Por Pedro Nascimento Araujo
Tóquio é o maior conglomerado
humano do mundo, com mais de 30 milhões de pessoas em sua região metropolitana,
o equivalente às regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro somadas.
Sob qualquer aspecto, Tóquio é uma metáfora do próprio Japão: uma história de
superação e de tragédias, com períodos nem sempre definidos e com alternâncias
nem sempre garantidas. Após o final da II Guerra Mundial, a ocupação americana
criou as bases legais que permitiram que o nascimento de uma potência econômica
democrática onde antes havia uma potência militar absolutista. O Japão ficou
rico e virou sinônimo de tecnologia de ponta, ensinando ao mundo técnicas
produtivas que hoje são lugares comuns como o just-in-time, mas suas pesadas
urbanização e industrialização trouxeram um fardo: poluição. Por décadas,
Tóquio foi sinônimo de poluição do ar e da água. Se a Baía de Tóquio não possui
mais águas tóxicas de dejetos industriais, o ar sempre foi um problema mais
difícil de resolver em uma concentração tão grande de pessoas. Incrivelmente,
Tóquio resolveu mais este problema – e a solução adotada na cidade pode e deve
ser replicada nas grandes cidades brasileiras.
Antes de se falar sobre a solução
adotada por Tóquio, é importante notar Japão está passando por um momento
complicado, e não estamos falando da economia claudicante desde os anos 1990.
Dessa vez, o problema é em relação à sua própria existência enquanto nação no
futuro distante, uma vez que o Japão está envelhecendo muito rapidamente e a
fertilidade está batendo recordes negativos anos após ano. Há um dado inusitado
para provar isso: desde 2012,
a venda de fraldas geriátricas superou a de fraldas
infantis no Japão, sinal inequívoco de envelhecimento sem renovação – em outras
palavras, encolhimento populacional. Na verdade, em números arredondados, sua
população de quase 130 milhões de pessoas está encolhendo há uma década e os
prognósticos são sombrios: a estimativa para 2040 é de 110 milhões e de 85
milhões para 2060, uma dramática queda de mais de ⅓ em 50 anos, algo só visto
anteriormente em tempos de guerras totais – e sem a vantagem de um baby boom
subsequente. Na melhor tradição japonesa, há um nome específico para a falta de
disposição de ter filhos por parte da geração em idade reprodutiva: sekkusu
shinai shokogun, algo como “síndrome do celibato”, uma referência nada sutil ao
resultado de uma pesquisa da Associação de Planejamento Familiar do Japão que
informou que quase metade das mulheres entre 16 e 24 se declarou “não
interessadas” em relações sexuais. Como um país que tem problemas estruturais
como esse para resolver ainda conseguiu limpar o ar de sua superpopulosa
capital é um mistério. Mas o fato é que conseguiu: se nas casas os bebês estão
desaparecendo, nas ruas os carros a diesel estão desaparecendo. Tóquio está
limpando seu ar.
Nos cartões postais tradicionais,
o majestoso Monte Fuji, vulcão inativo de 3,6 quilômetros de
altura e pico nevado, localizado a aproximadamente 100 quilômetros ao
sul de Tóquio, é mostrado em fotos a partir de sua face oposta, com sakuras
(cerejeiras floridas) e Shinkansen (trem-bala) no primeiro plano, mostrando a
tradição e a modernidade convivendo em harmonia. A imagem é bela, mas também é
pragmática: mostrar o Monte Fuji a partir de Tóquio era impossível em função da
capa de poluição que cobria a cidade e limitava sobremaneira a visibilidade,
como ocorre em grandes cidades ao redor do mundo; no Brasil, o fenômeno é mais
visível em São Paulo
e no Rio de Janeiro – embora na Zona Sul da cidade o efeito seja menos notado
devido ao isolamento dado pelas montanhas e a dispersão dada pela brisa do mar,
na Zona Norte e na Baixada Fluminense os níveis de poluição não deixam o céu
carioca dever nada ao paulista em termos de sujeira. Em 1999, Tóquio declarou
guerra aos veículos a diesel por meio da campanha “Diga não ao diesel.” Desde
então, a concentração de partículas finas em suspensão em Tóquio caiu quase
60%. São as partículas finas em suspensão que formam a famigerada capa de poluição
– em 1999, 70% das partículas finas em suspensão em Tóquio provinham do diesel;
obviamente, além de turvar o céu, essas partículas são extremamente danosas
para a saúde, sendo associadas a casos de bronquite, asma e câncer. Hoje, com
menos de 1% da frota nacional movida a diesel, o Monte Fuji passou a aparecer
também nos cartões postais como é visto a partir de Tóquio, reinando majestoso
atrás dos espetaculares arranha-céus da cidade, mantendo o contraste
modernidade-tradição e mostrando uma paisagem que antigamente os moradores de
Tóquio só conseguiam ver durante 20 dias por ano, mas que agora é visível
durante mais de 100 dias por ano.
Dizer não ao diesel não foi uma
tarefa simples. A invenção do alemão Rudolf Diesel é robusta, econômica e confiável;
na verdade, é geralmente a solução mais eficiente para transportes de grandes
cargas em longos percursos. Todavia, em cidades grandes, o uso do diesel é um
problema pela alta geração de partículas em suspensão em locais geograficamente
propícios para o aprisionamento de tais partículas e com grande concentração de
pessoas e de veículos. A solução de Tóquio foi atingir os corações e os bolsos
– ou melhor, primeiro os bolsos, depois os corações. Assim, Tóquio começou por
anunciar um endurecimento na legislação de emissões e por oferecer fortes
subsídios para a troca de frotas para gás natural ou para a instalação de
filtros de partículas tecnologicamente avançadíssimos, além de estabelecer
pesadíssimas multas (equivalentes a mais de R$ 10 mil) para quem infringisse as
proibições de circulação na cidade com veículos não certificados. Para tanto,
inúmeras câmaras foram instaladas por toda a cidade: eletronicamente, pela
identificação da placa do carro, se saberia qual veículo estava autorizado ou
não a rodar. Quanto aos corações, os infratores têm seus nomes e fotos
divulgados em uma espécie de lista dos mais procurados de filmes de faroeste,
gerando desaprovação social. O maior rigor na legislação de emissões (os
motores a diesel passaram a ter de seguir os mesmos limites dos motores a
gasolina) levou as montadoras japonesas a virtualmente pararem de produzir
modelos a diesel – dos 24 modelos a diesel à venda quando começaram as
restrições, restava apenas um cinco anos depois. Hoje, caminhões e ônibus japoneses
são movidos a gás natural. Se um país que importa o gás em navios-tanque
consegue limpar o ar da maior cidade do mundo, é razoável supor que o Brasil,
país que tem gasodutos nas duas suas maiores cidades (cujas populações somadas
equivale àquela de Tóquio), também pode fazer o mesmo. Portanto, a pergunta é:
o que falta para que as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro também digam
não ao diesel e limpem seus ares?
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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