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A Venezuela de Rómulo Betancourt e a de Nicolás Maduro




Por Pedro Nascimento Araujo

Rómulo Betancourt presidiu a Venezuela por 2 vezes, de 1945 a 1948 e de 1959 a 1964. É considerado o pai da democracia venezuelana, apesar de ter ascendido ao poder pela primeira vez na esteira de um golpe militar. Foi um homem de esquerda, acusado, inclusive, de financiar guerrilhas esquerdistas no continente. Em seu governo, Betancourt reduziu sobremaneira os lucros das companhias de petróleo privadas estrangeiras que operavam no país. A trajetória de Nicolás Maduro é  indissociável daquela de Hugo Chávez, que também teve a carreira fortemente associada a um golpe militar em 1992 – mesmo frustrada, a chamada Operação Zamorra tornou o então jovem coronel conhecido nacionalmente e pavimentou o caminho de sua vitória na eleição presidencial de 1998. Agora sob o comando de Nicolás Maduro, a Venezuela contabilizou 4,4% de inflação apenas em setembro (já são 38,7% acumulados no ano de 2013), com economistas calculando que, para os mais pobres, esse valor já superou 50%. O dólar é negociado no câmbio paralelo por 7 vezes o valor oficial. Há desabastecimento generalizado, inclusive do proverbial e ilustrativo papel higiênico. Um país que importa literalmente 96% do que consome e que exporta apenas petróleo já seria um país estruturalmente doente, vivendo com uma espada de Dâmocles que pode feri-lo de morte ao menor sinal de queda nos preços internacionais do petróleo – algo inexorável no futuro próximo, notadamente por conta da nova autossuficiência americana ocasionada pelo fracionamento do xisto. Mas sempre pode piorar: Maduro acaba de instituir a censura prévia na Venezuela. Se isso não é ditadura, não sei mais o que pode ser.

Certamente, não era lidar com esse tipo de problemas que Nicolás Maduro esperava quando foi ungido seu herdeiro político pelo já doente coronel Hugo Chávez e, por isso, venceu a controversa eleição presidencial no começo do ano. Nos sonhos de Maduro, ele realmente acreditava que seria o novo líder a comandar o paraíso socialista caribenho. A realidade, todavia, nunca foi rósea, e a Venezuela cotidiana, não a dos discursos proferidos pelo dono da boina vermelha, está apodrecendo há anos. Maduro sabe que está presidindo a derrocada do sonho do Socialismo do Século XXI do coronel Chávez – tanto que, para não perder as eleições municipais de 8 de dezembro, recorreu à censura prévia da imprensa: na Venezuela de Maduro, não há más notícias. Ver a Venezuela, um vizinho que já foi símbolo de estabilidade em uma região que, à parte o Brasil Império, sempre foi conturbada, é doloroso. Mas é ainda pior ver a Venezuela da Doutrina Bettencourt, que se recusava a reconhecer governos que ascendessem ao poder por meios não democráticos, adotar, sob Maduro, restrições à liberdade de expressão. Betancourt, se vivo estivesse, estaria decepcionado e envergonhado.

Maduro criou um inacreditável órgão chamado Centro Estratégico de Segurança e Proteção da Pátria (CESPPA, na sigla em espanhol). O que o CESPPA vai fazer? De acordo com a descrição oficial, vai “monitorar e neutralizar ameaças potenciais de inimigos internos e externos.” Antes que alguém pense em al-Quaeda, Boko Haram, separatistas chechenos, FARC etc., convém saber que o primeiro “inimigo interno” é o tabloide popular 2001. O que fez o 2001? Reportou aquilo que todo mundo na Venezuela já sabe: que o país enfrenta uma escassez de produtos – nunca é demais lembrar o patético racionamento de papel higiênico que assola o país – e, ironia das ironias, falta gasolina. Melhor dizendo: falta quem queira vender gasolina. A razão é direta: não há aumento nos preços do combustível desde o fatídico ano de 1996. Com uma inflação altíssima, a gasolina é, na Venezuela, literalmente mais barata que água. O resultado? Ninguém quer vender gasolina, pois as margens foram achatadas ao ponto do ridículo e os postos estão sendo abandonados. E o que faz Maduro? Procura corrigir os preços relativos e combate a inflação por meio da adoção de medidas de austeridade fiscal? Não. Maduro prefere culpar o mensageiro a entender a mensagem: o CESPPA vai ter o direito de escolher quais notícias poderão ser veiculadas na Venezuela – obviamente, apenas as favoráveis ao governo de Maduro.

Sim, a ditadura na Venezuela não é mais, para usar o brilhante termo de Hélio Gaspari, envergonhada, e sim, mantendo a nomenclatura do escritor, escancarada. Para Maduro, os meios de comunicação, ao noticiarem a escassez, semeiam o pânico entre a população e, portanto, devem ser censurados previamente. E assim, a Venezuela, que já foi sinônimo de estabilidade e de defesa da democracia (até mesmo as expensas de interesses comerciais), é, agora, o oposto do que foi e a negação do que deveria ter sido. A coisa deve piorar muito para Maduro antes de melhorar – se é que ele ainda estará no Palácio Miraflores quando o país achar novamente seu rumo. À beira de um colapso no balanço de pagamentos, a Venezuela será forçada a flexibilizar o câmbio, que, atualmente, beneficia apenas os amigos do rei, que têm acesso a uma taxa subsidiada. O tamanho do drama? A Venezuela possui reservas internacionais insuficientes para uma semana de importações líquidas; na prática, qualquer abalo internacional pode quebrar o país. Assim, resta evidente que o país precisa de profundas reformas para voltar a crescer, algo semelhante ao que, somados, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso fizeram no Brasil dos anos 1990 e que permitiu a prosperidade e os progressos dos anos 1990 e 2000. Maduro dá, cada vez mais, sinais inequívocos de não ser ele a pessoa que fará o que tem de ser feito. Ele vai conduzir a Venezuela para a bancarrota. E, achando pouco, ainda destrói, em sua jornada, uma das mais belas heranças que o país tinha, ao criar a censura prévia do CESPPA: a fé na democracia. Rómulo Betancourt, decididamente, está se revirando em seu túmulo.

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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