Por Pedro Nascimento Araujo
Cabo Frio faz 398 anos nessa
semana e prova que continua a ser, mais uma vez e contra todos os prognósticos
pessimistas, o melhor exemplo de cidade que se reinventa: passados os
compreensivelmente instáveis primeiros meses de uma administração que assumiu
uma cidade falida, com baixa autoestima e abandonada pelos dois períodos de
Marquinho Mendes à frente da Prefeitura, Cabo Frio comemorará sua fundação com
a entrega de uma obra fenomenal, a nova orla da Praia do Forte. As obras, além
de embelezar a superfície, serão funcionais: estão sendo construídos quiosques
subterrâneos, que permitem armazenagem e operação de cozinhas industriais de
alto nível sem ocupar espaço público e não deixam nada a dever às melhores
praias do mundo. Que conhece o mínimo do estilo de administração de Alair
Corrêa sabe que boas surpresas não faltarão nos próximos anos. Não é lícito
profetizar sobre o passado, mas, vendo o que acontece em Cabo Frio hoje, é
impossível deixar de especular acerca da aprovação no Congresso Nacional da
infame proposta que retirou royalties do petróleo dos estados e municípios
produtores para distribuí-los aos estados não produtores: caso Alair Corrêa
estivesse à frente de Cabo Frio no período, o argumento de que os royalties
eram desperdiçados perderia grande parte de sua força – as obras daquele que
muitos consideram o maior administrador do Brasil sendo feitas seria prova
contrária suficiente.
Alair Corrêa, porém, é um homem
experiente: quando aceitou concorrer ao cargo de prefeito para vencê-lo pela
quarta vez, sabia que governaria com uma espada de Dâmocles pendendo acima de
suas têmporas; pior, uma espada colocada por ele mesmo – como suas
administrações anteriores ficaram famosas exatamente pela qualidade e pela magnitude
de suas obras públicas, ele será comparado com ele mesmo aos olhos do público.
De forma clara: se ele se superar e fizer o melhor governo dele, sairá
aclamado; porém, se ele se igualar e fizer o melhor governo que a cidade já
teve, sairá como uma decepção: o que seria fantástico para qualquer um, para
ele não seria mais que mera obrigação. Há, todavia, outro prefeito realizando
obras de grande impacto no estado do Rio de Janeiro: Eduardo Paes. Sobre ele
não há uma espada que pode despencar a qualquer momento simplesmente porque uma
comparação de seu legado aquele de com seus antecessores imediatos é covardia:
o único com o qual ele poderia ser comparado é Pereira Passos, um homem que já
saiu do cargo há mais de um século. Todavia, conforme veremos adiante, não é
correto comparar Eduardo Paes com Pereira Passos, um gigante do passado; por
isso, o correto é comparar Eduardo Paes com Alair Corrêa um gigante do
presente. Comparar Eduardo e Alair é um exercício interessante.
No Rio de Janeiro, Eduardo Paes tenta
construir uma reputação semelhante àquela de Alair Corrêa. E começou por um
projeto audacioso: desde o Bota-Abaixo de Pereira Passos (1902-1906), o Rio de
Janeiro não vê intervenções urbanas de tal monta. Evidentemente, o Rio de
Janeiro é muito maior e mais complexo que Cabo Frio – noves fora Eduardo Paes
ser muito menos experiente que Alair Corrêa – e, ao contrário do que aconteceu
com Pereira Passos, a reforma urbana não foi uma decisão da Presidência da
República: Rodrigues Alves (1902-1906) literalmente disse em seu discurso de
posse que seu programa de governo seria a “reforma do Rio de Janeiro”. Dito e
feito. A então capital dos Estados Unidos do Brasil passou por uma reforma
comparável à que Paris vivenciou por conta da reforma do Barão Hausmann
(1852-1870) por ordem expressa de Napoleão III. Foi justificadíssimo o apodo
“Bota-Abaixo”: o Rio de Janeiro recebeu ruas largas e retas inspiradas nos
bulevares parisienses. Cortiços foram removidos em um processo de gentrificação
que culminaria com a derrubada do Morro do Castelo em 1921 – favelizado, o
Morro do Castelo delimitava, junto com o Morro de São Bento, o Morro de Santo
Antônio e o Morro da Conceição, o quadrilátero urbano plano do Rio de Janeiro
no Período Colonial. Prédios imponentes em estilo neoclássico foram
construídos, como o Theatro Municipal, o Palácio Monroe (que foi sede do Senado
Federal e cuja derrubada, em 1976, por determinação direta de Ernesto Geisel,
então ditador do Brasil, foi o segundo maior desastre arquitetônico moderno do
Rio de Janeiro) e o Mercado Central do Largo do Paço (atualmente, o Largo do
Paço é chamado Praça XV de Novembro, em mais um exemplo da substituição de
nomes que lembrassem a Família Real promovida pelo putsch republicano), que foi
derrubado para a construção do Elevado da Perimetral – este, indubitavelmente,
o maior desastre arquitetônico moderno do Rio de Janeiro. Em suma, a melhor
antonomásia do período da parceria entre Pereira Passos e Rodrigues Alves é a
mudança de alcunha do Rio de Janeiro: de “Túmulo dos Estrangeiros” para “Cidade
Maravilhosa”.
Eduardo Paes sabe que não poderá
repetir Pereira Passos: as circunstâncias são simplesmente por demais diversas
para tanto. Mas é forçoso reconhecer que Eduardo Paes tem feito progressos
notáveis com os recursos dos quais dispõe – e o maior exemplo é sua decisão de
derrubar o Elevado da Perimetral, ato que indica ousadia: simbolicamente, seu
fechamento foi no apropriado Dia de Finados deste ano. Sua derrubada significa
o fim da primazia do automóvel sobre os pedestres – e, durante o Século XX,
muitas vezes parecia que o automóvel concedia espaço ao pedestre, e não o
contrário. Elevados como a Perimetral (anos 1960), o Paulo de Frontin (anos
1970) e a Linha Vermelha (anos 1990) são sintomas claros disso: em baixo e em
torno deles, tudo virou decadência. A derrubada da Perimetral não é apenas a
implosão de uma estrutura de aço e de concreto: é a face mais vistosa de uma
ampla revitalização do Centro do Rio de Janeiro. Há gentrificação, mas não é só
isso – há recuperação da memória e dos patrimônios histórico e cultural. O Cais
do Valongo foi literalmente desenterrado e devolvido à cidade, proporcionado
uma experiência de constrição da alma: poder ver os locais nos quais os
escravos africanos eram literalmente descarregados no Rio de Janeiro. Os
jardins suspensos da Saúde foram recuperados. Balcões e armazéns estão sendo
usados novamente como centros de cultura, gastronomia e festa – o Museu de Arte
do Rio (MAR) é apenas um exemplo da quantidade de prédios históricos sendo
reintegrados à paisagem e devolvidos à população. Ruas foram alargadas e a
segurança aumentou, tanto por conta da pacificação das favelas da região
(dentre elas, o Morro da Favella, a primeira do Brasil, atualmente conhecida
por Morro da Providência) quanto pela presença de Unidades de Ordem Pública
(OUPs) da Guarda Municipal – responsáveis, também, pelo fim da farra de camelôs
nas ruas do Centro. As intervenções sociais, notadamente em favor do transporte
urbano coletivo, como os BRTs, são notáveis – e o próprio Eduardo Paes faz mea
culpa ao admitir que o ideal seja usar trens, mas, sem dinheiro ou tempo para
tanto, a conversão para trens será desafio de algum sucessor. Por isso,
deixando de fora Pereira Passos, com quem não é possível fazer comparações por
conta dos recursos de todos os brasileiros que Rodrigues Alves despejou no Rio
de Janeiro, é lícito comparar Eduado e Alair: se, por um lado, é verdade que
ainda falta muito para Eduardo ter um legado semelhante àquele de Alair, por
outro lado, é inegável que Eduardo é o único prefeito no estado inteiro que
está a trilhar o mesmo caminho que Alair começou a trilhar há algumas décadas –
e ainda tem a vantagem de contar com um corpo técnico muito amplo e
diversificado, algo Alair não possui simplesmente por ser Cabo Frio uma cidade
pequena. Se Eduardo conseguirá ou não alcançar a dimensão de Alair no futuro,
ainda é muito cedo para dizer – mas, atualmente, somente ele tem condições de
fazê-lo. Mais especulação ainda é imaginar o tamanho dos ganhos para Cabo Frio
e Rio de Janeiro se uma parceria formal entre Eduardo e Alair fosse formada
para desenvolver obras públicas melhores para ambas as cidades, utilizando
tanto o savoir-faire de Alair quanto o corpo técnico de Eduardo: sob qualquer
ótica, extremamente frutificante para ambas as cidades.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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