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Latindo para o lado errado




Por Pedro Nascimento Araújo

Poucos assuntos geraram tantas análises apaixonadas quanto o Decreto 8243/2014, mais conhecido por regulamentar os chamados “conselhos participativos”. Uma leitura atenta do texto, em que pese a preferência pelo termo castelhano “presidenta”, faz-se necessária. Para além de termos controversos (mesmo porque, a essa altura, virtualmente todo brasileiro leitor de jornais já aprendeu que “conselhos” é o equivalente em português a “sovietes” em russo) como a própria constitucionalidade da medida, há a utilidade prática desejada pelo ato em tela. Especificamente, o Decreto 8243/2014 não é uma tentativa de sovietização (ou cubanização, bolivarianização etc.) do Brasil; na verdade, o Decreto 8243/2014 é um fabuloso Plano B do PT para retomar o poder caso a oposição vença o pleito deste ano, conforme explicaremos nos próximos parágrafos.

À primeira vista, o Decreto 8243/2014 é realmente um instrumento sovietizante, que busca submeter o Poder Legislativo aos chamados “conselhos populares” da chamada “sociedade civil”, definida ipsis literis como “o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. É errado não pensar em sovietização, mas é errado pensar apenas em sovietização. De fato, caso não seja derrubado pelo Poder Legislativo (leia-se Congresso Nacional) ou pelo Poder Judiciário (leia-se Supremo Tribunal Federal), o Decreto 8243/2014 poderá colocar os Três Poderes sujeitos ao controle dos sovietes (ou conselhos, para quem prefere traduzir para o português) – porém, aqui, o verbo faz toda a diferença: o Decreto 8243/2014 poderá colocar os sovietes acima dos Três Poderes, mas não necessariamente o fará. E por questões bem mais simples e terrenas que as aventadas até agora, que podemos resumir no seguinte aforismo: em política, ninguém age para reduzir seu poder. Sendo isso verdade (e como é!), a promoção voluntária do próprio enfraquecimento não é um comportamento esperado da parte dos atuais ocupantes dos Três Poderes; todavia, é um comportamento perfeitamente esperado da parte de quem pretende enfraquecer os atuais ocupantes dos Três Poderes. Entender o Decreto 8243/2014 sem entender esse ponto é um cometer um grande erro: é não perceber que o objetivo do PT com o Decreto 8243/2014 é preparar uma cama-de-gato para o caso de perder as eleições de 2014.

A lógica é irritantemente simples: o Decreto 8243/2014 somente será colocado em prática caso o PT perca a Presidência da República neste ano. Do contrário, não surtirá efeitos. A própria redação do Decreto 8243/2014 é deliberadamente vaga, não falando em exigências, mas em “considerar objetivos e diretrizes” da Política Nacional de Participação Social. Saindo da linguagem política, isso significa que um poder discricionário: o Poder Executivo tanto pode resolver “considerar” quanto não “considerar”. Se o PT vencer em 2014, não vai “considerar”; se o PT perder em 2014, vai “considerar”. O PT não pretende abrir mão de poder em favor dos chamados “movimentos sociais”, como, de resto, nenhum partido no poder pretenderia. Aliás, imaginar que a relação entre o PT e os ditos “movimentos sociais” é boa por conta de uma origem comum é como negar que muçulmanos xiitas e muçulmanos sunitas fazem guerras sectárias no Oriente Médio há séculos porque, afinal, são todos muçulmanos. Os “movimentos sociais”, na verdade, têm sido um belo calo no sapato do PT nesses 12 anos de poder, e olhe que o partido designou Gilberto Carvalho, seu quadro mais preparado para lidar com eles – e deu-lhe poder (um ministério) e dinheiro (patrocínios de estatais) para tanto. Não adiantou muito. Sentindo o cheiro de sangue na água causado pela queda na popularidade de Dilma Rousseff, os “movimentos sociais” e partiram para um Plano B: morder a mão de quem os alimentou, causando muitos desgastes para o PT nos últimos meses. Normal que ajam assim: eles estão tentando garantir suas próprias sobrevivências e, como animais acuados, eriçam os pelos para parecer maiores e mais ameaçadores. Com isso, buscam obter um cacife maior para negociar uma paz financiada com a oposição caso o PT perca o poder. Faz parte – o estranho seria se agissem para reduzir seus poderes. O que talvez nem eles tenham percebido ainda é que o Decreto 8243/2014 é o Plano B do PT para o caso de derrota em outubro. Um Plano B perfeito, diga-se.

A beleza do Decreto 8243/2014, o Plano B do PT, reside em sua simplicidade: se o PT ganhar, o Decreto 8243/2014 será letra morta; se o PT perder, os “movimentos sociais” ganharão assentos em todas as instâncias da Administração Pública, inclusive a indireta. Não, eles não vão controlar a Administração Pública: isso seria sovietização, o que tiraria poder do próprio PT e, portanto, é tão indesejável quanto ilógico. Eles vão “apenas” inviabilizá-la, paralisá-la, torná-la um atoleiro para o governo – obviamente, o governo da oposição. Sabotagem pura e simples. Uma armadilha perfeitamente urdida: se o PT perder em 2014, quem governar de 2015 a 2018 não terá condições de fazer um bom governo e, com isso, o PT retornará em 2019. Uma vez no poder, eliminará facilmente o Decreto 8243/2014, pois terá apoio da própria oposição, e poderá governar sem entraves, iniciando mais um ciclo de poder. Genial em uma acepção maquiavélica do termo, o Decreto 8243/2014 é o Plano B perfeito do PT. Enquanto discute-se uma sovietização que o PT não quer, o verdadeiro propósito do PT com o Decreto 8243/2014 (qual seja, ser o Plano B perfeito para o PT retomar o poder caso perca as eleições de 2014) segue incólume. Que os cães ladram e a caravana passa já ficou bem claro durante 12 anos de governo do PT. A diferença é que, no caso do Decreto 8243/2014, os cães estão latindo para o lado errado enquanto a caravana do Plano B do PT vai passando sem ser ao menos incomodada pelo barulho.

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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