Por Pedro Nascimento Araújo
No último Sábado (24-Ago-2013), o
Itamaraty aplicou um monumental Bigode em Evo Morales e em Dilma Rousseff: a
fuga do Senador Pinto Molina da Bolívia para o Brasil. A expressão surgiu
durante a Revolta da Armada de Armada de 1895: para combatê-la, Floriano
Peixoto contratou de um armador privado nos Estados Unidos chamado Flint a
chamada “Esquadra de Papel”, nada mais que navios mercantes equipados com armas
obsoletas. Quando o governo controlou a situação e se preparava para aprisionar
e punir os líderes do movimento, estes fugiram secretamente para o Sul do
Brasil em navios de Portugal que estavam fundeados na Baía de Guanabara: a
expressão “levar um Bigode” é uma referência direta – e bastante estereotipada
– aos portugueses que significa ser enganado de forma humilhante. Evo Morales e
Dilma Rousseff, é bom que se diga, criaram as condições que permitiram que
tomassem o Bigode de suas vidas, que também deve custar o cargo de Chanceler de
Antonio Patriota – o Bigode, na verdade, foi planejado e executado pelo
Itamaraty.
Pinto Molina é um Senador do
Estado Plurinacional da Bolívia e estava na Embaixada da República Federativa
do Brasil há exatos 445 dias. Sua situação é sui generis: ele acusa e é acusado
pelo governo de Evo Morales de corrupção. As denúncias mais graves de Molina,
todavia, dizem respeito ao envolvimento de altas autoridades bolivianas com o
narcotráfico – inclusive o atual ocupante do Palácio Queimado, sede do governo
boliviano, Evo Morales. As suspeitas acerca do envolvimento de políticos
bolivianos com o narcotráfico são fundamentadas por um número impressionante:
desde que Morales assumiu o comando do país, a Bolívia mais que dobrou sua
exportação de cocaína. Molina afirma, com razão, que suas denúncias não foram
apuradas pela justiça boliviana: seguindo à risca o preceito de Chávez, Morales
controla o Poder Judiciário e, seguindo à risca o preceito de Sarney, Morales
dá tudo aos amigos e dá a lei aos inimigos – e o Senador Pinto Molina, líder da
oposição no Congresso Nacional Boliviano a autor de inúmeras denúncias acerca
do envolvimento do Palácio Queimado com o narcotráfico, tem todos os
ingredientes para ser classificado por Morales como inimigo. Todavia, não é
possível nem saber se Molina é corrupto nem se suas denúncias são verdadeiras
por absoluta falta de transparência e de isenção da justiça boliviana. Essa é
uma das razões que colocam Evo Morales na origem do Bigode. Quando Pinto
Molina, dizendo-se perseguido político, refugiou-se na Embaixada do Brasil em La Paz, onde, após 10 dias,
o Brasil concedeu-lhe asilo político, Dilma Rousseff entrou na origem do
Bigode. Há exatos 435 dias.
Enquanto saber se as denúncias de
e contra Pinto Molina estão certas ou erradas é tarefa impossível por ora, a
recusa do Palácio Queimado de conceder-lhe um salvo-conduto para ir ao Brasil
na condição de asilado político dele é inquestionavelmente uma violação do
Direito Internacional: na América Latina há um Costume Regional de
salvo-conduto, o que significa dizer que, nesses países, sempre – sempre – que
alguém obtém asilo político, os governos são obrigados a conceder o
salvo-conduto para saída do país. É uma peculiaridade regional da América
Latina que tem força de lei e que não se aplica a outras regiões do mundo:
Julian Assange está abrigado na Embaixada do Equador em Londres e o Governo de
Sua Majestade, ao contrário dos governos de países da América Latina, não tem
obrigação nenhuma de conceder-lhe um salvo-conduto para ir ao Equador, país que
lhe concedeu o asilo político. Evo Morales violou o Direito Internacional ao
ignorar o Costume Regional e tratou o Brasil como um país que não é respeitado
– o que, em países mais honrados, seria suficiente para gerar protestos
veementes, para dizer o mínimo. Obviamente, a Bolívia sabia que poderia fazer
isso sem precisar temer uma reação decente do Brasil: conforme acertadamente
previsto por Morales, nossa diplomacia adotou mais uma vez a inacreditavelmente
tradicional atitude ininteligível de subserviência a desmandos de vizinhos mais
fracos – uma estratégica patética, incoerente, improdutiva e inútil da qual a
Bolívia já se utilizou em ocasiões anteriores, como quando tomou manu militari
ativos da Petrobras (2006) ou revistou aeronaves oficiais do Brasil sem
autorização (2012). Mas, para azar de Morales, ainda há no Itamaraty pessoas
que atuam independentemente dos equívocos internacionais do governo de plantão,
seguindo uma tradição que remonta a casos como o do famoso comunicado não
entregue pelo Embaixador do Brasil em Santiago.
Obviamente, isso não quer dizer
que Eduardo Saboia, o diplomata que estava à frente da Embaixada do Brasil em La Paz, não tenha cometido
uma insubordinação e não deva ser punido. Se ele não concordava com a posição
brasileira, tinha canais no próprio Itamaraty para apresentar seus argumentos.
Se, ainda assim, não quisesse cumprir o que lhe foi determinado por seus
superiores, que pedisse baixa – ou que se elegesse Presidente da República para
comandar a política externa do Brasil. Fazer o que ele fez (utilizar veículos
da Embaixada do Brasil como meio de transporte e utilizar Fuzileiros Navais
como seguranças) para contrabandear Pinto Molina para fora da Bolívia sem
autorização do Chanceler Antonio Patriota foi uma insubordinação que não pode
ser ignorada pelo Itamaraty, por mais correto que tenha sido seu ato de
trasladar da Bolívia para o Brasil Pinto Molina, Senador da Bolívia cujo asilo
político havia sido concedido pelo governo brasileiro e a quem o governo
boliviano negou salvo-conduto, Costume Regional da América Latina, para ir da
Bolívia ao Brasil. Agindo por conta própria, o Itamaraty, por meio de Eduardo
Saboia, aplicou um fenomenal Bigode em Evo Morales e em Dilma Rousseff – um
Bigode que ambos (assim como Antonio Patriota, que deve perder o cargo de
Chanceler por conta disso) jamais esquecerão. Pinto Molina está no Brasil e a
Bolívia anunciou intenção de pedir sua extradição. Será irônico ver o Brasil
analisar o pedido de extradição de Pinto Molina: Dilma Rousseff recusará ou
aceitará? E, se recusar, será que usará argumentos semelhantes aos usados por
Lula da Silva no caso de Cesare Battisti? Independentemente disso, o caso de
Pinto Molina serviu, ao menos, para nos lembrar da força do Itamaraty,
instituição que, às vezes, se recusa a servir ao governo para continuar a
servir ao Brasil.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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