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Novo ciclo no Cone Sul. Por Pedro Nascimento Araujo


Novo ciclo no Cone Sul

A América do Sul é uma região muito mais homogênea do que aparenta. À primeira vista, poderia ser dividida entre América Espanhola e América Portuguesa, mas como aquela virou vários países e esta apenas um (ou dois, se levarmos em conta que o Uruguay ficou independente de Portugal com o Brasil em 1822 e depois ficou independente do Brasil em 1828), a conta não seria justa. A semelhança não é tão direta. Em que pesem diferenças de idioma e de cultura herdados da Península Ibérica, sem contar a formação monárquica brasileira em contraposição ao republicanismo de primeira hora dos demais, o fato é que as semelhanças grassam: o subcontinente se tornou independente quase na mesma época, os países vivenciaram ditaduras (positivistas, sindicalistas, militares, populistas etc.) quase na mesma época, sofreram crises econômicas conjuntas e, de algum modo, parecem caminhar juntos. Foi assim nos anos 2000, quando governos populistas de esquerda comandaram a América do Sul. E tudo indica parecer que será assim na década corrente e na próxima, quando os mesmos governos populistas de esquerda estão paulatinamente sumindo da região, para dar lugar a governos austeros de centro-direita. O caso emblemático foi dado pela ascensão de Mauricio Macri na Argentina, mas há outros exemplos: Nicolás Maduro e Dilma Rousseff, os respectivos arremedos sem um grama de carisma de Hugo Chávez e de Lula da Silva agonizam em praça pública, estão correndo riscos nada desprezíveis de não terminarem os mandatos – ele, por um provável recall eleitoral e ela por cassação de mandato. E, agora, Evo Morales perdeu no voto popular a chance de perpetuar-se no poder.

Evo Morales é um presidente bastante popular. Em seu governo, a economia da Bolívia, tradicionalmente um dos países mais atrasados da América do Sul, cresceu bastante: uma média de 5% na última dezena de anos – quando se pensa que o Brasil encolheu 4% no ano passado, tem-se claramente uma razão para a diferença de popularidade entre Morales e Rousseff. Todavia, a popularidade de Morales não foi suficiente para que ele ganhasse no voto o direito de emendar a constituição boliviana e disputar um quarto mandato. Eis o paradoxo da democracia: os bolivianos aprovam o governo de Evo Morales, mas preferem que haja alternância de poder. Se Morales tivesse realizado o referendo do quarto mandato há apenas um ano, entretanto, muito possivelmente o resultado seria outro. A mudança na América do Sul começou quando o chamado Superciclo das Commodities começou a se esvair, no começo desta década. As quedas foram pesadíssimas – mais de 50% em muitos casos. Antes, com as commodities em alta basicamente por conta da demanda chinesa, os países da região acumularam reservas internacionais (no caso boliviano, Morales saiu de menos de um bilhão de dólares para mais de 15 bilhões em apenas uma década) e viram suas moedas se valorizarem perante o dólar; na prática, isso tornou suas populações comparativamente mais ricas do que antes. Em suma, tudo parecia dar certo. Com dinheiro no bolso, o populismo de esquerda foi a escolha do continente. E tudo corria bem para todos, naquele típico movimento sul-americano que todos fazem ao mesmo tempo e sem combinar. E, então, tudo mudou.

2014 foi o ano do último suspiro da recente onda de populismo de esquerda na América do Sul. Inebriados com o dinheiro do Superciclo das Commodities, presidentes da região se lançaram em toda espécie de demagogias. Esnobaram uma proposta de Washington para criar uma área de livre comércio que uniria do Alaska à Patagônia: em 2005, na Cúpula das Américas em Mar del Plata (Argentina), Hugo Chávez pegou os microfones para fazer uma rima grosseira em espanhol envolvendo a ALCA sob olhares cúmplices de nomes como Lula da Silva, Néstor Kirchner e Evo Morales. A arrogância dos sul-americanos não tinha limites. Lula da Silva só percebeu que suas gafes não eram levadas a sério internacionalmente quando protagonizou o vexame diplomático da Declaração de Teerã (2010). Ainda assim, foi prepotente o suficiente para fazer troça com a eleição de Dilma Rousseff, um “poste” que ele conseguiu eleger. Não foi diferente nos demais países. Maduro foi o “poste” de Chávez e, em última análise, Cristina Kirchner também era um “poste” de Néstor Kirchner. Em 2014, tudo havia mudado. Maduro só foi eleito com uso intensivo de máquina e Dilma Rousseff foi reeleita no photochart com uma campanha tida como exemplo de baixaria e de mentiras – e ambos enfrentam recessões e rejeições recordes. Cristina Kirchner não conseguiu eleger seu sucessor. Evo Morales acaba de perder um plebiscito sobre ele continuar no poder ou não. Rafael Correa, que conseguiu reeleições livres no Equador, anuncia publicamente que não concorrerá para não antecipar a campanha contra si. A mudança não vai parar tão cedo. Se 2015 terminou com a débacle efetiva do populismo de esquerda na Argentina (fim do kirchnerismo) e na Venezuela (oposição com maioria qualificada para aprovar recall no parlamento), 2016 começou na mesma toada. Dilma Rousseff é o pato mais manco que o Brasil conheceu desde que Collor de Mello caiu em desgraça e nem mesmo os bons números da economia levaram o povo da Bolívia a aceitar a possibilidade de mais uma eleição com Evo Morales. Não resta dúvidas de que um novo ciclo começou a se estabelecer no Cone Sul. Felizmente, desta vez não é autoritário: o continente já tem caudilhos – positivistas, sindicalistas, militares, populistas etc. – demais, tanto de esquerda quanto de direita, em sua conturbada história. Desde que seja democrático, todo novo ciclo é bem-vindo na América do Sul.


Pedro Nascimento Araujo é economista.

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