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Os avançados e civilizados cidadãos suíços



 

Por Pedro Nascimento Araujo

A Suíça é um país incrivelmente bem sucedido sob qualquer aspecto que se analise. Ao pensar em países desenvolvidos, democráticos e organizados, um dos nomes que primeiro vêm à mente é o da Confederação Helvética. Sem um único cacauzeiro, faz alguns dos melhores chocolates do mundo. Com uma população menor do que a da Cidade de São Paulo, a Suíça é uma potência nas áreas esportiva (Roger Federer é apenas o nome mais recente) e econômica (seu setor bancário é tão forte que o Banco de Compensações Internacionais, uma espécie de Banco Central dos Bancos Centrais, é sediado na Basileia). Tem inúmeros laureados com o Prêmio Nobel, inclusive 9 da Paz (o Comitê Internacional da Cruz Vermelha foi o vencedor da primeira edição) e abriga pesquisas de ponta, como o CERN (onde foi descoberto o Bóson de Higgs e onde foi sido criada a World Wide Web – ou a internet como a usamos hoje) e o ITER (Reator Termonuclear Experimental Internacional, onde se estuda a fusão nuclear, que pode gerar energia atômica sem lixo radioativo emulando o sol: transformação de hidrogênio em hélio). Com quatro idiomas oficiais, a Suíça é uma democracia desde 1291 e o sistema prevê iniciativas populares de projetos de lei com predominância de democracia direta. Pois foi este pequeno e próspero país que surpreendeu o mundo ao aprovar, ainda que por uma margem minúscula (50,3% contra 49,7% dos votos), uma legislação anti-imigração extremamente dura.

A Suíça não faz parte da União Europeia. Sua recusa em um referendo em 1992 levou o país de condição mediterrânea a firmar diversos acordos bilaterais com seus vizinhos no Espaço Schengen (zona de circulação sem postos fronteiriços que abrange quase a totalidade da União Europeia e alguns países adjacentes). Na prática, a Suíça funcionava como um país da União Europeia para qualquer turista – e qualquer imigrante – e como um país fora da União Europeia para investidores quando se tratava de legislação bancária. Não mais. Devido à nova lei, o país terá de criar cotas para imigrantes – inclusive da parte ocidental da União Europeia. Este fator tem relevância porque a lei foi aprovada com um forte viés antimuçulmano – o Partido do Povo, que propôs a lei, incitou a temática na campanha: um dos cartazes mostrava uma mulher com uma burca e a legenda “1 milhão de muçulmanos em breve?”. Não que explorar o medo dos radicais islâmicos seja exatamente uma novidade na Suíça: há poucos meses, um Cantão (divisão político-administrativa da Suíça) de Tacino, na parte de língua italiana do país, proibiu as mulheres de andar de burca ou com um lenço que cubra todo o rosto. Aliás, a França já havia feito o mesmo em 2011 com a alegação de necessidade de identificação das pessoas para manter a segurança – para não dar ares de anti-islamismo, a França proibiu o uso de “símbolos religiosos ostensivos” em escolas – na prática, uma pouco disfarçada proibição do uso de véu islâmico por meninas.


Em 2009, outra campanha tendo como o alvo os islamistas gerou polêmica na Suíça. Naquele ano, os eleitores do país simplesmente votaram a favor da proibição de construção de minaretes. Um dos cartazes a favor da medida ficou famoso à época: uma bandeira da suíça coberta por minaretes que lembravam mísseis e uma ameaçadora mulher de burca no primeiro plano. Na verdade, a Suíça já vinha restringindo o acesso de pessoas do Leste Europeu ao país – mais especificamente, o alvo eram os ciganos de Romênia e Bulgária. Nisso o país alpino também não está sozinho, como comprovam as ações de “deportação” de ciganos (“roms”, como são conhecidos) feitas de forma mais velada ou mais aberta nos países da Europa Ocidental. Agora, com a nova lei, mesmo os europeus ocidentais (leia-se cristãos) terão dificuldades para entrar na Suíça. Há algo de fundamentalmente errado quando o povo de um país tão desenvolvido como a Suíça resolve se fechar. Se economicamente, não faz sentido – os suíços estão envelhecendo e os imigrantes serão a mão de obra do futuro, como de resto em todo o mundo desenvolvido (Europa Ocidental, América do Norte e Japão). O que há é um forte componente cultural, mais forte que o étnico e o religioso juntos: a imagem de opressão do islamismo é tão forte que as pessoas tendem a se esquecerem de que os radicais são minoria – e mesmo nos países nos quais eles mandam, fazem isso não pela força dos votos, mas sim pela violência. Poderia ser um medo dos suíços de ver sua multicentenária democracia ruir, mas mesmo esta hipótese parece ser pouco provável. Estigmatizar todo um grupo de pessoas pelo mau uso que uma minoria faz de uma religião já é suficientemente grave. Adotar uma intolerância semelhante àquela que a minoria do mau uso faz é simplesmente se rebaixar ao nível dos radicais. Ninguém esperava isso da Suíça. E, muito menos, dos [até então] avançados e civilizados cidadãos suíços.

Pedro Nascimento Araujo é economista

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