos no
exterior que desestabilizam a região. A lista de clientes de Teerã é enorme,
indo de Bashar al-Assad ao Hezbollah, do Hamas às milícias xiitas que travaram
a guerra civil no Iraque contra os sunitas e que, agora, são aliada deles e dos
curdos na luta contra o Isis. Isso, sem contar o apoio aos houthis no Iêmen e
outras ações na África. Nada mudou, nada mudará. Por isso, o que Obama gostaria
que fosse um grande legado tem esse quê de decepção: simplesmente, não se pode
dizer que um acordo que nada mudou é histórico. Ainda não foi dessa vez que ele
guardou seu lugar na história como um grande presidente – apenas para não sair
do Oriente Médio e para não sair do Partido Democrata, não há como comparar
esse acordo meia-boca com os obtidos por Jimmy Carter (paz entre Israel e Egito,
Camp David, 1979) ou Bill Clinton (Acordos de Oslo entre Israel e OLP, 1993).
Ainda há mais um verão na Casa Branca para Obama. Espera-se que ele sonhe menos
e faça mais.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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