Por
Pedro Nascimento Araujo
Dia 09-Nov-2014 é uma data
especial: o mundo comemora o primeiro jubileu da queda do Muro de Berlim.
Poucos eventos únicos foram tão simbólicos quanto esse na história da
humanidade. Sem exagero, pode-se comparar a queda do muro de Berlim a momentos
como a queda de Constantinopla (1453), a Reconquista (1492), a Paz de
Vestefália (1684), o Congresso de Viena (1815) ou a Unificação Alemã (1871).
Tirando os grandes conflitos armados em si, cujos impactos foram presentes nas
vidas das pessoas por muitos anos, os eventos listados acima têm em comum o
fato de terem sido definidores. A partir de cada um deles, a história foi
outra. Senão, vejamos. A Idade Média acabou formalmente em 1453, exatamente
quando os turcos tomaram Constantinopla e dissolveram o Império Romano do
Oriente, dando início a um processo que culminaria com o surgimento dos
hodiernamente onipresentes estados-nações. Em 1942, os Reis Católicos
expulsaram os mouros de Granada, em um episódio que seria conhecido como
Reconquista, expulsando o Islamismo da Península Ibérica e criando a base para
a expansão do Cristianismo nos porões das Grandes Navegações. A Paz de
Vestefália (1648), surgida após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1638), criou o
conceito de soberania, permitindo que os países passassem a se ver como iguais
nas relações internacionais (par in parem non habet imperium),
independentemente de seus tamanhos e forças, base para a proibição atual de um
país interferir em assuntos internos de outro. O Congresso de Viena (1815),
feito na esteira das Guerras Napoleônicas, criou o conceito de consultas entre
os países para agir no sistema internacional, base para o conceito liberal de
Organizações Internacionais, das quais a mais famosa é a Organização das Nações
Unidas (1945). A ata de criação do Império Alemão (1871) no Salão dos Espelhos
de Versailles foi um evento tão importante que o novo país esteve na gênese do
maior conflito armado de todos os tempos, a Guerra Mundial (1914-1945, com
armistício entre 1918 e 1939). Ocorrido em 1989, a derrubada do Muro de Berlim
foi um desses eventos definidores: a partir dele, o mundo nunca mais foi o
mesmo.
Na verdade, a queda do Muro de
Berlim foi o ápice de um processo de apodrecimento do Império Soviético que
vinha ocorrendo há muito. Mais especificamente, a própria construção do Muro de
Berlim em 1961 foi prova disso; ao construí-lo, Nikita Kruschev declarou que
estava criando uma prisão para os habitantes da parte comunista da Alemanha.
Aliás, o chamado Muro da Vergonha fazia parte de um plano mais ambicioso de Stalin:
incorporar ao Império Soviético todos os territórios aonde as botas dos seus
soldados pisaram. Quase funcionou. Em 1948, quando o Ocidente já havia retirado
a maioria de suas tropas da Alemanha ocupada, Stalin deu sua cartada final e
bloqueou os acessos terrestres a Berlim Ocidental – na partilha da Alemanha, a
cidade ficou na parte controlada pelos soviéticos. Seria a senha para a
ocupação de Berlim e a efetiva incorporação da maior parte da Alemanha e dos
demais países ao Império Soviético. A chamada “Ponte Aérea” impediu isso: os
americanos, com apoio britânico, decidiram enviar por aeronaves para Berlim
Ocidental 24 horas por dia tudo o que a cidade precisaria para viver – tudo
mesmo, inclusive água, carvão etc. Stalin não acreditava que isso seria
possível; depois, que seria sustentável; por fim, que seria uma boa ideia
continuar sendo humilhado e, em 1949, retirou o bloqueio terrestre a Alemanha
foi formalmente dividida e cada metade passou a controlar uma metade de Berlim,
com os soviéticos recusando recursos do Plano Marshall para reconstruir os
lugares que ocupavam, incluindo a Alemanha. Com a divisão, a Alemanha passou a
ter uma fronteira interna separando suas duas metades.
O Muro de Berlim, portanto, nada
mais foi do que a versão citadina de um muro muito maior que dividia todo o
país. Foi a mais perfeita tradução da prisão que era o comunismo – corrigindo,
era, não; ainda é, como se vê em Cuba e na Coreia do Norte, lugares de onde as
pessoas não podem sair sem autorização dos ditadores de plantão, e na China,
aonde há passaportes internos para circulação dentro do país, algo comum na
África do Sul do Apartheid. Para quem teve a chance de conhecer o Muro de
Berlim, uma coisa saltava à vista: do lado capitalista, era apenas um muro,
pichado com grafites icônicos como um beijo entre Leonid Brejnev (União
Soviética) e Erich Honeker (Alemanha Oriental). Do lado ocidental, era uma
prisão, com direito a terra de ninguém (apelidada “Faixa da Morte”, separava as
duas seções que o muro possuía no lado oriental com o intuito de expor a tiros
qualquer pessoa que tentasse fugir do autointitulado “Paraíso dos
trabalhadores”), postos de observação, barricadas, torres para snipers etc.
Os soviéticos nunca esconderam que o objetivo do muro era impedir a chamada
“fuga de cérebros” da Alemanha Oriental para a Alemanha Ocidental por uma
simples viagem a Berlim Oriental, de onde bastava passar para Berlim Ocidental
e de lá, por via aérea, para a Alemanha Ocidental. Ao construir um muro de
prisão para isolar seus cidadãos em Berlim Oriental, os soviéticos admitiram em
1961 que seu sistema simplesmente não funcionava se não houvesse armas
apontadas para seus cidadãos. A falência moral precedeu e muito a falência
política. Quando o Muro de Berlim foi ao chão, o comunismo já estava acabado –
assim como os eventos citados no início desse texto (queda de Constantinopla,
Reconquista, Paz de Vestefália, Congresso de Viena e Unificação Alemã), a queda
do Muro de Berlim foi o símbolo que oficializou o que já existia de facto:
o fracasso do comunismo. Há 25 anos, o mundo ficou livre do mais mortal,
injusto e cruel sistema político jamais inventado. Que nós nunca tomemos a
liberdade como um bem absoluto e intocável: há 25 anos, derrubamos um muro que
foi criado para impedir que as pessoas vivessem livremente. Que nós nunca mais
permitamos que a construção de outro Muro de Berlim seja sequer cogitada.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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