Pedro
Nascimento Araujo
Ser oposição é uma tarefa
indicadora de caráter: pelo comportamento como oposição se pode deduzir muito
do comportamento como situação. Nesse diapasão, a débâcle do Partido dos
Trabalhadores até que demorou bastante. Explico. Durante os longos anos desde
sua fundação, em 1980, na esteira da retomada do pluripartidarismo, até sua
ascensão à Presidência da República com a vitória de Lula da Silva em 2002, o
partido foi a pior oposição possível: sectária, virulenta, paralisante.
Sistematicamente, o PT se colocou do lado errado dos interesses do Brasil nas
grandes questões nacionais. Por exemplo, foi contra Tancredo Neves no Colégio
Eleitoral, contra a Constituição de 1988, contra a abertura às importações,
contra as privatizações, contra o Plano Real, contra a Lei de Responsabilidade
Fiscal etc. Apresentou justificativas toscas para cada uma dessas decisões –
tão toscas que nem mesmo quem as formulava acreditava nelas, a ponto de as
terem negado depois – apenas para encobrir o fato basilar de que não
colaboraria com governo algum que não fosse seu. Em suma, na oposição, o PT não
defendia o Brasil: apenas atacava a situação. Partidário do “quanto pior,
melhor”, o PT virou sinônimo do pior tipo de oposição possível. Até que virou
governo. E, uma vez no poder, teve uma vida mansa, pois descobriu que não tinha
oposição que sequer chegasse perto dele em termos de capacidade destrutiva. Foi
assim, pelo menos, até o 13º ano (ironia das ironias para um partido que usa o
número 13) de seu reinado: em março de 2015, quando milhões de pessoas foram às
ruas protestar contra o PT, ficou claro que o país não precisa de uma oposição
em Brasília: os brasileiros são a oposição. Por isso, é mais importante agora a
oposição provar que não repetirá o sectarismo e agirá contra o PT em detrimento
do Brasil. Infelizmente, não é o que se depreende das declarações recentes de
líderes da oposição – aparentemente, o PSDB acha que pode ser o PT do PT.
É bom lembrar que esta não seria
a primeira vez em que a oposição ao PT deixa de fazer o correto em nome de seus
interesses. Quando o Mensalão estourou, era hora de assumir as
responsabilidades de ser oposição, mas os tucanos escolheram deliberadamente
não fazer o certo: não quiseram pedir o impeachment de Lula da Silva com base
no que a CPI dos Correios descobriu (havia elementos concretos para tanto, como
a confissão de recebimento de dinheiro de Caixa 2 no exterior por parte de seu
marqueteiro) porque preferiam “sangrar” Lula da Silva para vencer as eleições
de 2006. Deu no que deu: Lula da Silva, que depois confessou que chegou a
cogitar renúncia, se manteve no cargo, se recuperou, se fortaleceu (a economia
estava indo de em vento em popa do auge da bolha das commodities) e se reelegeu
– e, de lambuja, ainda viria a eleger Dilma Rousseff como sua sucessora. A
oposição foi mesquinha há uma década, quando pensou apenas em seus interesses e
não no Brasil: um Presidente da República que comete um crime de
responsabilidade deve ser investigado e julgado por isso, e não poupado para
“sangrar”. Uma década depois, parece estar querendo cometer o mesmo erro:
“sangrar” Dilma Rousseff é bom para a oposição, mas não é bom para o Brasil.
Mesmo porque, até aonde a vista alcança, não há elementos para configurar crime
de responsabilidade de Dilma Rousseff – mas espera-se que, caso isso ocorra, a
oposição não se exima de seu dever para com o país em favor de seu interesse
eleitoral. Mesmo com rejeição de dois terços dos brasileiros, Dilma Rousseff
parece ser turrona demais para simplesmente renunciar; assim, a opção mais
conservadora é também a mais provável: ela terminará seu segundo mandato, ainda
que como lame duck desde antes da posse, quando ficou claro que as
mentiras deliberadamente usadas na campanha pela sua reeleição não resistiriam
até sua segunda posse – a demissão antecipada de Guido Mantega foi a prova mais
cabal que poderia haver. E eis que a teimosa presidente nomeia Joaquim Levy, um
eleitor e ativista de Aécio Neves para substituir o inacreditavelmente longevo
Mantega.
A nomeação de Levy pareceria, à
primeira vista, um sequestro da agenda oposicionista, mas comparar Dilma Rousseff
ao Visconde do Rio Branco [Legenda histórica: um dos maiores estadistas
brasileiros e pai do Barão do Rio Branco, o Visconde do Rio Branco foi Premier
entre 1871 e 1875, quando seu Gabinete presidiu a chamada “Era de Ouro” do II
Reinado, período de grande crescimento e estabilidade após o final da Guerra do
Paraguay. Conservador, Rio Branco adotou medidas defendidas pelos Liberais,
sequestrando, assim, a chamada Agenda Liberal para seu governo. Em consequência
da ação de Rio Branco, os Liberais não recuperariam uma agenda própria até a
Novembrada de 1889.] é esticar demais a corda sob qualquer ótica. Na verdade,
Dilma Rousseff não pode sequestrar a agenda oposicionista simplesmente porque
ela não acredita que errou ao adotar a sua própria agenda, e apenas aceitou
Levy como um doente aceita um remédio amargo e inevitável. Quando Levy propõe
um necessário ajuste fiscal, bandeira que Aécio Neves defendeu durante a
campanha de 2014, o correto seria esperar um apoio incondicional dos tucano a
essa medida. Mas, aparentemente, tucanos não aprendem, e o partido está se
encaminhando para ser contra a medida no Congresso Nacional. Certamente, virá
uma justificativa, tão tosca, sem fundamento e efêmera como foram as
justificativas do PT para ser contra tudo que era bom para o Brasil (Tancredo
Neves, Constituição de 1988, Plano Real etc.) simplesmente porque beneficiaria
outros grupos políticos. Os tucanos querem constranger Dilma Rousseff a
defender coisas que eles defendem para acusá-la de estelionato eleitoral, incoerência
etc. Eles preferem prejudicar o Brasil a ajudar Dilma Rousseff a fazer o que é
certo – em suma, querem agir como o PT sempre agiu quando era oposição e,
depois, vão espernear quando disserem que o PSDB não é tão diferente assim do
PT quanto diz ser. Se o PSDB começar a ser o PT do PT, os próximos anos serão
muito ruins – e não apenas para Dilma Rousseff (de resto, já seriam muito ruins
mesmo), mas também para o Brasil. Não é esse o comportamento que se esperaria
dos tucanos.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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