Segundo o dito popular, cachorros
velhos não conseguem aprender coisas novas. A julgar pelo apoio declarado das
cúpulas do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Comunista do Brasil
(PCdoB) e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ao início do processo de
institucionalização da ditadura venezuelana (leia-se elaboração de nova
constituição), os simpáticos canídeos levam a culpa sem razão: se há alguém que
não aprende coisas novas é a esquerda brasileira, nova ou velha. É bom que se
diga desde já que não são apenas o PT e o PSOL: não nos olvidemos dos
obsequiosos e covardes silêncios das cúpulas dos demais partidos de esquerda,
definidos aqui como os que orbitam mais ou menos escancaradamente ao redor do
PT, mas toda a esquerda. É lamentável porque o Brasil precisa, mais do que
nunca, de uma esquerda inteligente e progressista, não de uma esquerda cega e
reacionária – evidentemente, também precisamos de uma direita inteligente e
progressista, mas isso é assunto para outra conversa. Ao defenderem o
indefensável (nominalmente: a ditadura venezuelana), as lideranças da esquerda
brasileira prestam um inacreditável desserviço à própria esquerda brasileira.
Por que fazem isso? Fiquemos com uma analogia canina: por aquilo que Pavlov
definiu como reflexo condicionado – e cães com reflexo condicionado
decididamente não aprendem coisas novas.
O russo Ivan Pavlov é o nome por
trás do conceito de reflexo condicionado. Em suas experiências com cães (muitas
das quais certamente são inaceitáveis pelos atuais padrões de ética para o
tratamento de animais em laboratório), Pavlov provou que é possível gerar uma
resposta física a um estímulo externo – no caso da pesquisa, os animais foram
acostumados a ser alimentados após o som de uma campainha e, com o tempo,
passaram a salivar em preparação para a refeição ao escutar o som (são particularmente
perturbadoras as imagens de coletores de saliva presos cirurgicamente aos cães
para provar que a produção de saliva dos animais condicionados era
significativamente maior), independentemente de receberem o alimento. Bastava a
campainha tocar. É mais ou menos o que ocorre com as cúpulas de PT e PSOL:
basta que um tirano qualquer se declare socialista e pronto: saliva escorre,
independentemente de haver comida no prato. E comida no prato, decididamente, é
algo que não há na Venezuela de Nicolás Maduro. Antes de prosseguirmos, é
importante notar que as notas das cúpulas de PSOL e PT não foram unanimidades
nas bancadas de ambos os partidos. Houve declarações reclamando de ausência de
consulta e mesmo improbabilíssimos casos de políticos lamentando o apoio dado a
uma ditadura; todavia, como a estatística sempre se impõe, a reação foi uma
posição minoritária, efêmera e sem efeitos práticos – o que prevaleceu foi um
constrangedor apoio à ditadura nada discreta que Nicolás Maduro vem implantando
no país caribenho. As vozes dissonantes, também é bom que se diga, não fizeram
desse criminoso apoio uma hipótese de rompimento com os respectivos partidos e,
por continuarem com as mãos sujas com o sangue dos venezuelanos mortos pela
ditadura chavista, não merecem ter seus nomes registrados em separado; aliás,
as notas e declarações das cúpulas dos partidos, de tão abjetas, também não
merecem registro. O que merece registro é a incapacidade da esquerda de
reconhecer que os seus erram – numa boa: se, com 100 anos de existência do
comunismo e um saldo 100 milhões de mortes causadas diretamente, sendo cediço
que essa ideologia é semelhante às grandes religiões e aos grandes impérios da
história graças à capacidade intrínseca de promover genocídios em seu nome,
ainda não são capazes de reconhecer problemas, talvez seja melhor perder as
esperanças.
O Brasil só tem a ganhar com uma
esquerda que aprenda truques novos. O cacoete ancestral das cúpulas dos
principais partidos da esquerda brasileira de apoiar qualquer ditador que fale
mal dos Estados Unidos, por pior que seja, deveria ser uma vergonha enterrada
no passado há muito – mas não é: está aí, em plena luz do dia, mostrando sua
face horrorosa ao apoiar o inacreditável que Nicolás Maduro vem paulatinamente
transformando em inevitável em nossa fronteira ao norte. A situação na
Venezuela é tão ruim que é difícil até saber por onde começar qualquer análise.
Os direitos de primeira geração (civis, políticos e religiosos) estão
absolutamente vilipendiados, mas há direitos de segunda geração (econômicos,
sociais e culturais) também em frangalhos – e mesmo os chamados direitos de
terceira geração (direitos da coletividade, como meio-ambiente) são solapados
diuturnamente. O Mercosul deixou a tergiversação do Uruguay de Tabaré Vásquez
de lado, chamou gato de gato e suspendeu a Venezuela por ser o que é: uma
ditadura. A Organização dos Estados Americanos (OEA), aonde as decisões são por
maioria, caminha para a mesma ação (apenas a título de nota: a UNASUL
simplesmente não tem a seriedade e a maturidade necessárias para que tal medida
seja tomada), o que tende a isolar ainda mais a imberbe ditadura chavista. Se
prestarmos atenção nas lições que a história nos ensina, perceberemos
facilmente que ditaduras têm como objetivo primordial a manutenção do poder –
e, para governos assim, tudo farão para esse fim, fazendo da perfídia uma
tática válida. Com efeito, é nesse estágio que se encontra a ditadura de
Maduro. Stálin, Mao Zedong, Pol Pot, Fidel Castro e outros genocidas da mesma
corrente ideológica de Nicolás Maduro arrasaram as economias de seus países ao
implantar o comunismo à força (trata-se de pleonasmo meramente estilístico,
sendo cediço que, em absolutamente todas as vezes, o comunismo foi implantado à
força) e, ao invés de admitir o erro, insistiram com a força das baionetas,
piorando a tragédia, redobrando as violações de direitos humanos enquanto
aprofundavam as fomes que criaram e alimentaram ex-officio.
Não há, portanto, qualquer razão
para se imaginar que seria diferente com a Venezuela sob a ditadura de Nicolás
Maduro: ele tende a agravar ainda muito mais a situação de seu país antes de
sair do comando. De fato, há temores fundados de que a Venezuela esteja
caminhando velozmente para uma guerra civil – em nossa fronteira. Ao invés de
levar esse fato em conta, os partidos de esquerda preferem reeditar a surrada
tática diversionista de culpar o Grande Satã por tudo. Seria apenas infantil,
mas é o suficiente para se ter como certo que não há porque se imaginar que os
pares ideológicos brasileiros de Nicolás Maduro (nominalmente falando: as
cúpulas dos partidos de esquerda) admitirão que estão apoiando um regime que é
a própria encarnação do que há de pior na moral humana, capaz de violar as três
gerações de direitos humanos concomitantemente. É pena que, mais uma vez, a
esquerda, por mero reflexo condicionado, apoie a ditadura de Maduro e fique do
lado errado da história, do lado errado da política, do lado errado dos
direitos humanos. É muito ruim para o amadurecimento da política no Brasil que
a esquerda continue agindo como um cachorro velho, incapaz de aprender coisas
novas.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
nascimentoaraujo@hotmail.com
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