Por Pedro Nascimento Araujo
São Mateus não é um bairro
particularmente conhecido na cidade de São Paulo. Faltam-lhe atrações
turísticas e sobram-lhe problemas. Localizado na Zona Leste da capital dos
paulistas, São Mateus é um típico bairro paulistano de classe média – em termos
de renda, não pode nem ser comparado ao Jardim Irene (tornado mundialmente
célebre por Cafu ao erguer a taça da Copa do Mundo FIFA 2002) nem a Cerqueira
César (aonde há lojas e restaurantes sofisticados). Em suma, um local que só
entra no noticiário ou quando um morador local se torna famoso ou quando ocorre
alguma tragédia. Infelizmente, foi por causa do último motivo que, no dia
27-Ago-2013, São Mateus entrou para a pauta nacional de notícias: um prédio em
construção desabou, deixando 10 mortos e 26 feridos; na verdade, como a obra
era irregular e, mesmo embargada, não deixou de ser feita, falar em tragédia é,
no mínimo, eufemismo – o que houve não foi obra do acaso.
Evidentemente, após o fait
accompli, surgiram vozes censurando a postura de todos os envolvidos. Vozes,
diga-se, coerentes em grande parte. Comecemos pelo próprio edifício. O que
estava sendo construído, um prédio de 2 andares, não havia sido aprovado. Se o
edifício estava errado, não menos errada estava a construtora Salvatta
Engenharia, que não se incomodou e continuou construindo 2 pavimentos – no dia
do desabamento, havia 37 operários trabalhando na obra. Neste ponto, quando o
setor privado já havia errado tudo o que poderia errar, o setor público
mostrou-se tão incompetente quanto. Pouco após a obra ter sido embargada (em
25-Mar-2013, 5 meses antes do desabamento), o fiscal que efetuou o embargo
pediu exoneração. Desde então, não se tocou mais no assunto. Não foi nomeado
fiscal substituto. Ou seja, não era apenas o edifício que desabou em São Mateus que estava
sem fiscalização: havia – e há – vários outros desastres potenciais na mesma
situação. Mesmo sem fiscal para a região por 5 meses, o chefe do fiscal não
tomou atitude alguma e concorreu para a tragédia. Mas o chefe imediato do
fiscal não é o único chefe do fiscal: há o chefe máximo – e, na Prefeitura de
São Paulo, o chefe máximo atende por Fernando Haddad.
O chefe máximo é um homem
controverso. Fernando Haddad não é conhecido por ser um homem de competências
executivas brilhantes: foi em sua atuação à frente do Ministério da Educação
que ocorreram as mais tristemente célebres e variadas trapalhadas com o ENEM.
Fernando Haddad também não é conhecido por ser um homem de convicções
ideológicas brilhantes: foi capaz de relativizar as atrocidades de Josef
Stálin, um dos maiores carniceiros da humanidade, ao declarar que, assim como
Adolf Hitler, Stálin era um genocida, mas, ao contrário de Hitler, Stálin havia
lido livros comunistas, o que, na mente de Haddad, deveria ter tornado os
assassinatos suas vítimas de Stálin algo palatável. Por fim, Fernando Haddad
não é conhecido por ser um homem de habilidades políticas brilhantes: foi
eleito prefeito de São Paulo no primeiro pleito do qual participou, beneficiado
tanto pela ajuda do ex-presidente Lula da Silva (de quem, orgulhosamente, dizia
ser “o segundo poste”, em alusão a Dilma Rousseff) quanto pela impopularidade
de Gilberto Kassab e de seu padrinho político José Serra – vale lembrar que o
desejo de mudança em São
Paulo era tão forte que, até literalmente às vésperas da
eleição de 2012, Celso Russomano era o candidato favorito. Porém, na esteira do
episódio de São Mateus, o chefe máximo, ao contrário do que havia feito durante
os protestos do Junho de 2012, reagiu de forma interessante, ainda que tardia e
insuficiente.
O que Haddad fez foi
disponibilizar na internet, para acesso por qualquer pessoa, a lista das obras
embargadas na cidade de São Paulo. No momento da divulgação, havia 578 obras
embargadas na cidade de São Paulo – 19 das quais em São Mateus, o mesmo
bairro no qual ficava o prédio embargado que desabou em 27-Ago-2013. São obras
que a Prefeitura Municipal de São Paulo deveria garantir que não seriam
executadas enquanto não fossem liberadas, mas simplesmente não o faz. Pode ser
por causa de um fiscal omisso ou corrupto, de um fiscal exonerado, de um chefe
de fiscalização omisso, corrupto, exonerado ou sobrecarregado, de um secretário
mais interessado em construir uma base política que em fazer seu dever: a lista
de possibilidades é virtualmente infinita. Haddad, então, resolveu dividir a
responsabilidade de seu governo com a população. Agora, ele espera que os
paulistanos vizinhos às obras cumpram o papel que caberia a seu governo e
chamem as forças de segurança pública para impedir que uma obra cujo embargo é
de conhecimento público prossiga sendo executada. Há grandes chances de dar
certo.
Lamentavelmente, a participação
popular voluntária na administração publica é pouco estimulada no Brasil, mas
há países nos quais a participação efetiva das pessoas tanto na definição
acerca das aplicações dos recursos quanto na fiscalização acerca do uso destes
recursos é um traço cultural. Isso é particularmente emblemático em uma
megacidade como São Paulo, mas também pode ser feito em cidades médias, como
Cabo Frio e Petrópolis. Ao contrário do que ocorreu com Haddad, Alair Corrêa e
Rubens Bomtempo podem fazê-lo melhor, com mais profundidade e pelos motivos
certos, não pressionados por demonstrações inequívocas de incompetência – que
podem mesmo suscitar responsabilidade criminal – como aconteceu em São Mateus. Uma
iniciativa como essa, que compartilhasse com a população todos os problemas que
a cidade enfrenta, visando angariar o apoio popular para, conjuntamente,
resolvê-los, aproximaria os lados interessados na superação das dificuldades,
além de inviabilizar absurdos como a inação de fiscais diante de casos como o
de São Mateus. Não é fácil reconhecer e expor os problemas que enfrenta. Porém,
quando reconhece haver disposição efetiva para enfrenta-los, a população luta
ombro a ombro com o poder público. Haddad, pressionado e sem querer, iniciou
isso em São Paulo,
uma cidade grande. Outras cidades, especialmente cidades médias como Petrópolis
e Cabo Frio, têm a oportunidade de fazê-lo conscientemente e baseadas na
vontade de melhorar.
Pedro Nascimento Araujo é
economista
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