Peritos da Polícia
Civil irão investigar o desabamento do imóvel conhecido como Galpão do Sal, no
bairro histórico da Passagem, em Cabo Frio. Segundo o delegado titular da 126ª
DP, Sérgio Caldas, o objetivo é averiguar se o desabamento ocorreu de forma natural,
devido à ação do tempo, ou se o galpão foi derrubado propositalmente por
intervenção humana.
- Estamos checando se os peritos da
Polícia Civil em Cabo Frio têm especialidade técnica para este tipo de perícia.
Caso contrário, iremos requisitar peritos do Departamento de Engenharia, na
capital. Estou expedindo um Auto de Interdição para quem ninguém mexa no local
até a apuração da causa da queda - informou Sérgio Caldas.
O coordenador da Defesa Civil Municipal, Márcio Soren, que esteve no local na
manhã desta quarta-feira (1º), descartou de imediato a possibilidade de
derrubada proposital. Para ele, os indícios demonstram que a estrutura não
tinha mais condições de permanecer em pé. Segundo ele, o segundo galpão irá
desabar a qualquer momento.
– Essa possibilidade (demolição
proposital) não existe pelo estado da estrutura que caiu. São dois galpões em
um ângulo de 90 graus. Um desabou e o outro está indo pelo mesmo caminho. Sem
condição nenhuma de se manter. É uma questão de sorte ainda estar em pé. E o paradão
que fica para o lado da rua está em risco iminente de queda, o que coloca a
vida dos pedestres em perigo – afirma Soren, lembrando que o imóvel já está
interditado pela Defesa Civil Municipal desde 2018, e que a interdição
permanece valendo.
– Vamos emitir uma ordem
imediata de recuperação ou demolição. O proprietário terá que nos fornecer um
laudo de engenharia para que possamos avaliar as providências possíveis para o
local – completa o coordenador da Defesa Civil de Cabo Frio.
O secretário de Desenvolvimento de
Cabo Frio, arquiteto Felipe Araújo, que era representante do proprietário do
imóvel antes de assumir cargo no primeiro escalão do governo municipal,
desabafou em um grupo de WhatsApp de Associação de Arquitetos e Engenheiros da
Região dos Lagos (Asaerla).
"Fico triste com
toda a especulação sobre essa história. Fui autor do projeto de demolição há 3
anos e o imbróglio se postergou por esse tempo todo. Ao entrar na prefeitura me
descompatibilizei com o processo e não posso duvidar da idoneidade do
proprietário, pois se fosse outro e orientado por outro profissional naquela
época, já saberíamos o que teria acontecido. É uma prova cabal de que a
burocracia custa caro, sorte não ter custado uma vida. Vale ressaltar que há
mais de dois anos há um laudo de engenharia com 60 folhas condenando a
estrutura", diz a mensagem a qual a Folha teve acesso.
Felipe Araújo falou com a reportagem
nesta quarta e disse lamentar que a situação tenha chegado a este ponto.
– Lamento muito que tenha
ocorrido tanta especulação, sem ninguém se preocupar em falar a verdade, a não
ser o proprietário. Não estou defendendo, mas ele teve boa fé desde o início.
Eu dei início a esse processo, nunca menti em relação a isso. Naquele momento
eu acreditava que era possível e necessário fazer a demolição. Buscamos o
caminho correto, prezando pela ética, diferente de tantos casos de demolições à
revelia, na calada da noite, que já vimos na cidade. Isso é mais comum do que
fazer o certo. Mas quando você vê pessoas se apropriando politicamente da
questão, criando uma história dentro da história, embaraçando tudo... criaram
um grande terrorismo e acovardaram as pessoas que tinham que tomar decisões.
Desse jeito o caminho certo perde força, fortalece o caminho errado. Me
solidarizo com o proprietário, com quem tive uma relação de amizade desde 2013
– declara Felipe Araújo.
O arquiteto e secretário de
Desenvolvimento afirma não acreditar na hipótese de uma derrubada proposital, e
garante que irá tomar as providências que forem necessárias com independência.
– Se eu não tivesse acesso a
todos os documentos que eu tenho daquela época que eu atuava, a primeira coisa
que eu iria pensar seria isso. Mas de posse de tudo o que eu tenho, seria
leviano da minha parte falar isso. Há dois anos a engenharia, que é técnica,
sinaliza que isso vai acontecer. Só não marcou data. Mas estava claro que ia
acontecer. O laudo já condenava. De qualquer forma, se foi uma ação pessoal ou
não (a demolição), não cabe a mim fazer esse juízo. Isso está na esfera policial,
que vai esclarecer. A Prefeitura só pode se pronunciar na esfera
administrativa. O que nos cabe, na Secretaria de Desenvolvimento, é pegar o
processo apenas após todos os trâmites, incluindo o parecer do Conselho de
Patrimônio, para aí então autorizar ou não a demolição – disse ainda.
A reportagem da Folha tentou
contato com o secretário municipal de Cultura, Milton Alencar, que tem assento
no Conselho de Patrimônio, mas ele não atendeu as ligações. A reportagem também
buscou pela diretora do Instituto Municipal do Patrimônio (Imupac), arquiteta
Carol Machado, mas o telefone estava desligado. A Folha pediu
ainda um posicionamento oficial da Prefeitura de Cabo Frio, via assessoria de
imprensa, e aguarda resposta.
Debate sobre relevância histórica
O destino dos galpões de sal esteve
em debate no ano passado. No dia 26 de fevereiro, a Câmara Municipal realizou
uma audiência pública sobre o assunto. Em mais de quatro horas, favoráveis e
contrários à demolição de partes do imóvel na Avenida Almirante Barroso defenderam
seus pontos de vista.
A edificação mais preservada do
conjunto, chamada de “Casa do Sal”, estava fora do pedido de demolição. A
polêmica gira em torno dos galpões, que, segundo aqueles que defendem a
preservação, teriam papel importante na história salineira da região, o que o
proprietário e seus representantes negam.
A autorização de demolição de partes
do imóvel foi pedida em um processo aberto em junho de 2018 pelo proprietário,
Luiz Fernando Xavier da Silveira.
O imóvel foi adquirido em 2016 da
empresa Nora Lage S.A., com área total de 7.231,27 m². No local existem oito
edificações, com área total construída de 2.387,99 m². A solicitação do
proprietário é para que sejam autorizadas demolições em cinco edificações, o
que significaria uma supressão de 1.146,69 m² de área construída, que passaria
a ficar com 1.241,30 m².
O processo que pede a demolição
precisa de um parecer do Conselho Municipal de Patrimônio indicando a
autorização ou a negativa. O parecer é consultivo, e a palavra final é da Prefeitura,
que pode seguir ou não o parecer. Desde que foi proposto, o processo tem sido
alvo de denúncias, e até mesmo uma votação realizada em março de 2017, que
aprovou a demolição, acabou sendo invalidada sob acusações de irregularidades.
Entre os argumentos apresentados
para pedir a demolição, o arquiteto Manoel Vieira, representante do
proprietário, citou um processo de 2011, quando o imóvel ainda pertencia à Nora
Lage S.A., que segundo Manoel autorizava a construção de um hotel. A arquiteta
Cristina Ventura, que participou do parecer na época, deu outra versão: disse
que o processo fazia uma consulta em relação a qualquer intervenção no entorno
da “Casa do Sal”, e que nenhuma demolição específica foi autorizada naquele
processo.
Na audiência pública, Manoel Vieira
apresentou slides e defendeu que os imóveis para os quais se busca a demolição
não teriam valor histórico que justifiquem a preservação.
– O documento que origina essa
discussão é um parecer do Conselho de Patrimônio que avalia o valor cultural
desse imóvel a partir de uma foto do Wolney (Teixeira) de 1936, em que a gente
observa três galpões. Só que esses galpões foram demolidos na década de 1960.
então na verdade não tem o que preservar. O que existe é um telheiro com
aberturas laterais e uma miscelânea de construções que foram feitas ao longo do
tempo, como oficinas, canil, etc. São construções modernas, ou seja, os imóveis
que teriam essa importância histórica não existem mais, e isso esgota a
possibilidade de um tombamento com os rigores que um tombamento tem que ter –
disse Vieira.
O professor de história João
Henrique de Oliveira Christóvão se manifestou pela defesa da preservação. Para
ele, não importa se o galpão serviu ou não à indústria salineira de alguma
forma, mas sim o fato do imóvel pertencer a um conjunto histórico onde se situa
o primeiro núcleo portuário e de ocupação da cidade. Na visão de Christóvão, a
importância histórica do local não pode ser questionada.
– A área em si tem uma importância
histórica e social para a formação da cidade que é extremamente relevante. O
que se discute aqui não é apenas o galpão em si, mas todo o entorno e o
significado daquilo. O galpão também, mas a gente só pode saber exatamente o
papel que ele desempenhou a partir do momento em se tem acesso a ele com
pesquisas amplas com arquitetos, historiadores, arqueólogos, para definir e
identificar. Agora, independentemente disso, o que está sendo discutido não é
apenas o patrimônio material, mas sim o patrimônio imaterial. A cidade nasce
naquele ponto e se desenvolve a partir dali. O cais tem uma importância com
relação ao sal, à pesca e a toda uma gama de trabalhadores que construíram a
cidade. Isso está documentado em diferentes fontes iconográficas, de imprensa,
da literatura e da documentação oficial da cidade – defendeu João Christóvão.
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