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Neutralidade oficial. Por Pedro Nascimento Araujo


Neutralidade oficial

O Brasil já deixou claro para o mundo que apoia a solução de dois países para a aparentemente interminável discordância entre israelenses e palestinos. Na verdade, o país é um dos poucos que podem dizer que sempre agiram assim. Com Oswaldo Aranha à frente, a Resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas indicava, ainda em 1947, que o Brasil seguiria no apoio a tal solução. E assim foi, com oscilações, mas sem afetar a essência. Um bom exemplo: em 1973, após o Choque do Petróleo, o Brasil deliberadamente se afastou publicamente de Israel para se aproximar dos países produtores de petróleo – mas, nos bastidores, manteve a mesma ótima ligação histórica que sempre teve com os israelenses. Com o fornecimento de petróleo e o acesso a novos mercados garantidos, aos poucos a relação bilateral foi saindo da berlinda. Essa sempre foi a tônica das relações entre Israel e Brasil. Que ela tenha começado a desandar durante os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff é lamentável. Espera-se que tal afastamento não seja mais do que uma nota de rodapé num futuro próximo e que o ambos os países retornem à normalidade, transformando em poeira casos como o do anúncio unilateral de Dani Dayan para embaixador no Brasil, um ato tornado inviável por conta da truculência e da arrogância de Tel Aviv, que tornou pública a indicação. Já passou da hora de o Brasil retomar a neutralidade oficial nas suas relações com Israel e de Israel retomar a saudável prática diplomática de conduzir as negociações longe dos holofotes para garantir que a neutralidade oficial volte a prevalecer.

A cooperação e a amizade entre brasileiros e israelenses é maior do que fazem supor as relações diplomáticas baseadas na neutralidade oficial brasileira diante do conflito árabe-israelense. Naturalmente, quando se pensa em Israel, o que se vem à mente é um pequeno país em termos territoriais – e um país enorme em termos tecnológicos. O pequeno Estado de Israel é um dos maiores produtores mundiais de conhecimento, notadamente em tecnologia avançada nas áreas de software e segurança. Nasceram em Israel os hoje extremamente populares softwares de trocas instantâneas de mensagens, cujas origens remontam ao israelense ICQ, assim como é israelense o software de compartilhamento e processamento de geolocalização Waze, para ficar apenas em emblemáticos usos civis. Todavia, é na área de hardware e, principalmente, softwares de segurança que a tecnologia israelense se destaca, como bem aprenderam os iranianos após a infiltração do Stuxnet (desenvolvido em conjunto com americanos) em suas centrífugas de enriquecimento de urânio (fornecidas pela Siemens alemã) terem destruído ao menos um terço delas em 2010. Além disso, o país roubou documentos e materiais para construir seu programa clandestino de armas nucleares, em ações literalmente cinematográficas: Arnon Milchan, produtor de Hollywood que tem no currículo 12 Anos de Escravidão, Clube da Luta e Pretty Woman, entre outros sucessos, admitiu em um documentário de 2015 ter sido espião israelense nos anos 1960 para roubar tecnologia nuclear nos Estados Unidos. Muitas vezes, as ações israelenses mais parecem roteiro de filme de ação: na década de 1960, o Mossad (serviço secreto de Israel) criou uma rede de empresas fantasmas alemãs e italianas para comprar yellowcake (óxido de urânio) como combustível para uma usina nuclear que nunca existiu. A operação se deu no porto de Antuérpia e incluiu repintar o navio de bandeira italiana que recebeu o yellowcake para fazê-lo se passar por um navio liberiano – e o resto é história: quando as autoridades teuto-italianas se deram conta de que o navio italiano desaparecera, descobriram que as empresas que seriam responsáveis simplesmente não existiam, enquanto o falso navio liberiano descarregava tranquilamente os tambores de yellowcake identificados como sendo inofensivo plumbato (um derivado do chumbo) em Tel Aviv, em uma história tornada pública em 1978 por Elaine Davenport em seu livro The Plumbat Affair. Não é apenas figura de linguagem dizer que o programa nuclear israelense, cujo maior símbolo é o reator de Dimona, é subterrâneo: as instalações são todas em bunkers – e o reator em Dimona, que realmente gera energia para uso pacífico, nada mais é do que uma fachada altamente funcional. É bem verdade que Israel não possui um histórico de responsabilidade absoluta, como bem atesta a cooperação com o regime segregacionista sul-africano: graças à cooperação israelense, a África do Sul conseguiu construir uma bomba atômica – e, depois, seria o primeiro (e, até agora, único) país capaz d ter um arsenal termonuclear a desistir voluntariamente de fazê-lo. Não há informações de que os israelenses tenham colaborado com os programas nucleares clandestinos do Cone Sul (Argentina, Brasil e Chile) nos anos 1960 a 1980, mas Israel é um dos maiores fornecedores de tecnologia de segurança para o Brasil, mais na área policial do que na área militar, o que denota a confiança. Não é raro que forças policiais brasileiras, notadamente de elite, recebam treinamento e cooperem com militares israelenses. É essa cooperação que ora sofre com a falta de um diplomata israelense no Brasil.

A posição histórica do governo brasileiro em relação ao conflito árabe-israelense sempre foi de neutralidade, em defesa da solução de dois estados. Isso implica reconhecer duas coisas: que os palestinos têm direito a ter o seu estado e que os israelenses têm direito a viver em segurança. Não há solução que não envolva esses dois preceitos. Historicamente, não se pode acusar Israel de ter tentado impedir que os palestinos tivessem seu estado, mas a recíproca não é verdadeira: tão logo Israel declarou independência, uma coalizão de países árabes atacou a nascente nação. Foram devidamente surrados, mas não aprenderam a lição, voltando a tentar “varrer Israel do mapa” (expressão que ainda hoje consta da lista de objetivos de organizações terroristas como Hamas e Hezbollah) em coalizão por mais duas vezes, em 1967 (Guerra dos Seis Dias) e em 1973 (Guerra do Yom Kippour, um ataque sorrateiro em um feriado religioso). Perderam todas as vezes. E, vale lembrar, Israel já possuía armamentos não convencionais (armas químicos e nucleares) em ambos os casos, mas não as utilizou – ao contrário do Iraque de Saddam Hussein, que lançou seus velhos e desaprumados mísseis russos Scud com armas químicas em Israel na Guerra do Golfo. O Brasil sempre se pautou por reconhecer os direitos de ambos os contendores e por defender moderação. Isso começou a mudar em uma visita desastrosa (para dizer o mínimo) feita por Lula da Silva à região em 2010. Eram tempos de delusions of grandeur por parte do agora encalacrado com a justiça ex-presidente. Lula da Silva se recusou a depositar flores no túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo e inspirador do retorno ao Haaretz Israel, mas depositou de bom grado flores no túmulo de Yasser Arafat, fundador da Organização para a Libertação da Palestina e do Setembro Negro, braço terrorista do grupo responsável por barbaridades como o atentado nas Olimpíadas de Munique em 1972. Era o fim da neutralidade oficial. Com esse singelo gesto, Lula da Silva resolveu ombrear o Brasil com os palestinos e escantear os israelenses. Foi uma mudança expressiva na política externa brasileira. As motivações são incertas: há analistas que apontam que o idealismo de parte do Partido dos Trabalhadores conseguiu, no ocaso do segundo mandato de Lula da Silva, impor sua agenda; outros, em uma ação de política interna, com Lula da Silva cortejando setores mais à esquerda em busca de aceitação ideológica para Dilma Rousseff. Independentemente disso, não se discute que a aproximação de Lula da Silva com o então presidente iraniano Ahmadinejah (que sempre declarava ter como objetivo o surrado lema antissionista de “varrer Israel do mapa” e que questionava a existência do Holocausto), que teve como resultado a natimorta Declaração de Teerã sobre o programa nuclear clandestino iraniano (um fiasco que contou também com a participação da Turquia, com Recep Tayyip Erdoğan brigando por reconhecimento internacional com Lula da Silva), no mesmo 2010 em que o Brasil reconheceria a existência da Palestina como estado com base nas fronteiras de 1967. A escolha da data não é por acaso, pois marca o momento anterior à Guerra dos Seis Dias, a segunda vez em que uma coalizão árabe tentou “varrer Israel do mapa” (e, para variar, falhou): após a vitória em tempo recorde, sozinho e por meio apenas de armamentos convencionais, Israel ocupou Jerusalém e outros territórios tanto para ter um cordon sannitaire como para dissuadir novos ataques – algo que não funcionou tão a contento, pois em 1973 nova tentativa seria feita (e frustrada) na Guerra do Yom Kippur. Depois de um ano como esse desastrado 2010 para as relações bilaterais, as coisas só pioraram, como no episódio no qual um funcionário de terceiro escalão da chancelaria se referiu ao Brasil como um “anão diplomático” – uma grosseria inaceitável – e em outros nos quais Brasília abertamente se posicionou contra Tel-Aviv. Culminou com o anúncio público de Dani Dayan, renomado líder de colonos judaicos na Cisjordânia, para ser embaixador no Brasil, que gerou um silêncio diplomático tão longo que não há como negar que o agrément não lhe será concedido. Israel não poderia fazer o anúncio publicamente, mas disso Bibi Netanyahu sabe. A impressão que fica é de uma picuinha entre amigos adolescentes que vem crescendo desde que o PT assumiu o Palácio do Planalto, retroalimentada por reações ininteligíveis por parte de Israel. Se os dois lados não revirem suas posições logo, com o Brasil voltando à sua posição histórica de equilíbrio e de defesa dos direitos de ambos os lados, periga o desgaste transformar uma amizade quase septuagenária em uma inimizade que não acrescenta coisa alguma ao Brasil e a Israel – e, menos ainda, à causa palestina, que o Brasil erroneamente pensa estar defendendo ao atacar Israel. Já passou da hora de as chancelarias do Brasil e de Israel crescerem e tratarem as relações bilaterais com o cuidado, o respeito e a importância devidos. Já passou a hora de a neutralidade oficial voltar a ser o norte.


Pedro Nascimento Araujo é economista.

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