Por
Pedro Nascimento Araujo
Há costumes não escritos em todas
as organizações humanas. Um dos que mais vencem barreiras culturais é o
comportamento do líder. Ao líder não são permitidas certas liberalidades e são
exigidas certas posturas. Na época em que o florentino Maquiavel escreveu “O
Príncipe” (1513), o poder absoluto era a regra e um líder deveria agir sempre
em benefício próprio; no Século XXI, quando a maioria da população mundial vive
em democracias, as práticas mudaram – ainda assim, de um líder sempre será
exigido que se comporte como tal. Ao se recusar a discursar no Dia do Trabalho
de 2015, Dilma Rousseff não agiu como um líder, mas como uma criança mimada que
leva sua bola embora se não for escolhida para jogar. Em termos de marketing
político de curto prazo, é uma escolha que faz sentido; em termos de biografia,
é uma escolha que pespega à sua biografia uma injusta pecha de covarde – logo
ela, uma mulher que pegou em armas contra os gorilas do Regime Militar. Em
momentos como esse, o apodo Coração Valente que ela utilizou na última campanha
presidencial parece uma piada de mau gosto.
Aos líderes não é facultado
fugir. Essa lição aparece em qualquer manual de liderança, de Sun Tzu a
Maquiavel. Francesco Schettino não virou um pária por ter conduzido o Costa
Concordia à colisão com recifes em Giglio, mas sim por ter abandonado o navio:
capitães devem ser os últimos a ser salvos em naufrágios. Oficiais não devem
abandonar batalhas. Reis e presidentes não podem se esconder do povo em
momentos de baixa popularidade. Há episódios que ilustram bem esse último caso:
um rei ou um presidente tem de manter-se firme no posto, mesmo com sua própria
integridade em risco. Se o imperador Maximiliano do México se recusou a oferta
de fuga da cadeia e aguardou na cela aberta sua execução pelas forças de Benito
Juárez para não manchar a reputação da Casa Habsburgo, o presidente José Sarney
manteve-se imóvel quando seu ônibus sofreu um ataque com paus e pedras no Paço
Imperial (Rio de Janeiro) em 1987 e Collor de Mello ganhou projeção nacional
quando desafiou pistoleiros do interior a atirarem nele no palanque. Nesses
três casos, eles poderiam ter fugido (Maximiliano), se protegido (Sarney) ou se
calado (Collor). A escolha desses três exemplos não foi aleatória: são
personagens que não gozam de boa reputação popular até hoje, mas que tiveram
suas biografias aumentadas por não terem fugido. Exatamente o oposto do que
Dilma Rousseff fez: um panelaço não é agradável, mas um pistoleiro, um
apedrejamento ou um pelotão de fuzilamento são muito piores, e eles não fugiram
de paus, pedras e balas – quem dirá de vaias.
Por isso, é difícil entender a
atitude de Dilma Rousseff. Vaias e panelaços são parte do jogo, assim como
aplausos. Estar sujeito aos humores da população é parte da descrição de função
de um presidente ou um rei. Não é uma opção. Não há uma escolha para o líder:
ele tem de estar presente, seja para ser aplaudido, seja para ser vaiado. Ela
se apequenou diante do povo. Isso é imperdoável em um líder. Fica cada vez mais
difícil para ela recuperar a confiança e a credibilidade junto ao povo
brasileiro. Ela foi igual a Maximiliano, José Sarney e Collor de Mello no que
eles tiveram de pior e foi pior do que eles no que eles tiveram de melhor. Se
Maximiliano era um usurpador, um fantoche de Napoleão III no México que agia
conforme os interesses do seu chefe, que garantia sua permanência recorrendo a
correligionários mercenários. Um sesquicentenário depois,mutatis mutandis, não
é muito diferente a situação de Dilma Rousseff em relação a Lula da Silva, que
já se referiu a ela como um “poste” que ele elegeu para a Presidência da
República: tributária do seu mentor, ela não chegou ao seu posto por meios
próprios, mas sim por favores – exatamente como Maximiliano, com a diferença de
que é perfeitamente lícito imaginar que, no lugar dele, ela fugiria da cadeia e
desonraria a Casa Habsburgo. Se José Sarney teve uma gestão econômica
desastrada e índices de popularidade no chão, Dilma Rousseff também. A Nova
Matriz Econômica que Dilma Rousseff esculpiu com Guido Mantega foi um malabar
comparável ao Plano Cruzado que José Sarney esculpiu com Dílson Funaro: ao
final das contas, em ambos os casos tratava-se de uma tentativa de revogar o
irrevogável (as leis da economia) por uma canetada que, ao longo do tempo, foi
mantida artificialmente viva por meio de subterfúgios de legalidade
questionável até que se conquistasse a supremacia nas urnas e, em ambos os
casos, uma vez obtida a vitória eleitoral, a ressaca dos abusos macroeconômicos
foi de tal ordem que as popularidades foram à lona – com a diferença de que
Sarney sabia prezar pela chamada “liturgia do cargo” e jamais fugiria de um
agressor armado com armas brancas, ao contrário de Dilma Rousseff, que foge de
panelas sendo batidas nos lares dos brasileiros. Por fim, Collor de Mello
também mentiu em uma campanha para se eleger à Presidência da República:
exatamente como Dilma Rousseff, ele disse que seu adversário faria tudo aquilo
que ele mesmo fez quando eleito. Enquanto Collor de Mello fez isso com o infame
caso do confisco das cadernetas de poupança dos brasileiros que ele acusava seu
adversário Lula da Silva de planejar fazer em 1989, Dilma Rousseff acusou seu
adversário Aécio Neves de estar planejando o ajuste fiscal que ela ora tenta
implantar – com a diferença de que Collor de Mello, mesmo às vésperas do
impeachment, com popularidade equivalente à de Dilma Rousseff hodierna, não se
negava a aparecer em público, mesmo que fosse para ser vaiado, coisa que Dilma
Rousseff provou neste Dia do Trabalho que não é capaz de fazer. A lista poderia
prosseguir muito mais (o exemplo do ensanguentado Mario Covas prosseguindo a
caminhada em meio a pedradas de sindicalistas é clássico), mas o argumento já
foi exemplificado a contento: Dilma Rousseff age como uma criança mimada que,
quando é contrariada pela opinião pública, simplesmente volta para casa e se
esconde embaixo da cama.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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