Por Pedro Nascimento Araujo
Ser líder de uma grande potência
não é tarefa fácil: não importa qual seja a sua decisão, haverá sempre críticas
pesadas, tanto internamente quanto internacionalmente – principalmente quando
se é um líder eleito democraticamente. Uma grande potência tem
responsabilidades maiores que os demais países. Se optar pelo isolacionismo,
será acusada de egoísmo e de insensibilidade para com os infortúnios dos mais
fracos – afinal, quem poderia proteger um povo que está sendo dizimado por um
ditador além de uma potência com poder para coagi-lo a cessar as agressões? Por
outro lado, se optar pelo intervencionismo, será acusada de agir como polícia
do mundo sem mandato, que atropela soberanias em nome de interesses próprios.
Decididamente, comandar uma potência não é simples, mas a coisa pode piorar se
o líder dessa potência foi eleito com a promessa de não se envolver em novas
aventuras militares basicamente porque, recentemente, seus antecessores se envolveram
em conflitos que custaram vidas e recursos e minaram a confiança da opinião
pública em ações intervencionistas. Todavia, apesar disso, durante seu mandato
um ditador de um país importante geopoliticamente acintosamente começa a
cometer atrocidades contra sua própria população. Além disso, o ditador
desenvolve um programa ilegal de armamentos. Pior, esse ditador ainda conta com
a simpatia de alguns países poderosos que o defendem diplomaticamente de
qualquer tentativa da potência de formar consensos para pressiona-lo. Não seria
de causar espanto se o líder da potência preferisse evitar um conflito contra
esse ditador e costurasse uma paz – qualquer paz, ainda que, no fundo, saiba
ser rasa, transitória e ilusória: uma paz que jamais resolverá o problema
daqueles que sofrem abusos do ditador, mas que, por outro lado, permitirá ao
líder da potência honrar sua aura de pacifista, ainda que muitos mais corpos
sejam acumulados para mantê-la. Em suam, uma paz que é feita sabendo-se do
risco de o futuro trata-la como um fiasco patrocinado por um covarde. Estados
Unidos e Síria: Barack Obama e Bashar al-Assad, 2013? Não. Reino Unido e
Alemanha: Neville Chamberlain e Adolf Hitler, 1938. Exatamente 75 anos após – o
chamado Jubileu de Diamantes – a celebração dos infames Acordos de Munique,
Obama soprou as velas na festa.
Premier do Reino Unido, uma das
maiores potências mundiais de sua época, Neville Chamberlain, assim como Obama,
era um dos homens mais poderosos do seu tempo. Com razão, não queria empurrar
os britânicos para outro conflito com a Alemanha, mormente depois dos
gigantescos custos – humanos, materiais, financeiros – que a Grande Guerra (1914 a 1918), que depois
viria a ser conhecida por I Guerra Mundial, contra a mesma Alemanha, infligira
a seu povo. Por isso, Chamberlain procurou contemporizar com Hitler. O ex-cabo
austríaco já havia incorporado territórios aos domínios alemães e já havia
rasgado as proibições de rearmamento determinadas no Acordo de Versalhes, mas
Chamberlain preferiu não enfrenta-lo. Para manter-se bem com a opinião pública
britânica, Chamberlain concordou que Hitler incorporasse, aos arrepios de
qualquer razoabilidade legal, os Sudetos da Tchecoslováquia, desde que parasse
por ali. Chamberlain acreditava em lobos vegetarianos. Como não os há, foi
mortalmente mordido menos de um ano depois pela invasão e partilha
nazi-soviética da Polônia. Perdeu o cargo para Winston Spencer Churchill, que
teve de liderar o Reino Unido em uma guerra que se tornou muito mais sofrida e
longa: por conta do período de salvo-conduto que Chamberlain lhe deu, o lobo
nazista não apenas afiou suas presas e garras com novas e mais modernas armas,
como também arrumou um aliado de peso: os dois maiores países totalitários do
mundo – a Alemanha nazista e a Rússia soviética – deram-se as mãos para
combater as democracias. Chamberlain, que chegou a exibir um compromisso de paz
(que Hitler nunca pretendeu cumprir) como prova de sucesso de seu pacifismo,
entrou para a história pela porta dos fundos como um fracasso em termos de
política externa e da manutenção da paz e da segurança internacionais.
Talvez seja diferente com Barack
Obama, homem cujos discursos hipnóticos garantiram a ele não apenas duas
eleições para Presidente dos Estados Unidos da América, como também respeito e
admiração mundiais. Obama conseguiu a proeza de ganhar um Nobel da Paz pouco
após assumir o cargo, sem tempo de fazer nada para justificar a premiação em
sua encarnação de pessoa mais poderosa do mundo – os outros Presidentes dos EUA
que receberam o Nobel da Paz efetivamente agiram em favor da paz: Theodore
Roosevelt (1906, pela mediação que levou ao fim da Guerra Russo-Japonesa),
Woodrow Wilson (1919, pelos esforços de criar um mecanismo de concertação
internacional e de manutenção da paz mundial, a Sociedade da Liga das Nações) e
Jimmy Carter (2002, por esforços pela paz mundial como os históricos Acordos de
Camp David entre Israel e Egito). Sem nada disso em seu currículo, Obama teve
como mérito sua história pessoal (um negro de classe baixa que conseguiu uma
bolsa para estudar Direito em Harvard, foi eleito senador por Illinois – Estado
de Abraham Lincoln – e, apenas 2 gerações após a Suprema Corte declarar
inconstitucionais as leis racistas de alguns Estados do Sul, ser eleito
Presidente) e a ampla repulsa mundial a tudo que simbolizava os 2 governos de
George W. Bush (intervencionismo unilateral, programas de vigilância, supressão
de liberdades individuais em Guantánamo, invasões de privacidade etc.). Obama
foi laureado porque o mundo imaginava que ele seria o homem que moldaria os EUA
para o Século XXI, encarnando os mais nobres valores da humanidade no país mais
importante para a manutenção destes valores no Século XX. Só que não.
Em termos de política externa e
da manutenção da paz e da segurança internacionais, não obstantes sua retórica
de pregador messiânico, Obama conseguiu a proeza de não avançar no que recebeu
de W. Bush e de ainda piorar em alguns pontos – não que tenha sido diferente no
seio doméstico: ampliação dos programas de vigilância e manutenção da supressão
de liberdades individuais em Guantánamo, mais invasões de privacidade etc. – da
agenda: apesar de sempre ter criticado o intervencionismo unilateral de seu
antecessor, Barack Obama expandiu as ações clandestinas com drones a níveis
jamais vistos, matando não combatentes à distância sem o devido processo legal.
Pior ainda, para manter suas promessas pacifistas, Obama retirou as tropas do
Iraque e antecipou a saída das tropas do Afeganistão antes de terminar o
treinamento das forças de segurança locais– em ambos os casos, piorando a
segurança dos países em questão e rompendo com uma tradição que é um grande
legado americano para o mundo: após vencer uma guerra, ao invés de penalizar o
derrotado cobrando-lhe indenizações, como na tristemente célebre Paz de
Versalhes ao final da Grande Guerra, usar seus recursos para financiar a
reconstrução e ajudar na consolidação da paz, da democracia, do respeito aos
direitos humanos e do desenvolvimento dos países derrotados nos campos de batalha.
A postura vacilante de Obama, que parece mais preocupado em agradar seus
eleitores que em agir como o estadista que deveria ser, encontrou seu paroxismo
na Síria.
Ano passado, Barack Obama,
pressionado pelas atrocidades na guerra civil síria, falou demais e sem pensar
em uma entrevista e traçou uma “linha vermelha” no uso de armas químicas por
parte de Bashar al-Assad no conflito. A Síria possui um dos maiores arsenais
químicos do mundo – como sói ser nesses casos, sempre negou sua existência e não
seria surpresa se fizesse como o Iraque e o destruísse caso uma invasão fosse
iminente: são fatos bem documentados que Saddam Hussein não apenas possuía
armas químicas como as utilizou tanto na Guerra Irã-Iraque (1980-1988), no qual
fez 50 mil vítimas militares, quanto contra a minoria curda de seu país durante
e após a guerra, e as destruiu a tempo de impedir serem localizadas pelos
combatentes ocidentais, sustentando, com isso, uma das mais cínicas alegações
de inocência da história recente. Ciente da tibiez de Obama, al-Assad usou
armas químicas mais de uma vez, sempre em pequenas doses para não ficar óbvio o
seu uso e sempre com o intuito principal de aterrorizar civis e impedir apoio
aos insurgente ao invés de efetivamente mata-los. Todavia, quando os homens de
al-Assad erraram na mão e mataram mais de 1,2 mil pessoas com armas químicas,
Obama viu-se obrigado a agir. Muito a contragosto, diga-se. Ameaçou sem
convicção e usou como tábua de salvação a surreal proposta russa decorrente de
uma inacreditável trapalhada de seu próprio Chanceler, John Kerry, que, falando
demais e sem pensar como seu chefe, declarou que os EUA apenas não agiriam
contra a Síria caso o entregasse seu arsenal químico, algo que ele julgava
impensável. Como o inexperiente Kerry aprendeu pasmado, não há impensável em
política internacional: diante da deixa, a Síria agiu como o afogado para quem
jacaré é tábua e, 2 horas depois, concordou oficialmente em entregar seu
arsenal químico – aquele mesmo que os dirigentes garantiam que nunca existiu –
para destruição com apoio da Rússia, país que tem bloqueado qualquer tentativa
de aprovar uma ação multilateral contra al-Assad, para quem vende as armas que
matam os civis e de quem é cliente em seu único porto no estratégico Mar
Mediterrâneo. Com isso, Obama pôde olhar aliviado para o Nobel da Paz que tem
em sua mesa: não será preciso agir militarmente. Se é possível confiar em
al-Assad e em Putin I
da Rússia? Previsivelmente, não, como ambos deixaram claro imediatamente: tão
logo ficou patente o alívio de Obama por não ter de agir, al-Assad retomou os
bombardeios contra posições rebeldes (ele os havia suspendido para não dar
argumentos favoráveis àqueles que defendiam que uma intervenção americana
deveria estabelecer uma zona de exclusão aérea) e a Rússia enviou novos
armamentos para o ditador. E sobre os mais de 100 mil mortos que a guerra civil
de al-Assad já deixou e os mortos que ainda deixará? Para Obama, parece que não
importam, contanto que sua aura de pacifista esteja mantida para justificar seu
Nobel da Paz e sua popularidade esteja salva. A má notícia para Obama é que,
conforme o tempo passa, o aplauso efêmero da ausência de ação dá lugar à
culpabilidade da inação. 75 anos depois, vemos uma triste e involuntária
homenagem de Obama ao Jubileu de Diamantes do fiasco de Neville Chamberlain em
1938.
Pedro Nascimento Araujo é
economista
Comentários
Postar um comentário