Trump
Começou com um certo ar de
fanfarronice, de algo que parecia mais uma investida publicitária do que uma
ação séria. Progressivamente, viu-se que não era bem isso. O senhor dos combovers (técnica
de penteado que permite ocultar carecas sem recorrer a implantes ou perucas)
estava falando sério: Donald Trump era realmente candidato do Partido Republicano
à presidência dos Estados Unidos da América. Passado o susto, as pessoas
começaram a considerar a hipótese de uma vitória dele em novembro deste ano. E, grosso
modo, ninguém gostou do que viu. As reportagens no Brasil e no mundo são um
uníssono de reprovação, com destaque para a capa da The Economist, com o
milionário caracterizado como Tio Sam e apenas uma pergunta: “Sério?”
(“Really?”), ou a impagável capa da Mad, que trazia ele e o icônico Alfred E.
Newmann, com uma troça com o slogan do topetudo: “Fazendo os EUA idiotas de
novo!” Sempre fica a impressão de que Donald Trump não é sérios. Que não passa
de um idiota que não sabe o que faz. Que é um ultraconservador que vocifera
contra tudo e contra todos a esmo. Enfim, que é uma piada. Talvez seja hora de
repensar isso. Donald Trump pode ser muitas coisas, mas idiota ele
decididamente não é.
Primeiramente, não é factível que
um idiota tenha construído o império que Donald Trump construiu no setor no
qual ele é mestre: incorporação de imóveis. Não há amadores em um negócio como
esse. Donald Trump fez fortuna comprando propriedades urbanas na baixa,
construindo ou reformando, e revendendo na alta. Isso demanda tino comercial
apuradíssimo. Parece brincadeira, mas a maioria das pessoas compra na alta e
vende na baixa. Se algo (imóvel, ação, moeda etc.) está se valorizando há um
tempo, então as pessoas passam a comprar aquele algo na esperança de que a
valorização vá continuar. Em bom português, as pessoas em geral compram na
alta. E não alcançam a alta que esperavam, basicamente, porque quem está
vendendo na alta é quem comprou na baixa: quem está lucrando. Achando pouco, em
geral, quando o preço começa a cair, as pessoas vendem por temer que o preço
possa cair ainda mais. Ou seja, as pessoas vendem na baixa. E vendem exatamente
para aquelas pessoas que se aproveitam da baixa para comprar quando todos os
incautos vendem – e lucram vendendo na alta, quando todos os incautos compram.
Em termos de negócios, Trump, portanto, não é um tolo: sabe exatamente o que fazer
para ganhar dinheiro e sempre teve nervos de aço para não se desviar de seus
objetivos. Idem para sua carreira pública, como celebridade social transformada
em ás do entretenimento televisivo. Mundialmente famoso por seu show “O
Aprendiz”, Trump fica muito à vontade diante das câmeras, uma característica
que lhe rende vantagens palpáveis nos debates televisionados contra os anódinos
pleiteantes ao papel de candidato presidencial do Partido Republicano. Mas não
basta estar à vontade. Tiririca também domina as técnicas televisivas e nem por
isso se cogita a hipótese de o palhaço um dia subir a rampa do Palácio do
Planalto para ser empossado. Há um fator que diferencia Trump: tudo o que ele
faz – e que gera manchetes ao redor do mundo – é deliberado. O candidato Donald
Trump é a melhor personagem que o homem Donald Trump jamais criou.
É uma coisa recorrente no sistema
eleitoral presidencial americano. Um admirador dos Estados Unidos diria que o
país é tão democrático que até para ser candidato há eleições, enquanto um
detrator diria que os americanos conseguem complicar até a escolha de um mero
candidato presidencial. Independentemente disso, o fato é que o sistema de
eleições primárias segue um roteiro pré-definido: no começo, todos os
candidatos que estão enfrentando adversários competitivos buscam se diferenciar
dos demais. Não há maneira melhor de fazer isso do que se apresentado mais para
um polo do que para o centro. Normal. Com isso, garante os votos da minoria
extremista, enquanto os demais se digladiam pelo voto da maioria centrista.
Pragmaticamente falando, adotar um discurso extremista no momento das primárias
é uma estratégia vencedora. Donald Trump entende de adotar estratégias
vencedoras: fez isso a vida toda. Portanto, quando ele propõe coisas que sabe
não serem factíveis, dos muros contra mexicanos à ideia de produzir iPhones nos
EUA, não o faz por acaso. Trump fala essas coisas para atrair eleitores que se
identificam com elas – idiotas para quem não gosta deles, autênticos para quem
gosta. Porém, no processo eleitoral americano, findas as prévias vêm as
eleições gerais em si. E nesse momento, a estratégia vencedora muda. Se, antes,
ficar nos polos era vantajoso contra muitos adversários, quando há apenas dois
isso passa a ser derrota na certa: quem escolhe um dos polos deixa o outro polo
e todo o centro para o adversário. Derrota garantida. Por isso, a campanha
eleitoral americana é, em última análise, uma disputa entre propostas
virtualmente iguais que acaba sendo definida pela empatia maior do público com
um dos contendores. Todos buscam o centro. Não há porque ser diferente com
Donald Trump.
Trump sendo um candidato de
centro tira toda a porção assustadora da brincadeira. Na verdade, há uma bela
pegadinha nisso: na verdade, Trump pode se provar bem menos chegado aos polos
do que seus concorrentes à indicação republicana. O fato é que nada se conhece
sobre as práticas políticas de Donald Trump. E isso por uma razão simples:
Donald Trump não tem passado como político. Assim, toma-se pelo valor de face o
que ele diz, uma vez que não há histórico sobre o que ele faz. No mínimo,
arriscado; no mais provável, amadorismo. Por isso, prejulgar Donald Trump é um
erro colossal. De fato, ele pode tanto se mostrar o que suas declarações
parecem indicar quanto se tornar um grande estadista. De novo: simplesmente não
há base de comparação. O que se sabe é inquestionável: Donald Trump caminha a
passos largos para se tornar o candidato republicano para a Casa Branca em
novembro deste ano. Sim, é um fato novo. Daí a ser um fato tão preocupante como
muitos analistas defendem há um longo caminho. Trump está no jogo. E, até aonde
se sabe, ele não é o tipo de pessoa que entra em campo para perder...
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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