Por
Pedro Nascimento Araujo
Há um zumbi em Brasília. Ele dá
expediente todos os dias no Bloco P da Esplanada dos Ministérios, mais
conhecido como Ministério da Fazenda. Ele era Ministro da Fazenda há poucos
dias e atendia pelo nome Guido Mantega. Agora, é um apenas um espectro. Foi
descartado por Dilma Rousseff antecipadamente: quando perguntada acerca da
manutenção da equipe econômica cujo comandante é Guido Mantega, Rousseff
saiu-se com uma pérola: “Governo novo, equipe nova.” Assim, perca Dilma
Rousseff ou vença Dilma Rousseff, a única certeza que qualquer brasileiro tem é
que Guido Mantega não será mais Ministro da Fazenda. Inclusive ele mesmo. O porquê
de Guido Mantega, ciente disso, não ter pedido para sair com a intenção de
preservar sua imagem é um mistério que apenas ele pode esclarecer, mas o fato é
que o capitão do pior crescimento da economia brasileira desde o Século XIX é
carta fora do baralho – embora Dilma Rousseff não tenha dito explicitamente que
o recado era para ele, não apenas o recado foi bastante claro em termos de
contexto (as perguntas eram sobre manter Mantega à frente da Fazenda) quanto
não houve um desmentido posterior. Sem apoio e já sendo tratado publicamente
por Dilma Rousseff como responsável por seu fiasco econômico, Guido Mantega vai
sangrar em cadeia nacional até o final do mandato de Dilma Rousseff: um
morto-vivo comandando a moribunda economia brasileira.
Os números da economia brasileira
já são péssimos, mas, ao contrário do infame slogan do Palhaço Tiririca, nesta
semana ainda ficou que pior do que estava. A Moody’s, uma das principais
agências de avaliação de risco do mundo, anunciou que o Brasil pode perder o Investment
Grade. Isso seria péssimo para o país: implicaria em um aumento do prêmio de
risco nos títulos nacionais – ou seja, juros ainda mais altos. Há os preços
administrados (leia-se defasados) com a inflação sempre no teto da margem de
tolerância de uma meta já leniente. Há os artifícios contábeis na situação
fiscal do governo, com uma mimetizada retomada da infame Conta Movimento, desta
vez por meio dos empréstimos do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Há o inchaço da máquina estatal,
com os inacreditáveis 39 ministérios. Há os investimentos em recorde de baixa.
Em suma, a lista de mágoas da economia brasileira nunca foi tão grande. Quando
se esperava que a dupla Dilma Rousseff e Guido Mantega admitisse os equívocos e
os corrigisse, nada. Quando, finalmente, não se esperava mais nada, eis que
Dilma Rousseff se recusa a assumir suas responsabilidades e atira Guido Mantega
aos leões. E eis que Guido Mantega aceita o pelourinho público. Evidentemente,
qualquer pessoa com um mínimo de instinto de autopreservação já teria pedido as
contas. Exceto Guido dos Palmares, o Zumbi do Bloco P.
Quando o Brasil mais precisaria
de liderança firme na economia, temos um Guido dos Palmares enfraquecido a cada
dia segue ao leme. Isso significa que as já mais que atrasadas reformas para
dinamizar a economia, eliminando eficiências e aumentando a produtividade
(único modo de aumentar a riqueza nacional de forma sustentável), continuarão
atrasando. O cenário externo também não anima muito. Conjuntamente, a
recuperação da economia americana e a redução do crescimento da economia
chinesa por matérias-primas atuam como freios complementares na economia
brasileira. Por conta dos bons números da geração de empregos e do fim do
saneamento do sistema financeiro local, os americanos estão retirando os
estímulos à recuperação econômica. Na prática, isso significa que os juros
subirão nos EUA. Sempre que isso acontece, dinheiro do mundo inteiro começa a
fluir para os cofres americanos. É natural: acontece em quando agentes
racionais compraram a solidez americana (decorrência de uma reputação
construída ao longo de mais de dois séculos de estabilidade) com a
instabilidade dos demais países (eis o nosso vizinho em moratória novamente!).
Com isso, investidores somente toparão abrir mão de ser remunerados pelo
Tesouro dos Estados Unidos da América se o retorno em países como o Brasil for
tão maior que compense os riscos associados. O problema é que uma redução no
fluxo de capital especulativo direcionado ao Brasil levaria imediatamente a uma
pressão por desvalorização cambial, algo desejável pelos exportadores em
momentos de resultados comerciais desfavoráveis como agora, mas implicaria em
estouro total e absoluto da inflação, algo que ninguém deseja arriscar. Por seu
lado, a redução da demanda chinesa é vista na queda dos preços das principais
commodities exportadas pelo Brasil: minério de ferro e soja. Com a Argentina
quebrada, fica completo o cenário de dificuldades comerciais, conforme se nota
já nesse ano, cujo resultado é uma menor entrada no país de divisas oriundas do
comércio, se não uma saída líquida delas. Se a Conta Corrente não pode mais
contar com a Balança Comercial (redução da demanda na China) para se equilibrar
e se a Conta Capital e Financeira também não é mais capaz de cobrir os nossos
déficits com poupança externa (aumento da demanda nos EUA), então nossa
travessia é ainda mais complicada. Olhar para o timão e ver que há um zumbi no
comando não ajuda em nada a acalmar os sempre histriônicos mercados financeiros
mundiais.
Com Guido dos Palmares
oficialmente transformado em pato manco (“lame duck”, designação para ocupante
de cargo público em fim de mandato, cujo poder na prática acabou e que nem os
mais próximos assessores respeitam ou mesmo temem, preferindo dedicar-se a
buscar as graças do novo incumbente), não há nada a fazer exceto torcer para
que 2015 chegue logo e que o novo titular da Fazenda tome as medidas
necessárias para recolocar a economia brasileira nos trilhos do crescimento
sustentável. Curiosamente, um momento lame duck poderia ser o momento
perfeito para isso: como um franco-atirador que se sabe cercado por tropas
inimigas, Guido dos Palmares poderia fazer disparos lendários antes de
capitular; afinal, ele já está demitido antecipadamente. Todavia, tal hipótese
é tão realística quanto os faunos de “Sonhos de uma noite de verão” – o Zumbi
do Bloco P realmente acredita que não fez nada de errado na condução da
economia. Assim como sua única superior e comandante que dá expediente no
Palácio do Planalto, ele não entendeu patavinas e acha que disparates como a
“Nova Matriz Macroeconômica” são sucessos de público e crítica. Portanto, sua
agonia em ágora não tem serventia nenhuma ao país, uma vez que não ensejará
ações meritórias, mas apenas mais do mesmo fracasso. Além disso, convém não nos
esquecermos de que zumbis podem ser eternos – e por isso, contra toda a lógica,
nunca poderemos afirmar que Guido dos Palmares realmente sairá do governo em um
eventual segundo mandato de Dilma Rousseff. O Zumbi do Bloco P pode ter sua
fidelidade canina recompensada sendo transferido para outro bloco: por exemplo,
o Bloco H, sede do Itamaraty. Lá, certamente encontrará uma instituição pronta
para ser assombrada.
Pedro Nascimento Araujo é economista.
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