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Sem acabamento, sem desenvolvimento



 

Por Pedro Nascimento Araujo

A escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA 2014 poderia tanto ter sido uma bênção quanto uma maldição. A exatamente um mês do início do evento, ficou claro que escolhemos a parte com odor de enxofre. Conseguimos a triste proeza de não evoluir absolutamente nada em coisas cruciais para o desenvolvimento do Brasil, como a mobilidade urbana, e, ao mesmo tempo, ter construído os piores e mais caros estádios da história dos mundiais no Século XXI. Na biodiversidade da incompetência e da corrupção, há um claro predador-mor: o Estádio Nacional Mané Garrincha, construído no Distrito Federal, cuja construção terá consumido a fortuna de 2 bilhões de reais quando (e se) tudo estiver acabado. Aliás, acabado, não. Porque o Mané Garrincha tem um acabamento tão tosco que sequer merece ser chamado assim – ainda que tivesse custado 80% menos.

A comparação mais óbvia para o Mané Garrincha é com um complexo esportivo moderno. Vários analistas foram em cima da Cidade do Esporte Rei Abdullah, na Arábia Saudita. O Reino da Arábia Saudita é uma monarquia absolutista brutal (censuras, execuções, expurgos etc. – cardápio completo que não faria os Abdullah, a Família Real da Arábia Saudita, se sentir inferiorizada diante dos Castro, a Família Real de Cuba) e na qual os superfaturamentos são tanto a regra quanto no Brasil. Pois bem. O Mané Garrincha de Sua Majestade é um complexo com um estádio com capacidade para 60 mil espectadores e 45 mil vagas, além de um ginásio poliesportivo climatizado com 2 mil lugares numerados etc. O acesso é por meio de pistas largas com tratamento paisagístico. Quanto custou a brincadeira? Quase a do que os brasileiros estão pagando pelo Mané Garrincha. Mas a questão não é apenas o custo – vamos fingir por um instante que custou o mesmo. Teria valido a pena? Não. E há uma palavra apenas para descrever: acabamento. O Estádio Nacional Mané Garrincha não tem, a Cidade do Esporte Rei Abdullah tem. Mais que um fato isolado, é a certeza de uma praga nacional: nossa atávica aversão a acabamentos é um dos piores traços nacionais.

A Cidade do Esporte possui mármores nos banheiros, esculturas nos jardins, quadros nos corredores e iluminação de vitrine em todos os lugares. No Estádio Nacional Mané Garrincha, apenas concreto aparente envernizado ou pintado na cor de... concreto! Não é exclusividade dele. Há, no mesmo Distrito Federal, um predomínio de concreto aparente nos prédios desenhados por Oscar Niemeyer no projeto de Lúcio Costa. Concreto aparente é também o que mais se vê no Santuário de Aparecida, o que, se não dá à enorme Igreja uma espécie de aparência de estádio de futebol, também não fará dela a mais lembrada pelos turistas. Porém, para ficar nas obras ridiculamente caras cujo acabamento não existe (leia-se: é concreto aparente), temos outra campeã mundial no Rio de Janeiro: a Cidade da Música, que Eduardo Paes tenta renomear Cidade das Artes para retirar um pouco do estigma de corrupção, incompetência e atrasos que se transformaram em sinônimos do lugar. Construída durante a derradeira gestão de César Maia à frente da prefeitura do Rio de Janeiro, custou mais do que o dobro do Walt Disney Concert Hall em Los Angeles – sem contar que, na Califórnia, foi construída uma enorme garagem – e tem acabamento em (adivinhe!) concreto aparente, ao passo que a americana é totalmente recoberta por placas de aço inoxidável escovado, o que deu à obra de Frank Ghery uma condição instantânea de cartão-postal da cidade. Não entremos na qualidade acústica ou outros itens; do contrário, concentremo-nos no acabamento externo sob pena de perder o foco. De fato, passemos ao ponto principal: a aversão dos brasileiros ao acabamento.

A ausência de acabamento é uma característica do brasileiro. Fala-se muito dos aspectos positivos da ascensão social, mas há um aspecto negativo: conquanto a quantidade de televisores, telefones, geladeiras, automóveis etc. não para de crescer nas áreas mais pobres, as casas continuam sem acabamento. Aqui, compra-se um carro zero-quilômetro para guardá-lo em uma garagem de tijolos aparentes como se isso não fosse uma contradição per ser. Aqui, compra-se um televisor de última geração para decorar uma sala cujo teto é apenas reboco como se isso não fosse uma contradição per se. Aqui, casas não têm teto, têm lajes – a própria definição da ausência de acabamento no cotidiano. Da esfera privada para a pública, vai-se sem problemas: a escola não tem acabamento, com banheiros sem vasos sanitários. Aliás, a rua não tem acabamento, com buracos e pisos desencontrados. O trabalho do brasileiro também é marcado pela ausência de acabamento: na construção civil, para ficar em um exemplo bastante familiar, o retrabalho é a regra, não a exceção – cada um que faz a sua parte não apenas não a deixa acabada, como ainda destrói o mal e parcamente acabado trabalho do antecessor, que depois voltará para refazê-lo e, de lambuja, destruir o ainda mais mal e parcamente acabamento que recebeu de outrem. É um círculo vicioso, que, no limite, faz com que olhemos para monstrengos inacabados como o Estádio Nacional Mané Garrincha e não notemos o absurdo que é custar o dobro de um complexo como a Cidade do Esporte. Não nos faria mal algum começar a repudiar o que não é acabado. Se fizéssemos isso, não aceitaríamos as coisas caras, ruins e sem acabamento que nos entregam como justificativa de uso do dinheiro dos nossos impostos. O aforismo que deveríamos ter em mente é bem simples: sem acabamento, sem desenvolvimento.

Pedro Nascimento Araujo é economista.

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