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Abu Brazili


Por Pedro Nascimento Araujo

Há um potencial cidadão brasileiro no Isis, o grupo radical que controla partes dos territórios de Iraque e Síria e faz a turma de Bin Laden parecer um jardim de infância: Brian de Mulder, doravante conhecido como Abu Brazili. O termo “Abu” (“Pai”) é denominação padrão de nomes combate para muçulmanos radicais, ao passo que o termo “Brazili” significa extamente “Brasileiro.” Em algum lugar no meio do deserto, há um brasileiro apoiando atrocidades cometidas pelo Isis (dentre outras, decapitações, estupros etc.): possivelmente pronto para matar, é certo que Abu Brazili já está pronto para morrer. Apesar de apregoar a mentalidade mais retrógrada possível, o Isis não se furta a usar as mais avançadas técnicas para captação de seus terroristas: internet. O Isis é muito bem sucedido: as imagens de extermínios de “infiéis” (eufemismo para toda e qualquer pessoa que não apoie o Isis) espalham o terror antes da chegada de seus combatentes e é responsável em grande parte pelo sucesso inicial do grupo no Iraque, uma vez que o tíbio exército local simplesmente fugia de suas posições quando o Isis se aproximava. E, agora, há um combatente brasileiro em suas fileiras que tem direito de requerer seu passaporte brasileiro a qualquer momento. E se Abu Brazili quiser viver no Brasil?

Primeiramente, é importante deixar claro que, embora Abu Brazili não tenha passaporte brasileiro, ele cumpre as condições para requerê-lo (o Artigo 12 da Constituição garante a cidadania brasileira a quem é filho de mãe brasileira, é maior de 18 anos e é legalmente capaz) e o Brasil será obrigado a emiti-lo. Até aonde a vista alcança, Abu Brazili é o único caso de brasileiro convertido em radical islâmico, mas é um caso muito didático sobre como funciona o Isis. Abu Brazili é católico. Sim, ele se converteu ao islã e foi para o deserto para matar cristãos. A ironia é reside no dogma católico. De acordo com o catolicismo, por mais que ele tenha renegado a fé, simplesmente não há como a vontade dele desfazer a unção que ele recebeu no sacramento do batismo – o vínculo é inquebrantável, o que explica não haver ex-padres ou afins: uma vez recebida a unção, vale o preceito bíblico segundo o qual o que Deus uniu o homem não pode desunir. De qualquer modo, há até bem pouco tempo (ou seja, antes de ser Abu Brazili) o então jovem Brian de Mulder andava com um crucifixo no peito. Filho de mãe brasileira, ele nasceu na Bélgica, onde acabaria sendo recrutado. Segundo sua mãe contou aos jornais, ele era fã de futebol e das músicas de Roberto Carlos, como milhões de brasileiros. Um dia, porém, a rede de recrutamento agiu com sua implacável propaganda e o fez tornar-se um radical islâmico.

A possibilidade de Abu Brazili retornar ao Brasil não é remota. Caso ele sobreviva aos combates, poderá ter dificuldades na volta à Bélgica. Após dezenas de anos fingindo não ver os radicais islâmicos operando na União Europeia (muitas vezes recebendo subvenções estatais para pregar o ódio, a intolerância e a própria destruição do povo que lhes abrigou), os governantes acordaram para o absurdo do fundamentalismo na aplicação do relativismo cultural: quase nada era feito acerca de casamentos forçados, mutilações genitais femininas, desfigurações com ácido, espancamentos “em defesa da honra” etc., além da tristemente comum defesa da morte de “infiéis”. Agora, após a porteira arrombada, as propostas são inócuas e algo patéticas, como o Reino Unido falando em cassar cidadania de seus cidadãos envolvidos com o Isis. Porém, em que pese a incompetência das péssimas práticas decorrentes das ótimas intenções da União Europeia, é certo que a vida daqueles que voltarem do front do Isis será mais difícil no Velho Continente, o que torna a possibilidade de Abu Brazili vir para cá bem mais plausível – e abre a inevitável pergunta: como lidaríamos enquanto país caso isso ocorresse?

Nosso histórico não é bom: já temos um terrorista assassino vivendo entre nós – chama-se Cesare Battisti e é um fugitivo que já foi condenado pela justiça da Itália. Durante o mandato de Lula da Silva, o presidente, no uso de suas prerrogativas de responsável pela condução dos negócios internacionais brasileiros, optou por não extraditar Battisti para cumprir pena em prisões italianas. Mas, enquanto Battisti é um terrorista aposentado de quase 60 anos, Abu Brazili é um jovem de menos de 25 anos e, principalmente, Battisti só está no Brasil por uma decisão discricionária de Lula da Silva baseada em suas afinidades políticas, ao passo que Abu Brazili tem o direito de morar no Brasil, independentemente do que desejar o supremo mandatário da hora. Como viveria Abu Brazili aqui? Ele seria vigiado? Ele poderia pregar a intolerância religiosa e disseminar o ódio? Mulheres sem burca deveriam temer um ataque com ácido? Cristãos correriam o risco de decapitação? São perguntas legítimas, pois é exatamente o que o Isis, grupo terrorista do qual Abu Brazili é membro, faz nos locais nos quais atua. Como faremos caso um terrorista do naipe de Abu Brazili requisite seu passaporte brasileiro? Aguardaremos até que ele venha cometer seus crimes em nossas terras ou agiremos preventivamente? É uma pergunta que o Brasil precisa começar a responder o quanto antes.


Pedro Nascimento Araujo é economista.

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