O grupo Titãs, em mais de três
décadas de bons serviços prestados à música brasileira, tem um álbum cujo
título é um primor sobre efemeridade e estardalhaço de notícias: A melhor banda
de todos os tempos da última semana. Gravado entre junho e agosto de 2001,
portanto pouco antes de o Século XXI começar de facto com o 11 de
Setembro, é um álbum excelente sob qualquer aspecto (letras de Torquato Neto e
de Ciro Pessoa apenas abrilhantam o de resto brilhante conjunto) que acabaria
marcado por Epitáfio, canção singela de Sérgio Brito associada à trágica morte
do guitarrista Marcelo Fromer durante a produção, embora tenha sido composta
antes do atropelamento fatal. Dezesseis anos depois, dada a velocidade
estonteante com que as notícias se sucedem na Lava-Jato, é inevitável parodiar
os roqueiros do Titãs e falar que as gravações que Joesley Batista fez de
Michel Temer são o maior escândalo de todos os tempos da última semana – e que,
na próxima semana, outro [ainda] maior escândalo de todos os tempos o suplantará,
mas dificilmente será o caso: o que aconteceu nessa semana é extremamente
grave. Ainda que fique até o último dia no cargo, o governo de Michel Temer
acabou. Game Over. A situação é tão grave que se tem como certo que,
simplesmente, exceto mediante o surgimento de uma reviravolta no melhor estilo Deux
ex Machina, o Brasil muito provavelmente terá outro presidente para terminar o
mandato da chapa eleita em 2014, com Dilma Rousseff e Michel Temer – alguém
que, conquanto eleito indiretamente, terá sobre as costas a hercúlea tarefa de
aprovar as reformas que Temer estava comandando. A situação de Michel Temer
chegou nesse estágio muito rapidamente, o que é lamentável politicamente
falando. Lamentável porque, tão logo assumiu o Palácio do Planalto sucedendo Dilma
Rousseff, Temer começou a pautar o Brasil, algo que Rousseff simplesmente não
fez em seu governo e meio. Obviamente, suceder a Dilma Rousseff em virtualmente
tudo é quase garantia de sucesso: estamos falando de um dos piores (se não o
pior) governos da história, responsável direto pela maior recessão de todos os
tempos – Rousseff conseguiu a proeza de, sozinha e em um período de recuperação
econômica internacional, colocar o Brasil em uma recessão maior do que a que se
seguiu à Crise de 1929, um espantoso e terrível prodígio de incompetência, para
dizer o mínimo. Assim, bastaria a Temer não fazer tanta besteira e seu lugar na
história já estaria garantido. Mas o descendente de libaneses foi além. Quis
entrar pela história por aquela via estreita pela qual somente os estadistas
podem passar: ao invés de perseguir o aplauso fácil do populismo e da
irresponsabilidade fiscal, que rendem glória momentânea e fazem com que seus
perpetradores entrem em paulatino processo de encolhimento perante os olhos da
história (casos emblemáticos: Afonso Pena e Juscelino Kubistchek), Temer
escolheu a via de vaias no presente, decorrentes de decisões de baixo apelo
popular e que impõem sacrifícios efêmeros, e aplausos no futuro, decorrentes de
benefícios de longo prazo e do reconhecimento pela história de que se tratava
de um estadista (casos emblemáticos: Campos Salles e Fernando Henrique
Cardoso).
Assim, para ser reconhecido no
futuro por suas ações, Michel Temer propôs ao Brasil que se fizessem as tão
adiadas e necessárias reformas estruturais, paradas desde que Fernando Henrique
Cardoso passou a faixa presidencial para Lula da Silva em 2003. E o Congresso
Nacional encampou a pauta estadista, antipopular e antipopulista de Michel
Temer, algo que é mister ser creditado ao excelente trânsito do presidente ora
em desgraça com o Poder Legislativo, de onde ele veio. É importante se
reconhecer que, com Michel Temer, as relações políticas foram quase idênticas
àquelas observadas em países parlamentaristas atuais ou no próprio Brasil até o
golpe militar que depôs D Pedro II: não se tem registro de uma
presidência que fosse tão imbricada com o parlamento quanto a que ora estava em
andamento – e foi abatida em pleno voo pela gravação de Joesley Batista.
Como a história verá Michel Temer
vai depender do grau de envolvimento dele no frenesi de corrupção comandado
pela Friboi. Todavia, pelo que se depreende do episódio (não somente a gravação
em si, como também as circunstâncias no mínimo fortuitas que acompanharam a
flagrantemente imprópria e clandestina conversa de um presidente no exercício
do cargo com um corruptor notório), não há escapatória para Temer. Assim, o que
se discute aqui é se o envolvimento dele com a corrupção se provará grande a
ponto de eclipsar por completo as boas realizações que ele capitaneou em pouco
mais de um ano de governo. E, nesse ponto, há de ser correto um lamento pelo
risco de perdermos novamente a efusiva agenda reformista; todavia, em hipótese
alguma, competência administrativa pode ser pretexto para malfeitos,
notadamente corrupção – assim, conquanto lamentável, o governo de Michel Temer
entrou em modo Game Over. O fato de o reformismo correr riscos sérios de acabar
é lamentável sob todos os aspectos. Michel Temer já havia aprovado um
importantíssimo instrumento de limitação da discricionariedade estatal: ao
incluir na Carta Magna a limitação ao crescimento das despesas governamentais
ao repasse inflacionários, não obteve uma panaceia, mas certamente deu um
primeiro passo no sentido de reduzir o mastodôntico estado brasileiro. Também
estão no forno do Congresso Nacional duas reformas cruciais: previdenciária e
trabalhista. Uma parte da trabalhista já foi feita, com a ampliação da
terceirização para incluir as atividades-fim, um importante passo para
desmontar o arcaico sistema trabalhista criado no fascismo que ora nos rege.
Outra parte, igualmente importante, já foi aprovada pela câmara baixa e inclui
a prevalência da negociação e, principalmente, o fim do surreal dia anual de
escravidão legal para o sindicato a que cada trabalhador brasileiro era
submetido – graças ao imposto sindical obrigatório, todo trabalhador brasileiro
registrado é obrigado a trabalhar de graça durante um dia, com todos os
rendimentos daquele dia sendo destinados ao sindicato.
A coitada da Princesa Isabel
morreu sem imaginar que ainda seríamos capazes de criar outro mecanismo legal
para a prática reiterada de trabalhos forçados sem remuneração, ainda que
limitado a um dia por ano. A aprovação na câmara alta, entretanto, entrou em
compasso de espera. Situação mais periclitante vive a reforma do sistema
previdenciário, que nem começou a ser votada – por ser emenda constitucional,
carece de vencer duas aprovações por dois terços dos membros de cada câmara
legislativa. A reforma previdenciária, aliás, já foi devidamente aleijada nas
negociações quando o governo ainda era politicamente forte – e, agora que o
governo está em final antecipado de mandato, virou o alvo preferencial daqueles
que, por cinismo ou por ingenuidade, não querem mexer no maior concentrador de
renda do país. As reformas tributária e eleitoral, também extremamente
necessárias, ainda estão tão incipientes que são pouco mais do que propostas de
reformas. Para quem assumidamente pretendia entrar para a história como um
grande reformador, Michel Temer restará comemorar se não sair do Palácio do
Planalto preso. Game Over para ele, Game Start para o próximo presidente, a ser
eleito indiretamente, conforme previsão constitucional. Temer ainda tem a
chance de coordenar sua saída e interferir para garantir que a eleição de seu
sucessor tenha como desfecho um nome comprometido com levar as reformas
estruturais adiante (algo absolutamente parlamentarista, por sinal), ou
aguardar que os parlamentarem cheguem a um consenso sobre quem vai sucedê-lo e
simplesmente decidam iniciar mais um impeachment – um processo lento e
humilhante, que atrasaria ainda mais o andamento da agenda reformista pela qual
Temer tanto lutou. Só nos resta aguardar quem será o próximo presidente, mas,
dada a velocidade estonteante da Lava-Jato, os versos de A melhor banda de
todos os tempos da última semana soam incrivelmente atuais: O gênio da
última hora / É o idiota do ano seguinte / O último novo-rico / É o mais novo
pedinte // Os bons meninos de hoje / Eram os rebeldes da outra estação / O
ilustre desconhecido / É o novo ídolo do próximo verão.
Pedro Nascimento Araujo é
economista.
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