O
tamanho da encrenca
O Brasil fechou 2015 com dívida
pública recorde de 2,8 trilhões de reais, aumento de mais de 20% em relação ao
ano anterior. Esse é o tamanho da encrenca que o governo deu a cada brasileiro:
independentemente de idade, renda ou riqueza, nós devemos 2,8 trilhões de reais
– grosso modo, cada um dos pouco mais de 200 milhões de brasileiros deve 14
reais que lhe serão cobrados algum dia, por meio de impostos. Ah, essa dívida
cresce: apenas em 2015, cresceu 152 bilhões. E, para piorar, a composição dessa
dívida está piorando, com os títulos de juros pós-fixados assumindo
protagonismo – o que significa dizer que o governo não sabe quanto terá de
pagar de juros, uma vez que eles dependem da inflação, da SELIC e do dólar,
sozinhos ou combinados. Em termos de Produto Interno Bruto (PIB, a soma de tudo
o que é produzido no país em um ano), a dívida pública equivale a pouco mais de
50% do PIB brasileiro. Não é exatamente um número alto, mas é preocupante
porque vem aumentando. E, principalmente, torna-se mais alarmante quando se
considera que o a dívida pública é o principal componente na composição da
dívida bruta do governo como um todo, que também inclui dívida externa e
operações compromissadas com o Banco Central, entre outros: ela está em 65% do
PIB. E crescendo.
O problema é menos o tamanho da
dívida do que sua composição. Aí que mora a encrenca. Em termos de percentual,
há países com mais de 100% de relação entre dívida e PIB, caso dos Estados
Unidos (102%) e do Japão (230%). Ninguém rebaixou a nota da dívida dos
americanos ou dos japoneses no ano passado, mas o Brasil perdeu o Investment
Grade em 2015, mesmo com dívida sensivelmente menor. Isso ocorre porque
ninguém duvida da capacidade de americanos e japoneses de honrarem seus
compromissos: nenhum dos países tem histórico de calote na dívida – e vale
lembrar aqui que tiveram muitas guerras na história. O mesmo não pode ser dito
do Brasil, daí a desconfiança de que, diante de uma dívida muito alta, o Brasil
simplesmente não a pague, como já fez mais de uma vez no passado. Por isso, uma
dívida de 65% do PIB no Brasil assusta, mas não assusta, por exemplo, uma
dívida de 80% do PIB na Alemanha. A bem da verdade, é necessário dizer que não
há relação direta entre desenvolvimento e tamanho da dívida pública: Haiti e Noruega
têm 26%, enquanto Reino Unido e Egito ombreiam em torno de 90%. O curioso é que
a dívida egípcia é considerada grau especulativo, enquanto a britânica é Investment
Grade. Assim, os 65% em si não são o problema, mas o que eles representam é. E
eles representam uma bagunça fiscal sem limites. Governos são perdulários por
definição, mas Brasília rompe todas as barreiras do razoável. Em um ano de
recessão de quase 4%, o governo conseguiu a proeza de ter um déficit de 10% do
PIB. Esse déficit é financiado por meio de emissão de dívida pública. Como o
viciado em cheque especial que é, o governo recorre ao mercado para bancar
tudo, das aposentadorias ao aluguel de limusines para a comitiva presidencial
na Califórnia. Sem entrar no mérito dos gastos, o fato é que o governo gasta
mais do que arrecada – e ele arrecada muito: a produção de cinco dos doze meses
do ano (40%) vai para pagar impostos. É o dobro do proverbial “quinto dos
infernos” que gerou a Conjuração Mineira. Ainda assim, o governo precisa de mais
dinheiro: teve 10% de déficit em 2015. É insustentável.
Quando transforma seu déficit
fiscal de 10% em dívida pública, o governo entra em uma espiral insana: não
apenas aumenta o estoque da dívida, como ainda faz com que ela cresça mais.
Explico. Ao aumentar o estoque da dívida, aumenta também o quanto as pessoas
cobram para trocar seu dinheiro por títulos do governo brasileiro. Essa
recompensa exigida é a taxa de juros. Quanto maior é o medo de que o governo
brasileiro pode dar um calote, maior é a taxa cobrada para aceitar trocar
dinheiro por títulos do governo brasileiro. Quanto menos confiança, mais juros.
E a crueldade é que os juros maiores não incidem só sobre os novos títulos. Ou
melhor, os títulos velhos acabam sendo trocados por títulos novos com juros
maiores e garantias mais firmes, como o fato de estarem indexados à inflação,
ao dólar etc. – os chamados títulos pós-fixados. Isso porque a confiança no
governo brasileiro desencoraja que se compre um título pré-fixado do governo
brasileiro. Com a explosão da inflação, quem estava com título pré-fixado ficou
com um mico nas mãos – e, de agora em diante, vai preferir títulos pós-fixados.
Afinal, quem garante que o mesmo governo que deixou a inflação chegar a dois
dígitos não vai deixá-la chegar a três? E quem garante que o mesmo governo que
teve 10% de déficit em 2015 não vai ter mais 10% de déficit em 2016, 2017 etc.
até que a dívida pública se torne impagável para declarar moratória? Alguém
garante? Ninguém garante. O governo brasileiro tem a credibilidade de um
alcóolatra trancado em um bar. A mudança no perfil da dívida pública ficou
bastante patente no ano passado: os títulos pós-fixados já respondem por mais
de 60% da dívida pública brasileira. E a tendência é de crescimento,
simplesmente porque não há no horizonte sinais de que o governo brasileiro vá
se tornar fiscalmente responsável enquanto Dilma Rousseff estiver dando
expediente no Palácio do Planalto. Mais do que lamentável, a irresponsabilidade
fiscal do governo brasileiro está se tornando um pesadíssimo fardo que a
Senhora Rousseff deixará para todos os brasileiros na forma de uma dívida
pública potencialmente explosiva – estima-se que o Brasil pode encerrar 2018
com dívida pública na casa de 80% do PIB, um verdadeiro desastre: uma dívida tão
grande nas mãos de um governo sem credibilidade custa muito caro apenas para
existir. Apenas para manter a dívida, o governo brasileiro retirou do bolso dos
brasileiros 367 bilhões de reais em 2015. O tamanho da encrenca é esse: o
governo brasileiro paga mais de um bilhão de reais por dia de juros.
Pedro Nascimento Araujo
é economista.
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