Por
Pedro Nascimento Araujo
Desde o golpe que trocou a
ditadura nacionalista de Schiang Kai-shek pela ditadura comunista de Mao Zedong
em 1949, a China tem sido um modelo de realismo nas relações internacionais. O
Partido Comunista Chinês manteve-se no poder até os dias atuais, indiferente ao
fato de o comunismo ter acabado no mundo como modelo de desenvolvimento. A
lógica subjacente era o realismo, que é definido em “A política entre as
nações” (Hans Morgenthau, 1948) como a atuação internacional dos países em
busca de poder (de preferência, hegemônico) limitada não por moral, mas por
prudência. Assim, a China é um país como qualquer outro, desde a China em sua
encarnação de Império do Meio até o Reino Unido que subjugaria a mesma China
nos anos 1840 por meio das Guerras do Ópio. A análise realista tem o condão de
afastar as influências pessoais nos processos políticos – e, nesse ponto,
aproxima-se bastante do marxismo. Sempre que se fala em prática do realismo em
política internacional, todavia, há duas referências no mundo ocidental: o
cardeal Richilieu e o príncipe Bismarck. Richilieu é o melhor executor de uma
política chamada “Raison d’État”, que se diferenciava dos interesses pessoais
(leia-se dinásticos) do soberano de plantão, sobrepujando-os. Richilieu
celebrizou-se por fazer alianças com inimigos do rei apenas para manter a
hegemonia da França na Europa continental – e o único modo de fazer isso era
impedindo a unificação dos povos germânicos. Curiosamente, Richilieu teve
sucesso em sua empreitada, tendo fragmentado o que viria a ser o Império Alemão
em uma miríade de reinos, principados, ducados etc. na Paz de Vestefália
(1648), que encerrou a Guerra dos 30 Anos e ensejou o conceito de soberania
estatal, mas, em 1870, o príncipe Bismarck finalmente unificou a Alemanha por
meio de alianças absolutamente pragmáticas – Bismarck deliberadamente manteve a
Áustria fora do recém-criado Império Alemão, apesar de ter vencido o reino dos
Habsburgos poucos anos antes nos campos de batalha, apenas para garantir um
equilíbrio de poder que não colocasse o novo país como hegemônico demais a
ponto de fomentar uma “coalizão de fracos” que pudesse derrubá-lo: era a
Realpolitik, até hoje modelo de atuação internacional para os realistas. A
queda de Bismarck é apontada por muitos historiadores como o início das Grandes
Guerras, com uma Alemanha que passou a ser vista por todas como a herdeira da
tradição prussiana (ou seja, belicista e expansionista) e, portanto, uma
ameaça: a imprevisível Weltpolitik que o Kaiser Guilherme II implantou foi tão
desestabilizadora (e não ajudava em coisa alguma a personalidade errática do
soberano, que ora dizia-se amigo, ora inimigo de quase todos os países) que
conseguiu a proeza de unir inimigos e rivais tradicionais do Século XIX (Reino
Unido, França e Rússia) em uma aliança (a Tríplice Entente) contra a Alemanha.
O resultado já se conhece: a Alemanha, potência emergente e com futuro
brilhante, foi arrasada duas vezes (1918 e 1945) nas Grandes Guerras – e também
não ajudou em coisa alguma arrastar os Estados Unidos para ambos os conflitos
por motivos torpes: em 1917, atacou navios americanos e propôs ao México a
entrada nas hostilidades ao seu lado em troca de território americano e, em
1941, declarou guerra a Washington em solidariedade ao Japão (o que não era
exigido pelo acordo defensivo do Eixo), levando os americanos a poder começar a
lutar na Europa. Por isso, o realismo preza tanto figuras como o príncipe Otto
von Bismarck, que souberam manter a estabilidade (a chamada “paz armada”) por
entender que a moderação era a chave para não criar uma coalizão contra a sua
ascensão. Exatamente o que a China fez desde 1949. E exatamente o oposto do que
a China vem fazendo nos últimos anos.
Mao Zedong era propagandeado pelo
Partido Comunista Chinês como o “Grande Timoneiro”. Noves fora ele ter sido um
dos maiores genocida da humanidade, Mao sabia com quem ser covarde: civis
chineses desarmados eram alvo, superpotências nuclearmente armadas, não. Quando
houve o Cisma sino-soviético, basicamente por divergências acerca de armamentos
nucleares, os chineses não foram fator de preocupações para americanos e
soviéticos. As relações com a Índia, marcadas por escaramuças na Cachemira,
foram cordiais: a China não queria uma “coalizão de fracos” contra si que
pudesse atrair para o conflito os tanques soviéticos. Aliás, um dos motivos
para a participação de Mao na chamada Diplomacia Triangular de Nixon pode ser
entendido como um ato de realismo: ele precisava garantir que Moscou não faria
com Beijing o que havia feito com Budapeste ou Praga – ou seja, mandar tanques
para derrubar um governo minimamente divergente. Enfim, a China se aproximou
dos americanos, Deng Xiaoping fez a abertura comercial e o condomínio
sino-americano se estabeleceu ainda nos anos 2000, com os dois países interligados
economicamente e sem divergências geopolíticas sérias. Porém, nos anos 2010, a
coisa mudou de figura.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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