Por
Pedro Nascimento Araujo
Foi há apenas seis anos, mas
parece que foi em priscas eras. Em 2009, o mundo estava ainda sob o efeito do
15 de Setembro de 2008 – data em que o Lehman Brothers quebrou, levando de
roldão o sistema financeiro mundial ao que se conhece como Grande Recessão, que
durou de 2007 a 2013 (2007 a 2009 nos Estados Unidos). Com a economia em
frangalhos, as esperanças de avanços em outras áreas se voltaram para a bela
Copenhague, aonde aconteceu a famosa COP-XV (Décima-Quinta Conferência das
Partes) dos signatários da Convenção-Quadro Sobre Mudanças Climáticas da UNCED (Conferência
das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, um dos legados da
Rio-92). A sopa de letrinhas ganha significado quando se cita o Protocolo de
Kyoto (1997), assinado durante a COP-III (em Kyoto, Japão), cuja renovação era
a esperança de Copenhague. Líderes mundiais compareceram em peso. Barack Obama,
recém-laureado com o Prêmio Nobel da Paz (uma premiação que premiou o desejo
que a Real Academia Sueca nutria acerca do premiado, provando que não são
apenas brasileiros os enganados por um bom marketing político), foi a estrela
da festa. Lula da Silva, com popularidade nas nuvens, posava de paladino da
defesa dos interesses dos pobres e da cobrança da responsabilidade dos ricos –
chegou a articular com África do Sul, China e Índia a criação do BASIC, grupo
monotemático para mudanças climáticas que queria manter metas obrigatórias de
redução de emissão de Gases Efeito-Estufa (GEE) apenas para os países de
industrialização antiga (como Rússia e Estados Unidos) e obtenção de
financiamento desses países para que os países de industrialização recente
(como o BASIC) pudessem converter seus parques industriais para gerar menos
carbono. A COP-XV não conseguiu atingir as aspirações do mundo, mas houve
progressos. Na verdade, muita coisa mudou para melhor desde então, e o mundo
conta com a COP-XXI, marcada para o final deste ano em Paris, para criar um
grande acordo com metas vinculantes para todos que substitua Kyoto-1997. Quando
todo mundo avança, o Brasil dá mais um passo em falso.
Na semana passada, o Ministro da
Secretaria de Assuntos Estratégicos (com 39 ministérios, que só não chegam a 40
para evitar a inevitável comparação com o bando de Ali Babá, é razoável ter
nomes que não queiram dizer coisa alguma), o notório Mangabeira Unger (ele tem
mais mudanças de ideia acerca do lulupetismo ser bom ou ruim para o país do que
o Aloisio Mercadante tem sobre quanto tempo duraria o “irrevogável” do caráter
irrevogável de sua renúncia) demitiu sem explicações o Secretário (Sérgio
Margulis) e a Diretora de Desenvolvimento Sustentável (Natalie Unterstell) e
não pretende indicar substitutos. Sérgio Margulis e Natalie Unterstell estavam
finalizando um estudo de alto nível que estimava os impactos do aquecimento
global no Brasil, como os custos necessários para mitigar seus efeitos. Ocorre
que, para a COP XXI (Paris, dezembro), todos os 195 países membros da
Convenção-Quadro Sobre Mudanças Climáticas da UNCED deverão apresentar as metas
de corte de emissões de GEE que considerem factíveis até o final de setembro em
um documento chamado INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida,
na sigla em inglês). Na prática, isso significa que o Brasil está correndo
risco de propor metas que não serão baseadas em dados precisos. Entrar assim na
negociação do novo acordo (repita-se, que terá metas obrigatórias) que
substituirá o Protocolo de Kyoto-1997 é, no mínimo, temerário. Em outras
palavras, os dados que deveriam embasar o Itamaraty nas negociações da COP-XXI
não estarão disponíveis. O Brasil vai negociar sem saber até aonde pode ir, mas
aparentemente o chefe dos assuntos estratégicos na Esplanada dos Ministérios
não considera estratégico ter informações durante negociações. Mangabeira Unger
é polêmico há tempos, e não apenas por atacar e defender com a mesma virulência
o lulopetismo a cada mudança de maré. Na área ambiental, seu embate com Marina
Silva, quando ele ocupava o mesmo cargo no primeiro governo de Lula da Silva e
ela era titular do Ministério do Meio-Ambiente, foi a espoleta para a saída da
acreana do governo – depois de desavenças diretas com Dilma Rousseff, então
Ministra das Minas e Energia, nas quais Lula da Silva exultava publicamente
Rousseff, a entrega da gestão do Plano Amazônia Sustentável para Mangabeira
Unger foi o último ato do esvaziamento político deliberado contra Marina Silva;
algo que, naquele momento, ela não poderia imaginar seria uma brincadeira de
criança diante da violência dos ataques do lulopetismo (promovidos pelo mesmo
trio) dos quais foi alvo durante as eleições presidenciais do ano passado.
Negociar no escuro é amadorismo demais, mesmo para o Brasil. Mas,
aparentemente, o Itamaraty também não está muito preocupado com isso.
O Itamaraty, cuja história
decididamente não foi construída fazendo negociações sem balizas, parece
concordar com Mangabeira Unger. A diplomacia pátria vem adiando paulatinamente
o prazo para entregar o INDC. Agora, se admite publicamente entregar no último
dia possível. A explicação faz sentido em negociação, mas não em defesa do
planeta: a ideia é esperar que outros mostrem o tamanho do esforço que
pretendem fazer para que o Brasil ofereça algo que seja o mínimo necessário
para não ficar fora da negociação. Ou seja, na agenda ambiental, o Brasil
deixou claro que, ao invés de querer puxar o resto do mundo, prefere ser
puxado. Uma mudança e tanto quando se pensa na COP-VX (Copenhague, 2009). Era,
decididamente, outro mundo: Obama e Lula da Silva estavam no auge das suas
popularidades. Eles foram pessoalmente se engajar em negociações para pedir
mais esforço e mais sacrifício em nome do bem das gerações futuras. O espírito
não era o de ser rebocado, mas de ser rebocador. O mundo, é relevante lembrar,
estava na fase aguda da Grande Recessão – e Lula da Silva e Barack Obama
estavam dispostos a fazer sacrifícios. Seis anos depois, quando o mundo já
venceu a Grande Recessão, o Brasil mudou sua postura, mas os Estados Unidos
não: Obama, hoje, na metade do seu último mandato, já é um perfeito lame
duck, que passa por seguidas e humilhantes derrotas em um Congresso
oposicionista. Todavia, conseguiu fazer a China aceitar as metas vinculantes
junto com os Estados Unidos; ou seja, os dois maiores emissores mundiais de GEE
resolveram entrar no jogo para rebocar. Uma vitória no campo de política
internacional que ajuda a recompor a combalida biografia de Obama. Aqui, no
rebocado, a lugar-tenente de Lula da Silva, Dilma Rousseff, consegue uma proeza
maior: ser uma perfeita lame duck no início do primeiro de quatro
anos de seu último mandato, que passa por seguidas e humilhantes derrotas em um
Congresso situacionista, algo que desafia a mais elementar das lógicas. Mas, ao
invés de usar a agenda externa para alavancar o Brasil (e a sua própria
popularidade, macérrima), ela prefere orientar (ou não orientar, mais parece) o
Itamaraty a agir como um país de segunda linha também na seara ambiental,
piorando ainda mais sua reputação. Vamos para a COP-XXI sem dados (Mangabeira
Unger), sem orientação (Dilma Rousseff) e com uma estratégia perdedora
(Itamaraty). Falta explicar o porquê do último item, a estratégia perdedora: os
países que estão dispostos a fazer sacrifícios (rebocar) estão apresentando
suas metas antes (foi sugerido que os maiores emissores de GEE, grupo do qual o
Brasil faz parte, apresentem suas INDC ainda no primeiro semestre), exatamente
para que os rebocados, que apresentarão suas INDC no final, saibam até aonde os
rebocadores pretendem ir no acordo que sucederá Kyoto-1997. Isso já demonstra a
pequenez de nossa posição: preferimos agir como rebocados, quando deveríamos
ser rebocadores, mas pode piorar. Isso porque, na COP-XXI, os rebocadores
pretendem incluir mecanismos de revisão permanente de metas a cada cinco anos; assim,
não adianta começar tentando jogar como quem joga uma vez só. Em Economia, há
um ramo chamado Teoria dos Jogos, que analisa as estratégias para cada tipo de
negociação para escolher-se a melhor. Em Teoria dos Jogos, dir-se-ia que o
acordo que sucederá Kyoto-1997 vai funcionar como um jogo de interações
sucessivas. Nesses casos, o melhor resultado é obtido por meio da cooperação
entre todos, rebocadores e rebocados: as revisões periódicas das metas garantem
isso. Assim, estamos perdendo a chance de liderar na agenda ambiental em troca
de nada. Em meio-ambiente, escolhemos deixar de ser rebocadores para ser
rebocados a troco de absolutamente nada.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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