Trabalhos iniciados em maio deste ano por
pesquisadores brasileiros de várias instituições científicas verificaram que
soros produzidos por cavalos para o tratamento da covid-19 têm, em alguns
casos, até 100 vezes mais potência em termos de anticorpos neutralizantes do
vírus gerador da doença. A informação foi dada à Agência Brasil pelo
coordenador do projeto, Jerson Lima Silva, do Instituto de Bioquímica Médica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele apresenta os resultados dos
estudos hoje (13) à noite, durante simpósio sobre covid-19 na
Academia Nacional de Medicina (ANM). Na ocasião, Lima Silva anunciará também o
depósito de patente para garantia do processo tecnológico produzido no Brasil e
a submissão de publicação no MedRxiv, que é um repositório de resultados preprint,
ou seja, pré-publicados. Silva é também presidente da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Quando começou, o projeto visava a obter gamaglobulina
purificada, material biológico mais elaborado do que soros antiofídicos e
antitetânicos. Esse soro é chamado hiperimune ou gamaglobulina hiperimune
porque os pesquisadores inocularam o antígeno, durante três semanas, nos
plasmas de cinco cavalos do Instituto Vital Brazil (IVB), laboratório oficial
do governo fluminense.
Os animais foram inoculados com a proteína S
recombinante do novo coronavírus, produzida no Instituto Alberto Luiz Coimbra
de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e, após 70 dias, os
plasmas dos equinos apresentaram anticorpos neutralizantes 20 a 100 vezes mais
potentes contra o novo coronavírus do que os plasmas de pessoas que
tiveram covid-19 e estão em convalescência, disse Jerson Lima Silva.
Patente
Os resultados positivos levaram ao pedido de patente,
relativo ao processo de produção do soro anti-covid-19, a partir da
glicoproteína da espícula (coroa) do vírus com todos os domínios,
preparação do antígeno, hiperimunização dos equinos, produção do plasma
hiperimune, produção do concentrado de anticorpos específicos e do produto
finalizado, após a sua purificação por filtração esterilizante e clarificação,
envase e formulação final. O trabalho científico envolve parceria da UFRJ, IVB,
Coppe/UFRJ e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Estamos juntando a
expertise de várias pessoas”.
Jerson Lima Silva afirmou que o resultado da
inoculação nos cavalos foi uma grande surpresa para os pesquisadores. “Os
animais nos deram uma resposta impressionante de produção de anticorpos.
Inoculamos em cinco e agora estamos expandindo para mais cavalos”. Quatro dos
cinco equinos responderam muito rapidamente. “O quinto (animal), assim como
acontece nos humanos, teve uma resposta mais demorada, mas também respondeu
produzindo anticorpos”. Os cavalos do Instituto Vital Brazil estão em uma
fazenda do laboratório, no município de Cachoeiras de Macacu, região
metropolitana do Rio de Janeiro.
Os estudos comprovaram que o soro produzido por
cavalos para tratamento da covid-19 é superior ao feito com plasma de doentes
convalescentes. “A gente vê que o nosso anticorpo do cavalo, em alguns casos, é
próximo de 100 vezes mais alto. Entre 50 e 100 vezes”. Isso significa que
os anticorpos produzidos pelos animais neutralizam o vírus da covid-19 com até
100 vezes mais potência, “mesmo quando a gente vai para a preparação final dos
soros”.
Complementaridade
O coordenador do projeto explicou que outra vantagem
do estudo é que ele é complementar às possibilidades de vacinas contra o vírus,
cuja maioria se baseia na proteína da coroa. A ideia é que o soro produzido a
partir dos plasmas dos equinos inoculados seja usado como tratamento, por meio
de uma imunoterapia, ou imunização passiva. A vacina seria complementar.
Após a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), o
grupo de pesquisadores vai iniciar os testes clínicos, com foco nos pacientes
com diagnóstico confirmado de covid-19 que estejam internados, mas não se
encontram em unidades de terapia intensiva. Os testes vão comparar quem
recebeu o tratamento com quem não recebeu. “A gente está bem otimista. Mas essa
é uma etapa que tem de ser feita”, disse Silva.
Ele informou que pretende firmar parcerias com outros
laboratórios semelhantes que produzem soro no Brasil, localizados em São Paulo
e Minas Gerais, por exemplo, “porque será preciso muito material”.
O estudo indica que enquanto não há vacinas aprovadas
e diante da dificuldade em atender à grande demanda em todo o mundo, o uso
potencial da imunização passiva por terapia com soro deve ser considerado uma
opção. A soroterapia é um tratamento bem-sucedido e usado, há décadas, contra
doenças como raiva, tétano e picadas de abelhas, cobras e outros animais
peçonhentos, como aranha e escorpiões. Os soros produzidos pelo IVB têm
excelente resultado de uso clínico, sem histórico de hipersensibilidade ou
quaisquer outras eventuais reações adversas. Os estudos clínicos ocorrerão em
parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor).
A pesquisa tem apoio financeiro da Faperj, do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep).
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