Por Pedro Nascimento Araujo
Finalmente, o governo brasileiro
saiu do imobilismo logístico e anunciou um crédito complementar que elevará o
montante investido pelo BNDES em um complexo exportador com terminal portuário
a ser construído ao custo de quase 1 bilhão de dólares – algo extremamente
necessário para um país que precisa recuperar competividade internacional
urgentemente. Esse país deveria ser o Brasil: o dinheiro é do povo brasileiro e
a logística brasileira anda em petição de miséria, mas não é – trata-se de
Cuba. Pior, o investimento em questão é um daqueles infames empréstimos de
dinheiro nacional para governos internacionais que o governo brasileiro teve a
petulância de tratar como sigilosos. Em visita à Ilha dos Irmãos Castro, Dilma
Rousseff fez o de sempre: tratou os assassinos (a estimativa mais conservadora
de todas, a do próprio Fidel Castro, fala em 4 mil fuzilamentos sumários no
infame El Paredón) como amigos e reforçou o mito de Cuba ser vítima de um
embargo americano que deliberadamente mantém o país pobre. Como, aparentemente,
os mortos dos Irmãos Castro (e de Ernesto Guevara também: ele era um dos
maiores entusiastas da prática) não importam para Dilma Rousseff (talvez porque
não tenham sido mortos pela ditadura civil-militar brasileira) e a ausência de
liberdade dos cubanos talvez seja o inconfessável sonho de consumo do PT, vamos
analisar um pouco o mito de uma Cuba vítima no caso do embargo americano.
Primeiramente, é importante
lembrar que El Bloqueo não surgiu do nada. A bem da verdade, El Bloqueo começou
com um embargo à venda de armas ao país quando as forças de Fulgencio Batista e
Fidel Castro lutavam pelo controle do país em 1958. Em 1960, quando o lado dos
Irmãos Castro já havia vencido – não deixa de ser irônico observar que o
embargo americano de armas prejudicou Fulgencio Batista; portanto,
indiretamente, concorreu para a ascensão dos Irmãos Castro – e Fidel já era
comandante de Cuba, ativos americanos no país passaram a ser nacionalizados sem
o pagamento de indenizações. Como resposta, os americanos retiraram algumas
vantagens tarifárias que os cubanos tinham na exportação de açúcar: em um
período de escalada na Guerra Fria, a União Soviética não pestanejou e começou
a comprar a produção que os americanos se recusavam a comprar. Veio, então, a
Crise dos Mísseis (1962) e, no ano seguinte, John Kennedy congelou ativos
cubanos nos EUA e estendeu o embargo para quase tudo (ajuda humanitária e
medicamentos ficaram de fora), recursos cubanos no EUA foram congelados e o
embargo mantém-se praticamente inalterado até hoje.
Cuba não foi o primeiro nem será
o último país no mundo a cometer esse tipo de roubo (não há outro nome para
desapropriar, nacionalizar ou coletivizar ativos de outros países sem pagar as
devidas indenizações): o Brasil fez isso durante a presidência de João Goulart
(Leonel Brizola, cunhado de Goulart e governador do Rio Grande do Sul, esteve à
frente do processo com as nacionalizações de subsidiárias da Amforp e da ITT) e
as relações com os EUA ficaram abaladas. Apenas no governo de Castelo Branco o
Brasil pagou as indenizações e as relações econômicas se normalizaram. Portanto,
não há nada de estranho na atitude americana em relação a Cuba e seu recado é
claro: pague as indenizações que voltaremos a comerciar – exatamente como
aconteceu com o Brasil. Afinal, no que tange aos americanos, o adágio de Calvin
Coolidge (presidente dos Estados Unidos de 1923 a 1929), é sempre
válido: o negócio dos EUA é fazer negócios (“The chief business of the American
people is business”).
Durante a Guerra Fria, a União
Soviética mais que supria as necessidades cubanas. Com isso, Cuba não buscou
normalizar as relações com os Estados Unidos; do contrário, usou o embargo como
pretexto para posar de vítima e acusar os EUA de querer derrubar o governo por
asfixia comercial. As repetidas diatribes cubanas surtiram efeito: muita gente
passou não apenas a simpatizar com uma emulação continental do embate bíblico
entre Davi e Golias, como também a fazer confusão e imaginar que os Estados
Unidos impuseram uma versão caribenha do Embargo Continental de Napoleão,
quando, na verdade, apenas os EUA não negociam com Cuba. Assim, estendendo a
versão romanceada de um entrevero comercial, Cuba, até hoje, usa El Bloqueo
como subterfúgio argumentativo para suas contumazes violações de Direitos
Humanos. Na prática, Cuba tem livre acesso ao comércio com quase 200 países no
mundo, mas só fala daquele com o qual não tem acesso ao comércio por escolhas
próprias, pois nunca considerou sequer negociar as indenizações. Tal
estratégia, como dissemos, funciona: Dilma Rousseff pediu mais uma vez o fim de
El Bloqueo durante uma visita ao país caribenho para participar de uma cúpula
com países da América Latina e do Caribe – ou seja, as Américas sem os EUA e o
Canadá. Se parece contrassenso anunciar que um bilhão de dólares serão tirados
do bolso dos brasileiros para construir um complexo exportador portuário em um
país que está sob um rigoroso embargo, é porque efetivamente o é: o embargo
americano a Cuba simplesmente não funciona exatamente por ser um embargo apenas
americano. Posando de vítima do embargo, Cuba recebe ajudas como a citada do
BNDES e não aborda suas contumazes violações de DH. Pensando bem, talvez os
Irmãos Castro só tenham conseguido manter viva sua decrépita ditadura por tanto
tempo graças aos EUA, que lhes proporcionaram um bode expiatório perfeito: El
Bloqueo.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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