Fritura insana
na Crise Dupla
Diante do agravamento da Crise
Dupla (ocorrência simultânea de crise política e crise econômica), a presidente
Dilma Rousseff muito raramente reage e, quando o faz, não há como fugir da
sensação de que teria sido melhor se continuasse não reagindo. Precisando
adotar as medidas muito impopulares de um rigoroso ajuste duplo (fiscal e monetário)
para corrigir seus próprios erros, ela manda sinais contraditórios sobre seus
únicos pontos de apoio: Joaquim Levy e Michel Temer. Dilma Rousseff parece não
entender que a saída dos dois significaria o golpe de coupe de grâce em seu
agonizante governo; do contrário, ela parece trata-los como se eles lhe fossem
tributários de gratidão, e não o contrário. O resultado é direto: ambos estão
sendo fritados dia após dia, o que aumenta a Crise Dupla.
Joaquim Levy não é petista. Nunca
foi, nunca será. Não que Dilma Rousseff seja petista – egressa do brizolismo
gaúcho, a presidente só chegou ao Palácio do Planalto por pura falta de opção
petista para suceder Lula da Silva: como a elite petista caiu em desgraça
durante os governos de Lula da Silva (primeiro Antônio Palocci, depois José
Dirceu e José Genoíno – estes, via Mensalão), não havia mesmo muita escolha,
uma vez que próceres menores do partido como Aloísio Mercadante não contavam
com grande simpatia de Lula da Silva. Se Dilma Rousseff ascendeu à Presidência
da República por um golpe de sorte, sua manutenção no topo é dificultada por
obra e [des]graça dela mesma. Após vencer a mais voraz e baixa campanha
eleitoral desde a redemocratização, mais virulenta mesmo do que a vitória de
Collor de Mello sobre Lula da Silva em 1989, ela viu-se obrigada a chamar o
tucano Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Isso é algo que nem Collor de
Mello teve o desplante de fazer: chamar um expoente das hostes adversárias para
fazer em seu governo aquilo que acusou seu adversário de querer fazer durante a
campanha. Mas Dilma Rousseff o fez. E, pior, o fez de forma titubeante. Disso
decorre a surreal situação em que o maior obstáculo à atuação de Joaquim Levy
dá expediente no Terceiro Andar do Palácio do Planalto: é a própria Dilma
Rousseff quem sabota seu salvador.
Joaquim Levy assumiu a Fazenda
com uma missão bem clara: retomar a ortodoxia após a desastrada tentativa de
reinventar a roda feita pela dupla Dilma Rousseff-Guido Mantega – a infame Nova
Matriz Macroeconômica, já tornada um clássico acadêmico da má gestão
macroeconômica. A arrogante ideia de transformar o povo brasileiro em cobaia
deu no que deu: estagflação e crise política, a Crise Dupla que ora
enfrentamos. Muito a contragosto e por absoluta falta de opção, Dilma Rousseff
teve de se curvar à existência de leis econômicas seculares e chamou Joaquim
Levy para ser para-raios da impopularidade que um ajuste duplo certamente atrai
e que seria potencializada pelo fato de ela ter passado a campanha presidencial
de 2014 inteira dizendo que não o faria. Com a condição de ter carta branca
para agir, Levy aceitou a missão e iniciou seu plano de resgate. Com sua
credibilidade internacional, viajou o mundo e conseguiu comprar tempo para
Dilma Rousseff: o sistema financeiro internacional tacitamente concordou em não
rebaixar o rating do Brasil ao grau especulativo. Levy prometeu trabalhar com
números realistas, deixando para trás um primeiro mandato com patéticas
“pedaladas” que maquiavam os números e aproximavam o Brasil de párias
financeiros internacionais como a Argentina. Joaquim Levy significava a
retomada da credibilidade. Foi bom enquanto durou. A fritura a que Levy vem
sendo submetido, notadamente por parte de Dilma Rousseff, que não se coça para
defendê-lo de ataques do seu próprio partido: tão notórios quanto os ataques
públicos que líderes petistas e entidades clientes têm feito ao chamado “Plano
Levy” são os silêncios do Palácio do Planalto. O mercado já percebeu que
Joaquim Levy era apenas um factoide de Dilma Rousseff – o maior deles, decerto,
mas, ao final das contas, apenas um factoide – e já sinaliza com o rebaixamento
do Brasil ao chamado grau especulativo no rating internacional, exatamente o
que Levy deveria evitar. A consequência direta será o agravamento do lado
financeiro da Crise Dupla, com a situação de Levy tornando-se insustentável: se
ele foi colocado no Ministério da Fazenda para garantir que o Brasil mantivesse
o investment grade, sua saída será praticamente inevitável. Não faria sentido
algum deixar a situação chegar a esse ponto mesmo se o lado político da Crise
Dupla estivesse sob controle. Não está.
No lado político da Crise Dupla,
Dilma Rousseff também foi forçada a aceitar uma solução com a qual ela não é
compatível. Essa solução chama-se Michel Temer. O renomado jurista feito
vice-presidente da República é conhecido pela atuação discreta e firme. Nem
seus mais empedernidos adversários negam suas qualidades e, ao menos até o
momento, sobre sua longa carreira política jamais pesaram acusações de corrupção.
Depois de uma coordenação política desastrosa no primeiro mandato, cujo maior
símbolo talvez seja chamar de volta para o governo aqueles que haviam sido
expulsos na remota “Faxina Ética”, Dilma Rousseff viu-se diante de um Congresso
Nacional hostil a si, embora possua maioria numérica avassaladora em tese. Não
ajudou o fato de ter tentado apear o peemedebista Eduardo Cunha de uma eleição
garantida para a presidência da Câmara dos Deputados. A hostilidade de Cunha só
fez aumentar diante de seu envolvimento na Operação Lava-Jato por meio de
depoimentos em colaborações premiadas. Publicamente, Eduardo Cunha atribui sua
citação à pressão de Dilma Rousseff, mas, privadamente, ele admite que o
Palácio do Planalto pode não controlar a atuação da Polícia Federal, mas
comemora a inclusão do seu nome na lista dos investigados e estimula sua tropa
(tanto no Congresso Nacional quanto nos movimentos sociais e na imprensa e na
internet) a enfraquecê-lo por conta disso. O mesmo pode ser dito acerca do
também peemedebista Renan Calheiros, presidente do Senado Federal. Juntos, eles
têm comandado o Congresso Nacional para enfraquecer Dilma Rousseff. Como o
único anteparo entre uma bandeada definitiva do PMDB para a oposição é Michel
Temer, Dilma Rousseff teve de aceitar entregar-lhe a coordenação política,
cargo que ele aceitou com a mesma condição que Joaquim Levy impôs para aceitar
comandar o Ministério da Fazenda: carta branca. Temer cometeu o mesmo erro:
confiou em Dilma Rousseff.
A favor de Joaquim Levy e de
Michel Temer, eles não tinham porque não acreditar em Dilma Rousseff. Sabiam da
situação precária do governo dela diante da Crise Dupla. Seria insanidade
sabotá-los em tal situação. E, no entanto, é o que vem ocorrendo. Com a economia
em frangalhos, a pior coisa que pode acontecer a Dilma Rousseff é o fracasso de
Joaquim Levy, sua última cartada para impedir que o Brasil seja considerado um
mau destino para capitais estrangeiros. Isso significaria um agravamento da
situação econômica que levaria seu governo a perder a derradeira oportunidade
de deixar um legado positivo. Seria, em outras palavras, fritar Joaquim Levy é
insanidade diante da Crise Dupla. O mesmo pode ser dito na esfera política: a
saída de Michel Temer significaria a perda de apoio do PMDB no Congresso
Nacional, última tábua de flutuação de um governo que caminha velozmente rumo à
pior avaliação popular da história recente. Em outras palavras, perder Michel
Temer significa perder a governabilidade para os sete oitavos restantes do
segundo governo de Dilma Rousseff: fritá-lo é insanidade ao governar. Assim,
como fritar Joaquim Levy é insanidade e fritar Michel Temer é insanidade,
chegamos à surreal fritura insana do governo de Dilma Rousseff. Ocorre que
governar com insanidade, decididamente, não é o que se espera de uma titular da
Presidência da República em momento algum, nem na economia, nem na política;
muito menos, quando o Brasil vive a Crise Dupla.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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